Reportagem: Os desafios do emprego jovem qualificado em tempos de COVID-19
O Consórcio Maior Empregabilidade (CME) é uma rede colaborativa de Instituições de Ensino Superior (IES) que trabalham a área da empregabilidade dos diplomados do ensino superior. Com a pandemia, o foco passou a ser a resposta à questão “Qual vai ser o futuro dos diplomados do ensino superior? Que alterações se vão concretizar? Como nos podemos adaptar a uma nova realidade?”.
Por Sandra M. Pinto
Na tentativa de responder a estas e outras questões, o CME tem vindo a receber diversos convidados, de diversas organizações que aportam as suas ideias e o seu conhecimento para a discussão do futuro do trabalho durante e após a pandemia. Dando continuidade a estas discussões, realizou-se a reunião subordinada ao tema “Os desafios do emprego jovem qualificado em tempos de pandemia”. Na reflexão, participaram Paulo Ayres, senior manager da Randstad Professionals, Tiago Diniz, da Federação Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico, e João Videira, do Conselho Nacional de Juventude.
«As Instituições de Ensino Superior (IES), neste tempo de grandes mudanças e, logo, de grandes incertezas, em especial, os Gabinetes de Promoção da Empregabilidade (GPE) têm uma série de desafios e oportunidades, novas competências a desenvolver e iniciativas a implementar», referiu Cristina Carita.
«Necessitam de ter informação relevante, de compreender as tendências de futuro, de perceber as implicações deste “novo normal” para poderem efectuar um acompanhamento eficiente e eficaz dos seus estudantes no que diz respeito à transição para o “novo” mercado de trabalho», acrescenta.
Como reagiram as empresas às condicionantes da pandemia?
Na perspectiva de Paulo Ayres, senior manager da Randstad Professionals, podem ser já retirados alguns ensinamentos deste período o qual se tem revelado bastante difícil e complicado para todos. «Cada mercado teve um comportamento diferente perante a pandemia, vejamos por exemplo a área de tecnologia, a qua vai terminar o ano com uma excelente performance e bons resultados», refere. Na realidade, esta foi uma área que praticamente não foi abalada, «pelo contrário, houve mesmo um acréscimo. Algumas empresas já tinham implementado algumas iniciativas de trabalhar a partir de casa, mas outras tiveram de implementar este novo modelo de trabalho através de projectos criados da “noite para do dia” para ter a tecnologia suficiente para colocar os colaboradores em casa.»
A pandemia obrigou muitas empresas a encararem uma nova realidade, a qual já existia mas não era comum a todas as organizações. «Esta a que assistimos foi uma inovação despoletada pela necessidade», defende o especialista da Randstad. «Se o marcado de IT já era dinâmico com esta nova realidade ganhou um renovado e acrescido dinamismo, pelo que é a área que vai entregar os melhores resultados este ano, ao contrário de quase todas as outras áreas.»
No caso da área de Vendas e Marketing. o impacto da pandemia foi muito maior, «esta foi uma área que caiu imediatamente e que está com algumas dificuldades em retomar até por causa das medidas implementadas pelo Estado de Emergência em vigor no país». No caso da indústria que sofreu bastante aquando do confinamento de março, mas que nos últimos meses tem vindo a recuperar, «foi um retomar rápido e num curto espaço de tempo».
Assim, relativamente aos processos de recrutamento durante a primeira vaga da pandemia, vemos que o IT não mudou e a procura e recrutamento continuaram. «Se os jovens que estão na faculdade sentem que têm alguma aptidão pela área tecnologia não hesitem e sigam esta área pois nunca vai existir ali falta de emprego», defende Paulo Ayres. «E se alguém que esteja noutro curso, por exemplo de finanças ou engenharia aposte nas ferramentas tecnológicas que essas áreas também têm.» O conselho é «procurem especializar-se, uma vez que a tecnologia muda e vai continuar a mudar a vida de todos nós, algo que se percebeu bem agora com a repentina situação da pandemia».
Continua: «As universidades devem adaptar os seus conteúdos programáticos para receberem as empresa tecnológicas de modo a que estas possam ajudar os alunos nesta necessária e cada vez mais premente adaptação tecnológica. E quando falo em universidades não me refiro apenas a engenharias ou ciências, mas também recursos humanos e outros, uma vez que esta necessária adaptação é transversal a todas as áreas como a pandemia bem veio demonstrar.»
Para o especialista quem está mais próximo de conseguir um emprego é quem está mais próximo das tecnologias, «quer seja tendo a tecnologia como formação de base, quer todos os outros que percebem que têm de conhecer o básico para poderem ajudar as organizações nesta inovação tecnológicas, e aqui falamos da automatização de processos da organização, quer sejam eles administrativos, financeiros ou outros, como os próprio processos industriais».
E o que aconteceu aos processos de recrutamento, será que as empresas pararam de recrutar colaboradores devido à pandemia ou não, e será que as empresas estão agora mais atentas a estas novas competências tecnológicas? «Do ponto de vista do recrutamento, algumas áreas não pararam absolutamente nada, como a tecnologia», constata Paulo Ayres. «O mesmo já não aconteceu na área da indústria onde muitas empresas pararam tendo o recrutamento abrandado bastante, mas o qual já foi retomado para já com bons resultados.» Já no que diz respeito à área de Recursos Humanos, Paulo Ayres concorda que esta sofreu com a pandemia. «Mas a verdade é que já se começam a perceber sinais de alguma retoma. Os negócios têm de continuar. As empresas pararam naquele primeiro momento, mas boa parte já retomou a actividade normal.»
O receio agora é perceber o que é que vai acontecer depois de Janeiro, como é que 2021 se vai comportar. «Do ponto de vista do recrutamento algumas áreas vão manter o bom comportamento como as IT, mas outras vão continuar a sentir dificuldades.»
Relativamente às características digitais , Paulo Ayres refere que «já não é concebível procurar emprego ser ter algumas skills digitais. Hoje é preciso ter alguma compreensão tecnológica, seja de plataformas de reuniões, de office ou outras». O especialista acrescenta que as organizações estão agora mais atentas aos candidatos que podem trazer novas soluções, «sejam novas soluções tecnológicas ou algumas ferramentas de suporte que tragam mais-valias aos processos da organização. Veja-se o caso da banca, que nunca precisou tanto de especialistas por exemplo em análise de dados ou programação. De facto, cada vez mais as empresas procuram nos candidatos que recrutam características e skills digitais.»
Como reagiram os estudantes e diplomados à pandemia e que anseios e receios têm relativamente à empregabilidade?
Na visão de Tiago Diniz, da Federação Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico, a primeira dificuldade que os estudantes sentiram foi de adaptação, perceber exactamente o que estava a acontecer. «A adaptação à parte tecnológica não me parece ter sido muito difícil ou complicada, mas a verdade é que nunca tínhamos pensado nas ferramentas tecnológicas como uma forma directa para aprender, nem do lado das instituições tinha sido sentido anteriormente como uma obrigação. Quando nos vimos forçados a isto todo o processo de adaptação do corpo docente e dos estudantes revelou-se como um enorme desafio», admite.
Muitas vezes, os estudantes sentiram que fazem «exactamente a mesma coisa, mas de forma online: as aulas são as mesmas, a matéria é a mesma, pelo que o desafio será pensar que talvez seja preciso adaptar práticas pedagógicas diferentes para também elas se adaptarem ao online». Na visão de Tiago Diniz, a necessidade de procurar mecanismos alternativos de, por exemplo, partilhar trabalhos de grupo, ter reuniões mais curtas em vez de serem sessões tão extensas, etc, toda esta vivência actual, vai fazer com que o perfil do estudante se vá actualizando. «Deste trabalho que está a ser feito através das instituições e no qual os estudantes têm estado envolvidos, fazendo a ponde com os gabinetes de emprego, verificamos que também aqui vão surgir novos desafios, diferentes dos anteriores.»
Tiago defende que estes gabinetes de emprego não podem ser veículos de uma só direcção, ou seja, «que não peguem nos estudantes e se limitem a disponibiliza-los às empresas, é também preciso e cada vez mais necessário que tenham uma vertente contrária pois muitas vezes são eles o primeiro contacto com as empresas, pelo que devem ter esta sensibilidade de perceber os pontos essenciais e trazê-los para as instituições para que se possa trabalhar de acordo com as expectativas das empresas, das organizações e do mercado de trabalho.»
Um dos desafios que já existia antes da pandemia e que permanece como extremamente importante é o de perceber o que é que as empresas procuram. «Com a constante mudança que existe são muitos os relatórios e estudos que afirmam que muitas profissões daqui a uns anos ou já não existem ou perderam presença no mercado de trabalho», refere. dando como exemplo a sua área, a contabilidade. «Mais uma vez, estes gabinetes de emprego têm de estar na linha da frente destes desafios, percebendo os novos desafios profissionais e de empregabilidade tentando ajudar ao máximo os estudantes e as instituições a perceber as expectativas das empresas e das organizações.»
Olhando para o momento actual, o representante da Federação Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico admite existir algum receio por parte dos jovens de verem colada a si alguma imagem de irresponsabilidade pessoal. «Mas há outro receio, que atinge sobretudo os recém licenciados, que é o rótulo de “os diplomados da COVID-19”, de acordo com o qual está subentendido um certo facilitismo devido à rápida e necessária transição para o digital e à forma como o ensino teve de se adaptar. Esta é a primeira imagem que se tem de desconstruir», afirma. «É preciso perceber que de facto houve uma adaptação, que teve os seus percalços, os seus pontos fortes e os seus pontos fracos, mas este foi o momento em que foram reforçadas as competências digitais. Um estudante de hoje, recém diplomado, foi obrigado a ter competências que os diplomados de há 3 ou 4 anos não sentiram necessidade.»
Tiago Diniz acrescenta que os recrutamentos começam a não contabilizar apenas os graus académicos, sendo apenas uma parte daquilo que é valorizado pelas empresas e pelas organizações. «Começamos a perceber que os recrutadores olham cada vez mais para as competências, para as motivações pessoais, ou seja, começamos a ver todo um novo método de procurar os melhores colaboradores que não se foca só no curso. Assim, um dos desafios de hoje é perceber em que é que cada estudante é diferente dos seus pares para que o recrutador o escolha e detrimento dos outros. Está a altura de olhar para a pandemia como uma oportunidade de inovar, de mudar velhos hábitos, mas também de dar mais e variadas competências, na vertente digital, pessoal e de organização. Os estudantes que agora terminaram os seus estudos são mais resilientes por tudo aquilo a que foram postos à prova.»
Para João Videira, do Conselho Nacional de Juventude, o problema sobre a a imagem dos diplomados não se vai colocar agora. «Estamos a falar em cursos de 3 anos ou em mestrados de 2 anos sendo que apenas um semestre foi afectado. A questão vai colocar-se mais para a frente». Pode haver a ideia de facilitismo no último semestre do ano lectivo 2019/2020, «mas com o ano lectivo que agora decorre, e no qual implementado um modelo mais hibrido, é que a questão se vai colocar de uma forma mais evidente.»
«Os números do desemprego jovem nos últimos quatro anos tinham vindo a diminuir», constata João Videira. «Já estávamos com uma taxa perto dos 8%, sendo que nos últimos seis meses voltou a disparar para os 25%.» Analisando, verifica-se que neste momento Portugal está a apenas 10% dos números de 2014/2015, «os números do desemprego provocados pela pandemia têm atingido de forma particular os jovens». O estudo, que foi feito sobre os níveis de ansiedade no Ensino Superior, concluiu que 80% dos estudantes tinham sentido um elevado índice de ansiedade e de stress o que é bastante sintomático daquilo que se está a passar no nosso país «e daquilo que a minha geração está a passar ao ser vitima de mais um flagelo, estando confinada à crise e às dificuldades», faz notar.
Para este jovem, o problema reside sobretudo no facto de não existir uma politica activa de criação de emprego. «Neste momento sofremos um grave problema em Portugal, pois estamos de certa forma a continuar a alimentar uma certa cultura de manter o sistema tal como ele está e de não olhar para o sistema do ponto de vista de progresso. Tal como as empresas estão a olhar para esta pandemia – as que vão conseguindo sobreviver -, como uma oportunidade de melhorar e de terem alguma inovação no seu modelo de negócio, parece-me que o próprio país também devia ter uma politica de expansão e de melhoramento no que diz respeito à área da formação e da promoção do emprego.»
Conclui: «Neste momento é preciso verdadeiramente começarmos a pensar no país como um todo e não apenas sector a sector. É preciso a existência de uma estratégia integrada de desenvolvimento e promoção do emprego, é preciso perceber que o Ensino Superior é essencial para a economia porque é nele que se dá formação e onde acontece a investigação. O desenvolvimento do país tem de partir de um grande investimento no desenvolvimento e consolidação do Ensino Superior. A OCDE que devia haver um investimento de 100 milhões por ano na investigação e desenvolvimento. Precisamos de uma pressão politica, em conjunto e englobando todo sector – jovens, estudantes, instituições de ensino superior, empresas e recrutadores -, para que aconteça uma reestruturação das medidas de apoio à contratação.»