10 000!

Dez mil horas são, de forma arredondada, 417 dias. Isso dá algo como pouco mais que um ano e um mês, e é a métrica a que Malcom Gladwell alude em “Outliers” para definir o “purgatório” pelo qual alguém tem necessariamente que passar para ter sucesso no empreendimento a que se propõe.

 

Por João Zúquete da Silva, chief Corporate officer da Altice Portugal

 

O conceito de Gladwell resulta da investigação levada a cabo por K. Anders Ericsson em conjunto com colegas. E a teoria alude basicamente ao facto de que, sem os 417 dias de prática – ou vinte horas por semana durante uma década –, os Beatles nunca poderiam ter sido uma das maiores bandas de todos os tempos. Mas, ao mesmo tempo que os Beatles trabalhavam no seu tirocínio, outras 500 ou mais bandas passavam exactamente pelo mesmo. E não consta que tenham existido 501 bandas com a dimensão e impacto na cultura popular que os Beatles tiveram.

Isto faz-nos chegar às noções de comunidade ou ecossistema e oportunidade para tentar explicar o porquê do sucesso dos Beatles. Por outras palavras: proporcionar um conjunto de condições – materiais, tempo, acesso ou simplesmente disponibilidade dos outros –, para que se chegue a um determinado estado de expertise e ser reconhecido como ímpar no seu campo (outlier).

O que nos traz às empresas e à Gestão de Pessoas. Eu trabalho numa empresa com mais de 7500 colaboradores e com uma antiguidade média superior a 20 anos. Não errarei por muito ao supor que a maioria dos meus colegas tem os tais 417 dias arredondados de experiência em determinado(s) tema(s). O que torna mais desafiantes as seguintes questões: como mantê-los interessados? Como dar condições para que se sintam desafiados e entreguem acima do que julgam ser capazes (definição estrita de evolução ou crescimento)? Que tipo de oportunidades posso propiciar a quem tem um histórico de formação on job que os torna especialistas? Como apelar ao sentimento de superação a quem tem todo um histórico de sucesso como base? Como, no fundo, garantir que a empresa proporciona o ecossistema ou as condições para que se gerem outliers de
sucesso dentro da mesma?

Tenho algumas pistas, não exaustivas. Mais do que as condições materiais, as empresas devem:

Garantir que o trabalho das pessoas tem um propósito, um significado. Reter as pessoas pelo significado do que fazem é muito mais importante do que dar um título à função ou oferecer fringe benefits (carro, gabinete, créditos Netflix, etc.).

Constituir verdadeiras equipas. Dar segurança para arriscar e para errar. Ensinar a aprender com o erro. Desmistificar a propriedade sobre certas temáticas, deixar as equipas trabalhar em função dos objectivos.

Falar verdade. Sempre. Na nossa cultura, temos tendência a hiperbolizar o feedback e andar com rodeios, deixando para o receptor do feedback a interpretação. Ao falar verdade, a seguir vem crescimento.

Finalmente, encorpar os valores da empresa e agir de acordo com os mesmos.
Se o meu colega (ou chefia) não demonstra que valoriza o meu tempo, e se a minha empresa tiver nos seus valores o do respeito, o que é que isso diz acerca da nossa relação de trabalho? Liderar pelo exemplo funciona bem no que diz respeito aos valores da empresa, torna-se rapidamente contagiante.

Adoptando estes princípios, as empresas conseguem proporcionar um ambiente de apoio e suporte para que os seus colaboradores se excedam, evoluam e progridam no sentido de se tornarem outliers. E penso que esse seja um dos principais desafios dos gestores de hoje: criar as condições suficientes para que os outliers floresçam dentro das suas organizações.

 

Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro da Human Resources.

Ler Mais