Como gerir com propósito pode fazer a diferença

Será o propósito ou o salário a mover as pessoas? Pode fazer a diferença na guerra pelo talento? Estas foram algumas das questões do crossfire, um dos momentos da XVIII Conferência Human Resources, às quais seis especialistas procuraram dar resposta.

 

Para falar sobre o que move as empresas, subiram a palco Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati; Ana Rita Lopes, directora de Recursos Humanos do Grupo Nabeiro – Delta Cafés; Elsa Carvalho, directora de Recursos Humanos da Caixa Geral de Depósitos (CGD); Nuno Ferreira Morgado, sócio da PLMJ Advogados; Pedro Jorge Silva, director de Recursos Humanos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML); e Tomás Moreno, responsável pela área de Transformação Cultural da EDP. Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources, e Tiago Brandão, director-geral da The Browers Company, moderaram o debate.

Ana Porfírio começou por partilhar que já tem antecedentes com o tema, que remonta há mais de 10 anos, quando o propósito já era discutido nos Estados Unidos. Admitiu, no entanto, que não foi fácil tentar implementar o propósito na altura, numa outra empresa. «Estávamos num contexto pré-crise. A empresa crescia a dois dígitos e, de repente, alguém disse numa reunião que devíamos trazer o tema ‘propósito’ para Portugal. (…) Mas não havia muito dinheiro para gastar» com a matéria. Fizeram-se reuniões, mas não se chegou a conclusão nenhuma. «O topo não estava envolvido com o propósito, e não resultou», lamentou.

Esta realidade contrasta com a de Elsa Carvalho, que assumiu a direcção de Recursos Humanos da CGD que, nos últimos tempos, tem sido alvo de reestruturação. Na CGD, sublinhou, «o propósito é muito claro: melhorar a qualidade de vida das famílias e empresas portuguesas, prestando serviços financeiros». Daí, resulta que «um terço das poupanças dos portugueses estejam no banco liderado por Paulo Macedo e que grande parte dos empréstimos de casa tenham sido concedidos pela Caixa Geral de Depósitos», disse.

Na EDP, uma empresa com mais de 12 mil colaboradores espalhados por 14 países de quatro continentes, começam a dar-se os primeiros passos neste tema, através de um novo projecto que irão desenvolver nos próximos seis meses, revelou Tomás Moreno.  Sem adiantar grandes detalhes, disse que «a EDP está a redefinir a sua cultura», justificando esta mudança com o facto de terem constatado que existem muitas culturas dentro da empresa e que esse é «um obstáculo à potenciação de valor». Contudo, «o propósito ainda está a ser definido».

Fez também notar que há uma diferença entre propósito, visão e missão. «Propósito é o porquê; o que nos une e faz levar a um caminho. E não tem nada a ver com números. Visão é o destino e missão é como fazê-lo. São partes da mesma casa que devem ser trabalhadas de forma individual», entende.

No que toca à SCML, Pedro Jorge Silva defendeu que a missão «perdura no tempo e é intocável» nos 521 anos daquela instituição: melhorar a qualidade de vida das pessoas. «É uma instituição de pessoas, feita por pessoas para pessoas», fez também questão de frisar.

Já Nuno Ferreira Morgado fez notar que «os advogados são talvez dos poucos profissionais que têm o propósito escrito na lei». Porém, e «apesar da nobreza», não chega. «É curta», ressalvou. Por isso, lembrou que a sociedade de advogados é parceira da Calouste Gulbenkian na MAZE-X, um programa de aceleração para startups de impacto social.

Também questionada sobre o propósito da Delta, Ana Rita Lopes proferiu uma mensagem de Rui Nabeiro, dono da gigante de cafés: «Deitar a semente à terra», ou seja, fazer algo pela dinamização da economia e comunidade portuguesa. Um projecto na qual a empresa tem vindo a trabalhar para atingir esse objectivo, no âmbito da nova estratégia de sustentabilidade do grupo Nabeiro, é a parceira Associação de Produtores Açorianos de Café, que visa apoiar os agricultores e produtores de cafés açoriano em todas as etapas da produção, preparação e comercialização do café daquela ilha durante os próximos 15 anos.

 

Como se manifesta o propósito

Em jeito de conclusão, foram partilhados exemplos práticos de como se externaliza e promove o propósito nas várias organizações presentes. «Temos vários propósitos para gerir mas sempre com a mesma missão», disse o director de Recursos Humanos da SCML, destacando dois projectos: o «Lisboa, Cidade de Todas as Idades»,  uma estratégia que tem como missão dar resposta às necessidades da população com mais de 65 anos que vive sozinha; e o «Reintegrar», que consiste na criação de postos de trabalho adaptados à sua realidade.

Por sua vez, a directora de Recursos Humanos da CGD deixou um recado: «Quando falamos de propósito, isto tem tanto de racional quanto de emocional. A missão e os valores são racionais. (…) Aquilo que não toca nas emoções e no coração das pessoas não é verdadeiramente mobilizador». Quer isto dizer que, «ou há emoção e conseguimos olhar para o lado emocional das pessoas e perceber que elas não são só razão e que, acima de tudo, o que nos move hoje em dia é muito mais a componente emocional do que o racional, ou qualquer projecto em torno de um propósito é perdedor».

 

Salário versus missão

Num contexto de escassez de talento, a directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati realça que o propósito é um dos argumentos utilizados no recrutamento da farmacêutica e que os candidatos valorizam este tema. «Aquilo que os candidatos nos dizem transversalmente é que aceitaram estar connosco porque reconhecem os profissionais que estão no terreno, a qualidade, a alegria no dia-a-dia e o compromisso com a organização», partilhou a responsável. E conclui: «Vivemos o nosso propósito – ‘mais e melhor vida’ – de forma muito natural. (…) Está integrado na nossa missão».

Mas será, de facto, o propósito a mover as pessoas? E transversalmente ou só para as novas gerações? Nuno Ferreira Morgado acredita que é importante para todas as pessoas. E isso não passa por ter que ter o propósito escrito, até porque «os advogados têm um Código Deontológico que sabemos que em termos práticos, muitas vezes, não vale muito. Acrescentarmos emoção nas pessoas à volta de uma empresa faz toda a diferença, prova disso é que no projecto social que temos, nunca vi tantos advogados a trabalhar de borla tão contentes. É um bom exemplo da importância que unirmo-nos à volta de um propósito nobre acrescenta a uma organização.»

 

 

Por Ana Rita Rebelo 

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