Por favor, matem as soft skills!
A learnalibity como aspecto diferenciador de uma Employer Brand
Por Patrícia Araújo, professora convidada no IPAM – Instituto Português de Administração e Marketing do Porto e CEO da Método Positivo – Consultoria, Coaching, Psicologia Positiva & Mindfulness
Há dias entrei, mais uma vez, na fatídica discussão (quem trabalha na área, sabe) sobre a terminologia usada para descrever competências core, competências transversais ou nucleares. Não foi a primeira, nem será a última vez. A ironia é que estava a discutir com alguém que deveria ter as suas core skills bastante desenvolvidas e, no entanto, continuava a insistir que estava correcta a expressão “soft”, argumentando que as designações eram irrelevantes, que as palavras nada influenciam e que nada havia a mudar.
Depois começou a deixar-se invadir por emoções e a explodir de raiva. Pois, quem trabalha com pessoas, com neurociências da linguagem e pensamento, com storytelling, sabe que é uma das maiores ignorâncias que se pode verbalizar.
No final da Employer Branding Conference, dei por mim a caminhar e a reflectir sobre tudo isto e muito mais, orientando a minha mente para o futuro do Employer Branding e, em particular, como queremos partir cada vez mais para organizações positivas e aprendentes, e para uma cultura de ‘Learnability’ em detrimento de continuarmos com este tipo de narrativa.
A investigação mais recente neste campo emergente é multidisciplinar da construção da marca empregadora para as próximas gerações e confirma que uma das dimensões que as próximas gerações mais desejam num empregador é a dimensão da inovação, do crescimento pessoal e das reais oportunidades de aprendizagem (ao contrário da geração baby boomer que nunca valorizou essa dimensão, e continua a ser, nas organizações portuguesas, a que menos valoriza a learnability).
Ora, comecemos pelo início, porque não quero de todo usar mais nenhuma vez a expressão “soft”. Estima-se que, muito provavelmente, a expressão soft skills terá tenha sido usada pela primeira vez em 1972, num manual do exército americano, para designar algumas competências de liderança e comunicação. Nessa altura, há muitas décadas que já existia investigação em ciências sociais e humanas, e dezenas de terminologias científicas adequadas para a promoção de competências. Importa ressalvar que as competências core, ou transversais, mudam com os tempos. Houve um momento em que a literacia digital foi uma competência core e, agora, a sua intensidade já não é tao expressiva.
Portanto, é importante que fique claro aqui e já, que não foi nunca nenhum cientista social a usar a tal denominação de ‘suave, soft ou macio’. E, como em todas as áreas científicas, a comunidade tem o direito e o dever de acertar e corrigir terminologias e educar para o futuro.
Infelizmente a expressão ‘pegou’ e impôs-se até hoje. Se teve um papel importante na rápida disseminação do tema, chegou a altura de acertar a língua.
A linguagem estrutura o nosso pensamento e a nossa narrativa. Uma missiva que me faz recordar um episódio interessante: corria o ano de 2003 e estava eu a trabalhar nos CRVCC’s (centros de reconhecimentos, validação e certificação de competências) e, nessa altura, todos nós nos referíamos aos vários tipos de competências, sem as julgar sobre ‘soft’ ou ‘hard’, ‘easy or difficult’, macias ou ásperas. Milhares, senão milhões, de investigadores, e profissionais do desenvolvimento trabalhavam competências de comunicação, liderança, empatia, inteligência emocional e muitas mais como áreas centrais (‘hard’) dos seus trabalhos. Era possível trabalhar e intervir na área sem lhes dar um rótulo extra do senso comum.
Estas competências estão associadas a áreas de investigação técnico-científica para muitos de nós e, logo, não são soft em nenhum sentido. A maior ironia de todas, contudo, e nisso todos parecem concordar, é que são das mais difíceis (hard) de desenvolver, devido, obviamente, à complexidade humana.
A certa altura, agrupam-se algumas destas competências num grupo de competências que fica conhecido como core skills, competências nucleares, e competências transversais, e que vão flutuando consoante o zeitgeist, o talento e o mercado, mas que, neste momento no tempo, com a chegada da inteligência artiifical, se tem aproximado cada vez mais das competências socio-interpessoais, que também muito foram trabalhadas nos anos 90 e 2000 do século XX, com milhares de milhões de euros de formação financiada.
Por exemplo, em muitos contextos as competências linguísticas (o inglês, a expressão escrita, e afins, já deixaram de ser uma core skill; foram-no talvez durante os anos 80 e 90).
Não sou a primeira nem a última profissional e investigadora a reflectir e a pedir o fim desta péssima designação. O mediático Seth Godin (não sendo cientista nesta área especifica) no seu artigo “The origin of soft skills”, conseguiu gerar algum burburinho para este problema de narrativa, mas mesmo assim cá continuamos.
Claro que, quem intervém nesta temática, sabe que há outros “síndromes” e paradoxos, cujo tema abordo no artigo. Estão relacionados com as soft skills, sendo um deles o que chamo o “Síndrome do Eles precisam”. Já ouvi dezenas de CEO’s, chefias intermédias e imensos líderes a afirmar claramente “Sim, eles precisam”. Ou seja, os outros é que precisam das soft skills, porque os próprios partem do princípio de que já têm todas as suas competências transversais desenvolvidas, incluído as próprias competências de liderança.
Re-humanizar as organizações
Uma outra narrativa que já há várias décadas que se tenta mudar eliminar a palavra recurso quando falamos de pessoas. É imperativo apostar nas pessoas, associado ao cliché do dia-a-dia que se ouve. Mas enquanto continuarmos a abordar a narrativa chamando-lhes recursos, será sempre algo a que recorrer, algo a que cortar. É preciso re-humanizar as organizações. As pessoas são muito mais que recursos. As pessoas são a organização e a definição de organização é um conjunto de pessoas que colaboram para um objectivo colectivo.
Este tema sempre me fascinou e trouxe-me à minha área de trabalho relacionada com a saúde ocupacional, a felicidade organizacional e, mais recentemente, o Employer Branding. Como a mim, muitos colegas de diversas áreas científicas – que, a certa altura das suas carreiras, percebem a importância central do estudo do comportamento humano e seu impacto nas nossas vidas – decidiram mudar radicalmente de carreira e começar de novo como profissionais do desenvolvimento humano.
É admirável, ainda que frequentemente perigoso e questionável. Recentemente, num debate sobre certificações e diplomas, dei por mim confrontada com uma colega certificado internacionalmente em Inteligência Eemocional. Fiquei intrigada pois já trabalho há décadas com a área e não sabia daquela certificação. Qual o meu espanto quando descubro que a certificação são 24 horas de formação e uns meros 1500 euros.
O Mindfulness é outra área onde pululam reconversões de carreira. Meditadores e instrutores com décadas de experiência, veem-se surpreendentemente ultrapassados mediaticamente por profissionais que obtiveram uma certificação xpto, em troca de um cheque e umas horas. De notar, que o Dalai Lama não é certificado em nenhum pacote específico de nada disto. É melhor avisá-lo que ele não deve andar aí a exercer, pois tem de tirar a certificação xpto primeiro.
Perdoem-me as ironias, mas neste mundo de rankings e certificações, chega um pouco, pois pouco mais se pode fazer se não ironizar.
Como avisava Thomas Kuhn, os primeiros que desafiam o paradigma vigente são sempre mal tratados. No caminho da ciência, o caminho da tese-antítese-síntese, pareço defender a antítese/ “anti-tese”, quando na realidade estou a defender a base mais fundamentada e clássica da tese.
Voltemos a respeitar cada área científica sem as rotular. Para todos os cientistas sociais, trabalhar com o desenvolvimento humano são as suas hard skills. Aprender a trabalhar com um computador, falar umas línguas, saber fazer uma comunicação em publica apelativa ou desenhar uns diapositivos /power points atractivos são as competências transversais de um cientista socio-humano.
Há coisas em que sou purgativa e aguerrida, como me chamava um professor meu. E, ao participar na Employer Branding Conference, organizada pela Talent Portugal, e estas reflexões enalteceram-se e precisei mesmo de colocá-las no papel. Porque, coincidência, ou não, neste evento profissional, onde múltiplas áreas cientificas se juntam em torno do Employer Branding (Psicologia, Tecnologia, Recursos Humanos, Marketing, Desporto e bem-estar físico nas organizações, etc), parece que os organizadores cuidadosamente denominaram os painéis com as palavras “competências” sem cair no “macio versos áspero”.
Todos falamos narrativas diferentes, mas em 100% de acordo que as competências humanas e sociais são o futuro.
Posso estar errada, mas enquanto persistir a narrativa do soft, tudo continuará a ser hard.