Pedro Raposo, Banco de Portugal: «A mobilidade do trabalho foi a maior transformação que a pandemia trouxe»

Pedro Raposo, director de Recursos Humanos do Banco de Portugal defende que «o mercado potencial de trabalho expandiu-se e passou a ser totalmente móvel, dentro de competências iguais. Não interessa se é português ou estrangeiro». Leia o seu testemunho.

 

«Há muitos anos atrás, numa galáxia nada distante, os processos de recrutamento eram realizados por via de anúncios de jornal. Era necessário ver qual o jornal mais importante em cada região e depois fazer um anúncio atractivo para captar a atenção dos potenciais candidatos locais. Parece muito longe esta época e, acredito que para muitos dos leitores, quase “ medieval”. Mas é verdade. Por que é que isto acontecia? Porque a mobilidade do factor de produção trabalho era muito diminuta.

Para se contratar, por exemplo em Braga, havia que deslocar uma equipa a Braga e entrevistar potenciais candidatos que lá viviam. E porquê? Porque não era uma alternativa convidar alguém de Lisboa ou de Faro para ir trabalhar em Braga. Esses potenciais colaboradores teriam que mudar de casa, deslocar a família para Braga, procurar soluções de trabalho para o cônjuge/a, entre diversas complicações práticas decorrentes dessa deslocação. Podíamos contratar no Porto, mas mesmo assim com custo acrescido: tínhamos que compensar a deslocação para alguém que teria de fazer cerca de 100 quilómetros por dia, sendo esta, um risco rodoviário acrescido para esse colaborador.

A mobilidade do outro factor de produção, o capital, já é uma realidade há muitos anos. A tecnologia já tinha conseguido que as transferências de capital entre Estados, regiões e Continentes fossem uma realidade através de um simples carregar no botão, tornando esse factor de produção passível de ser encontrado facilmente em qualquer canto do mundo.

Qual a maior transformação que está pandemia trouxe? A mobilidade do trabalho, através da industrialização do teletrabalho. Já há vários anos existiam organizações a utilizar de forma intensa esta forma de trabalhar à distância, claro que sim, mas eram nichos de mercado, empresas de tecnologia, startup’s. Era uma “mania” diziam alguns, e na minha empresa não funcionava de certeza. Este era o pensamento geral. E agora? Hoje o teletrabalho é a norma nas organizações onde este é possível de ser realizado; e, com isto, deu-se sem termos reparado, uma das maiores transformações de sempre: o trabalho passou a ser totalmente móvel, desde que se possa fazer à distância.

Posso contratar para Braga qualquer cidadão português que tenha as qualificações exigidas. Posso mesmo contratar no mundo inteiro trabalhadores para Braga, desde que tenham as qualificações necessárias e falem português. E se a língua não for obstáculo e todos nos entendermos em inglês, posso contratar qualquer cidadão do mundo com as qualificações necessárias para trabalhar em Braga! Vejam que o meu mercado potencial passou de portugueses  a residir em Braga para cidadãos do mundo a residir onde estejam hoje! Vejam o que isto pode trazer de revolucionário.

O mercado potencial de trabalho expandiu-se e passou a ser totalmente móvel, dentro de competências iguais. Não interessa se é português ou estrangeiro, irrelevante nas suas crenças, religião, género. Como isto vai alterar a cultura das nossas organizações! Mais inclusivas, menos preconceituosas, mais meritocráticas.

Neste contexto totalmente novo, qual o papel dos Recursos Humanos? Fundamental o foco estratégico em vez do operacional. Recrutar no mercado mundial é muito diferente de recrutar no mercado local. Implica travar uma guerra de talento ao nível dos melhores, com instrumentos digitais de ponta e capacidade de atracção muito superior à existente hoje. Torna necessário criar uma proposta de valor capaz de concorrer com multinacionais que operam no mundo inteiro.

Pede-se assim ao futuro departamento de Recursos  Humanos que saiba mover-se neste mercado e possa trazer maior valor acrescentado à organização. Que fale a linguagem do negócio e, de igual para igual, possa discutir com os restantes colegas de departamento sem limitações. Que se torne deste modo um verdadeiro consultor da administração na questão das Pessoas e um parceiro de negócio para os seus pares.

Este artigo faz parte do tema de capa da edição de Outubro (n.º 118) da Human Resources, nas bancas.

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