Reportagem: Que desafios se vão colocar à Gestão de Pessoas em 2021?

A pandemia colocou muitos desafios à Gestão de Pessoas. Uns totalmente inesperados – como ter que proteger os colaboradores de um vírus desconhecido – e outros que já existiam mas que tiveram de ser respondidos quase de um dia para o outro – como a transformação digital, no negócio e nos modelos de trabalho, o que também exigiu novas competências. Mas 2021 não se perspectiva menos desafiante. Assim, fomos falar com vários responsáveis de Recursos Humanos, de sectores distintos, para nos falarem desses desafios. São eles: Tiago Mota Costa (Kaizen Institute), Nuno Oliveira (Zurich), João Santos Tavares (Teleperformance), Rita Monteiro (Sonae Arauco), Beatriz Ruiz (S21sec), Maurício Marques (Natixis) e Alice Matos (JLL).

Por Sandra M. Pinto

 

O ano de 2020 revelou-se inesperado e repleto de adaptações. Muito do que estava previsto para o futuro, concretizou-se no presente, como o teletrabalho e o reforço da digitação, e, apesar da pandemia causada pela COVID-19 ser uma situação temporária, a verdade é que muito do que vai acontecer em 2021 irá, certamente, ter em consideração as lições e os hábitos adquiridos no ano que agora termina. Com a palavra incerteza no horizonte e a situação de crise assegurada, importa perceber que desafios os profissionais de Recursos Humanos assinalam como prioritários para a Gestão de Pessoas  em 2021.

Os Recursos Humanos foram uma das áreas que mais colocou em prática a resiliência, a adaptação e a reinvenção durante a pandemia. Do controle de custos às estratégias relacionadas com cortes no quadro de colaboradores, passando pela necessidade de um rápido entendimento e gestão das medidas anunciadas pelo Governo em relação ao universo laboral e pela implementação do teletrabalho, com todos os problemas que esta adaptação repentina trouxe, os Recursos Humanos  estiveram na “linha da frente” das empresas e das organizações no que diz respeito à crise covid-19.

Agora, chegados a Dezembro, fazem-se balanços e perspectivam-se desafios. Falámos com vários responsáveis de Recursos Humanos de diferentes empresas oriundas de distintos sectores, para perceber que receios têm e que desafios assinalam relativamente a um ano que vai ser tudo, menos, tranquilo.

 

A pandemia de covid-19 criou um contexto disruptivo, que continuará a refletir-se em 2021, obrigando as empresas a repensar grande parte dos seus processos para manter ou aumentar a produtividade, num cenário que continuará seguramente a ser marcado pelo teletrabalho e por uma reforçada aceleração do mundo digital, defende Tiago Mota Costa, Senior Partner do Kaizen Institute Western Europe. «Na minha perspectiva, o maior desafio no próximo ano será a capacidade de adaptação das organizações às novas formas de trabalhar e serviço ao cliente, com novos objectivos disruptivos obrigando a uma gestão eficaz na mobilização de uma transformação diária e sustentada, envolvendo todas as pessoas, em todas as áreas, para chegar a níveis de desempenho económico e financeiro de excelência, garantindo o cumprimento das metas e a sustentabilidade dos negócios», refere, assinalando que «o mundo mudou, mas a importância dos Recursos Humanos na transformação do tecido empresarial continua a ser fundamental».

«Ainda que acabem por estar relacionados, gostaria de salientar dois desafios: em primeiro lugar, os modelos de trabalho e, em segundo, a saúde mental e o bem-estar dos colaboradores e das suas famílias», começa por referir Nuno Oliveira, director de Recursos Humanos da Zurich Portugal. A experiência adquirida pela organização nos últimos quatro anos, e os desafios que surgiram acentuados pela pandemia, vieram enaltecer ainda mais a importância de estabelecer como uma das prioridades a trabalhar em 2021 o tópico da saúde mental e do bem-estar. «Neste sentido, a “desconstrução” dos modelos de trabalho tal como os conhecíamos, associados ao elevado grau de incerteza no que respeita à evolução dos mercados e, simultaneamente, ao grau de exigência e expectativa dos clientes e parceiros do negócio, potencia o desenvolvimento de competências de autoconhecimento e autonomia por parte dos colaboradores, que necessitam de adaptar-se em função das suas próprias circunstâncias», defende Nuno Oliveira, para quem tudo isto requer uma cultura organizacional que promova esse desenvolvimento, num ambiente de segurança psicológica que potencie o melhor de cada um de nós e que nos capacite para os desafios do futuro.

«Ao dotarmos as nossas pessoas das competências certas para o sucesso – como a criatividade, a inovação, o trabalho colaborativo e a flexibilidade – estamos a reforçar o nosso compromisso com a sustentabilidade no trabalho e com a saúde mental». E é neste contexto que o tópico dos modelos de trabalho assume ainda maior relevância. «Através de políticas e modelos de trabalho mais ágeis, adaptáveis e inclusivos, acreditamos que conseguimos criar equipas sólidas, equilibradas e resilientes, com a força e a motivação necessárias para continuarmos a assegurar a jornada de transformação em que já nos encontramos, elevando a organização para o nível seguinte de serviço ao cliente que ambicionamos», assegura Nuno Oliveira.

 

Ultrapassar a imprevisibilidade

O ano de 2021 irá trazer vários desafios à Gestão de Recursos Humanos. Desde a imprevisibilidade do contexto devido à pandemia de Covid-19, às alterações já assumidas no mundo do trabalho que alteraram o paradigma de colaboração, são vários os temas que deverão ser endereçados.

Flexibilidade de processos e agilidade de actuação serão certamente um dos grandes desafios de 2021, acredita João Santos Tavares, CHRO na Teleperformance Portugal. A constante necessidade de adaptação na gestão da crise pandémica em consequência das determinações das várias instâncias governamentais, nacionais e internacionais, será, sem dúvida, um dos maiores testes de flexibilidade e de resiliência quer para as equipas de Recursos Humanos, quer para as organizações como um todo. A necessidade de tal flexibilidade resulta no segundo grande desafio que será a consolidação de estratégias que acompanhem a crescente tendência de colocação dos colaboradores em home office, como forma de assegurar um equilíbrio mais sustentado entre a atividade profissional e a vida pessoal. «A este nível, as organizações terão de encontrar a fórmula que melhor poderá responder às necessidades no negócio, às necessidades dos colaboradores e às necessidades do contexto social. Irá certamente competir aos Recursos Humanos desenhar as soluções que permitam balancear o home office com o trabalho no escritório, e o grau de flexibilidade que se poderá implementar sendo certo que, em muitos casos, a natureza do próprio negócio irá originar a criação de múltiplos cenários a implementar» refere.

Outro dos desafios crescente em 2020 e que certamente será crítico em 2021 será o tema da saúde mental. «Fruto de todas estas alterações contextuais, será fundamental às organizações, através dos Recursos Humanos, reconhecerem e endereçarem com profundidade este tema», defende João Santos Tavares que assinala mais dois desafios para 2021, por um lado a necessidade de revisitar toda a experiência do colaborador e efectuar todos os ajustes necessários que traduzam esta predominância de trabalho remoto, «desde o recrutamento, à realização dos planos de formação e desenvolvimento, passando por todos os processos de acompanhamento dos colaboradores», e por outro a comunicação interna, «um desafio complexo pois será a ferramenta que nos irá permitir consolidar a cultura da organização neste mundo remoto, que nos ajudará a gerir a mudança nestes tempos atípicos e que nos permitirá de uma forma permanente acompanhar todos os colaboradores de forma proactiva e na sua plenitude».

Como resultado da covid-19, além de uma massiva crise económica e social, estamos a assistir a uma fadiga generalizada da população.

Neste âmbito, e considerando o contexto de negócio, para Rita Monteiro, directora de Recursos Humanos da Ibéria, Sonae Arauco, «a empatia e a compaixão nunca foram tão relevantes numa empresa como são actualmente. Num momento em que a incerteza e o medo são sentimentos que invadem os colaboradores e em que, simultaneamente, temos uma parte significativa das equipas a trabalharem a partir de casa, manter a organização alinhada e com a energia certa à distância será o maior desafio para a área dos Recursos Humanos durante 2021». Este contexto de trabalho – que não se sabe quanto tempo durará – afecta em particular os projectos que dependem mais do trabalho de equipa e da criatividade, «mas também se reflecte na cultura organizacional, no sentimento de pertença e na motivação dos colaboradores, e pode impactar o seu bem-estar físico e psicológico, exigindo, assim, por parte dos gestores de recursos humanos, uma atitude de redobrada vigilância, combinada com agilidade para responder a cada situação», defende.

 

Ter a resiliência como pano de fundo

Em 2021, um dos desafios das áreas de RH será o futuro da organização do trabalho (e teletrabalho), que vai impactar a nova organização dos escritórios como espaços colaborativos de trabalho e reuniões.

«É muito provável que, com a nova situação, o plano estratégico de muitas empresas tenha mudado de direcção. Portanto, é fundamental estar alerta e entender as mudanças permanentes que vão ocorrer no ambiente de trabalho após a pandemia», assinala Beatriz Ruiz, Human Resources Director na S21sec, para quem 2021 será um ano marcado pelo desenvolvimento de novas aptidões críticas e competências chave. Para gerir as mudanças nas necessidades e competências sociais, áreas como Recursos Humanos devem ser capazes de identificar as áreas com mudanças mais significativas, bem como as funções e projectos que necessitam de apoio. «Os Recursos Humanos devem trabalhar em parceria com os gestores para encontrar funcionários motivados e influentes que forneçam suporte personalizado aos colaboradores, apesar da distância. As organizações precisam de líderes resilientes, agora mais do que nunca. Para construir resiliência, os líderes necessitam de suporte ao nível pessoal, de equipa e institucional», refere,  «2021 será caracterizado por um forte ênfase na employee experience, com foco na medição da satisfação e o clima das nossas organizações, Women in Leadership e Top Talent Retention».

No que diz respeito às áreas do digital e IT, as necessidades do mercado cresceram ainda mais em 2020, pelo que «acredito que no próximo ano o recrutamento para este sector se torne ainda mais competitivo», afirma com convicção Maurício Marques, director de Recursos Humanos da Natixis em Portugal. No caso desta empresa, «mesmo durante a pandemia aumentámos a equipa, que conta já com cerca de mil colaboradores nas áreas de IT e Banking Support Activities».

Em termos de gestão de Recursos Humanos e de equipas, crê o responsável que 2021 terá como desafio a liderança no trabalho remoto. «No nosso caso, esse desafio é mais relevante ao nível da gestão de equipas, a pandemia impôs a necessidade de gerir equipas dispersas, e esta deverá ser a nova realidade ainda durante o próximo ano».

Este ano que está quase a chegar ao fim foi muito desafiante. O próximo, ainda que à partida com menos “surpresas,” não se adivinha muito menos complexo, pelo menos numa perspectiva dos Recursos Humanos.

«Muito se tem debatido acerca dos impactos da massificação do teletrabalho na gestão de Recursos Humanos», refere Alice Matos, directora de Recursos Humanos na consultora imobiliária JLL para quem a grande questão que se levanta é: como vamos adaptar a nossa política de retenção e atração de talentos agora que estes mesmos talentos veem as suas carreiras tornarem-se muito mais flexíveis? «Se há um ano era mais complicado imaginar a possibilidade de um colaborador ter uma carreira numa empresa do outro lado do mundo, hoje em dia essa realidade está mais perto, já que podemos realizar, se não todas, pelo menos parte das nossas funções desde a nossa casa, sem que isso impacte a nossa vida pessoal, nem traga variadas complicações e custos logísticos», afirma a propósito.

Neste sentido, para esta responsável, os departamentos de Recurso Humanos têm hoje à sua disposição uma pool de talentos no mercado muito maior, mais diversificada e ainda mais exigente. «Em vez de acesso a candidatos locais, as empresas passam a ter como pool candidatos globais. Vão ter assim de recriar estratégias para atrair talento internacional, que queira trabalhar à distância, em modelo de projeto, em formatos distintos daquilo que era o “normal”. Para serem bem-sucedidas a reter estes perfis, vão também ter de ser muito mais flexíveis – repensando o onde, quando e como se trabalha», defende Alice Matos.

O outro desafio identificado pela directora de Recursos Humanos na consultora imobiliária JLL para as organizações será o de readaptarem os seus espaços para que os mesmos continuem a motivar as pessoas a saírem de casa e a interagirem ao vivo e a cores umas com as outras. «Para isso», acredita Alice Matos, para além de espaços modernos, confortáveis, flexíveis e “instagramáveis”, «os escritórios vão ter de passar a ser mais colaborativos e inspiradores, com uma estratégia de workplace adaptada ao negócio e à cultura organizacional para fomentar a produtividade, o engagement e o commitment das pessoas para com a organização». 2021 será, certamente, um ano com muitos desafios em todas as perspectivas.

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