Entrevista Ana Filipa Luzia, Team Lewis: «O foco deve estar nas pessoas, no que elas querem ser, e não apenas nas suas credenciais»

A Team Lewis, agência de marketing global, eliminou a necessidade de apresentar um CV para quem se quiser candidatar a qualquer uma das vagas disponíveis nos seus escritórios por todo o mundo. Esta é uma das várias iniciativas que a agência tem implementado para abrir portas a quem deseja mudar de área ou não possui um curso superior, de forma a promover a diversidade e a inclusão no mercado do marketing, como explica Ana Filipa Luzia, Head of Lisbon da Team Lewis.

 

Por Sandra M. Pinto

Com esta iniciativa a organização pretende quebrar barreiras por forma a ter em conta um espectro mais amplo de factores que impactam o sentimento de realização de um colaborador, esclarece em entrevista a responsável.

Enquanto agência de marketing global, qual a importância da gestão de pessoas no vosso dia-a-dia?

Tem enorme importância. Desde logo devido à nossa indústria e aos serviços que prestamos que, no fim do dia, são pensados e implementados por pessoas e feitos para pessoas. A agência foi fundada por jornalistas, mas hoje empregamos criativos, marketers, especialistas em SEO e publicidade digital que pensam e actuam como criadores de conteúdo e cujo objectivo é chegar às mais diversas audiências. Também porque somos uma agência com presença e acção global que, ao mesmo tempo, oferece uma enorme independência para actuar e pensar localmente. Crescemos de forma orgânica, desde um escritório em Londres até à presença em todo o mundo (Estados Unidos, Europa e Ásia e Pacífico), e hoje temos 24 escritórios próprios e mais de 500 especialistas que falam 40 línguas e interagem diariamente para troca de ideias. Esta realidade traduz-se num conjunto de pessoas com experiências e raízes muito diferentes que colaboram como uma só equipa e que aprendem uns com os outros de forma contínua – algo de que nos orgulhamos muito e faz parte do nosso ADN e do nosso sucesso. Tendo em conta estas duas premissas, acabamos por nos focar nas pessoas mais do que nos processos. Essa foi também a razão pela qual recentemente concluímos um rebrading da imagem e posicionamento da agência, que passou de LEWIS a TEAM LEWIS, colocando a equipa no centro. Internamente era algo já perfeitamente implementado, pelo que fazia sentido deixá-lo claro também externamente.

Com a pandemia quais foram os vossos maiores desafios no que diz respeito à gestão dos vossos recursos humanos?

Assistimos a várias mudanças em todas as frentes que tiveram impactos na forma como gerimos pessoas: a sociedade como um todo mudou, a parte pessoal foi sujeita a muitos desafios e, evidentemente, a pandemia agitou as águas no que toca aos negócios. Desde logo, os sucessivos confinamentos obrigaram-nos a agir rapidamente em defesa da saúde de todos e, naturalmente, do negócio já que era muito importante continuar ao lado dos nossos clientes. O principal desafio aqui foi colocar toda a gente a trabalhar de forma segura e equilibrada a partir de casa, que se traduziu numa grande mudança do processo produtivo uma vez que deixou de ser necessário partilhar um espaço físico para desenvolver a nossa criatividade. Tecnologicamente falando, felizmente a nossa infraestrutura já era muito boa antes da pandemia, pelo que foi fácil. De um dia para o outro toda a agência estava conectada e a trabalhar sem limitações. Por esse motivo, dedicámos toda a atenção ao bem-estar mental das nossas pessoas, dando-lhes ferramentas para lidar com a chamada “ditadura das videoconferências” e outros desafios do teletrabalho. O trabalho de agência é muito exigente e, por isso, torna-se imprescindível que não fiquemos eternamente no computador e que saibamos separar o tempo pessoal do profissional quando ambos se desenvolvem no mesmo espaço físico. Definitivamente queremos contar com profissionais que, de forma consciente e disciplinada, se desconectam, pois serão com certeza profissionais melhores e mais equilibrados. O agitar das águas do ponto de vista de negócio significou a busca dos clientes por diferentes serviços, sem dúvida mais digitais. Com essa mudança veio o desafio no que toca aos perfis profissionais e humanos – aqui entramos não apenas em novas contratações, mas, acima de tudo, na adaptação de quem já está na equipa às novas exigências dos clientes e no apoio à sua resposta às adversidades do mercado.

De que forma os ultrapassaram?
Como referi atrás, produziu-se uma grande mudança do processo produtivo: já não é preciso partilhar o mesmo espaço físico para trabalhar e desenvolver a nossa criatividade, desde que estejamos apoiados por uma boa infraestrutura tecnológica (que já existia no nosso caso). Penso que nos tornámos mais eficientes, produtivos, rápidos e criativos na busca por soluções para nós e para os nossos clientes como resposta a este desafio. Neste caso, a solução passou por ter desde logo um plano de contingência com diversas fases respeitando as necessidades da equipa e dos clientes. Quando necessário, foi muito rápido colocar a equipa a trabalhar de forma segura em casa e começar a planear um retorno, mesmo que o fim da pandemia estivesse longe. No que toca a toda a parte mental dos colaboradores, foram várias as iniciativas cujo principal objectivo era dar ferramentas às pessoas para responder a situações de stress e ansiedade ou promover as tão necessárias pausas no nosso agitado dia a dia. Estabelecemos em Portugal um dia por semana com um par de horas para fazer jogos online ou simplesmente conviver um pouco enquanto se bebe um café. A nível de EMEA fazemos o mesmo uma vez por trimestre. Temos aulas de ioga e HiiT semanalmente e um clube de arte uma vez por mês. Em Maio estabelecemos também uma parceria com a aplicação Calm que cultiva o bem-estar e a resiliência mental. No âmbito dessa parceria, todos os colaboradores que assim o entenderam tiveram acesso à aplicação de forma ilimitada. Algo que acreditamos que também ajudou, e já fazia parte da nossa forma de atuar, foi a política de liderança visível e próxima, deixando a todos a opção de pedir ajuda no que fosse necessário. Acreditamos, na verdade, que isso foi determinante para a união de todos durante a pandemia. Quanto à adaptação das equipas às novas exigências empresariais, procurámos sempre analisar caso a caso. Houve quem procurasse novos desafios dentro da agência e isso lhes fosse proporcionado (mudança de cargo e de área, por exemplo) e, claro, um grande investimento de tempo e recursos na formação. Em Portugal procurámos formação fora, mas houve também a participação activa num programa interno de formação chamado Marketing Masters, muito virado para a aquisição de competências para dar serviços digitais.

Vieram os novos modelos de trabalho impostos pela pandemia para ficar?
Acreditamos que sim. A pandemia deixou muito claro que o ser humano aprecia a interacção e, por isso, pensamos que o modelo híbrido de trabalho irá prevalecer. No fundo, é a forma de conciliar o melhor do trabalho remoto com o melhor das relações humanas. Se em casa somos produtivos e autónomos, no escritório trocamos ideias de forma mais espontânea, conhecemo-nos melhor e favorecemos sem dúvida algo que é muito importante na vida de uma empresa: a sua cultura. Na TEAM LEWIS optámos por um modelo de escritório híbrido e voluntário, ou seja, um formato no qual a equipa dispõe de um espaço de trabalho convidativo, confortável e inovador que está disponível 365 dias por ano para quem lá quiser ir. Se há quem prefira trabalhar a partir de casa, então também pode fazê-lo sem limitações. Este modelo já está implementado em alguns dos nossos escritórios a nível internacional, nomeadamente Madrid e Barcelona, e muito em breve estará também disponível também em Lisboa.

Continuaram a recrutar em 2020?
Sim, a equipa duplicou durante o tempo de pandemia.

Que dificuldades sentiram nesse processo?
A mudança constante do mercado, que ora tinha muita gente disponível e era difícil dar resposta a tanto talento, ora se fechava completamente, acreditamos nós, devido à incerteza económica. Como apresentamos uma mentalidade muito disruptiva, sentimos algumas vezes dificuldade em encontrar pessoas que pensem diferente entre si, tragam a sua própria marca e saibam canalizar essa visão única em benefício dos clientes acabando por tornar a agência também melhor. Por incrível que possa parecer, também sentimos dificuldades em recrutar no que toca à capacidade de falar outras línguas (inglês e castelhano principalmente), o que se torna muito evidente num ambiente internacional como o nosso.

Apresentam agora uma inovação relativamente precisamente a esses processos de recrutamento: não será preciso que os candidatos apresentem o tradicional CV. Por que tomaram esta opção?
A decisão de “reformar o CV” foi tomada em resposta a uma pesquisa realizada pela TEAM LEWIS em conjunto com a HeForShe, uma iniciativa de igualdade de género criada pelas Nações Unidas. O estudo, focado na Geração Z e nas suas atitudes perante o mundo do trabalho, revelou que apenas 20% dos jovens desta geração trabalhariam para uma empresa que não partilhasse dos seus valores. Este estudo não incluiu Portugal, mas fez-nos pensar, na mesma, bastante sobre o futuro das políticas de recrutamento e gestão de pessoas. Também nos fez pensar o facto de os indivíduos dos 15 aos 24 representarem um quinto da força de trabalho a nível global – acreditamos ser necessário ter em conta a sua visão. O impacto que esta pandemia teve nas mulheres e nos mais jovens e a desigualdade que teve lugar na nossa indústria ao longo deste tempo é ainda outro ponto a considerar. Não podemos ignorar que as pessoas, no geral, reconsideraram muitos aspetos da sua vida e que muitas sentiram que a carreira é o mais fácil de mudar. Por todos estes motivos, acreditamos que o foco deve estar nas pessoas, no que elas querem ser e não apenas nas suas credenciais.

Que objectivos pretendem alcançar com esta iniciativa?
Pretendemos quebrar barreiras por forma a ter em conta um espectro mais amplo de factores que impactam o sentimento de realização de um colaborador. Acreditamos também que a criatividade pode vir de qualquer lugar, pelo que quanto maior variedade, mais riqueza e potencial. Na verdade, acreditamos que a educação tradicional ou um grau académico pode não ser uma opção para todos e isso não deve definir o que cada indivíduo procura na sua carreira. Diferentes experiências de vida podem contribuir para o trabalho que se vai desenvolver e devemos considerar pessoas sem experiência em agência ou um grau académico. A nossa indústria tem vindo a travar uma luta desigual para encontrar e reter talento e pensamos que esta postura nos ajudará a minimizar esse impacto, ao mesmo tempo que ganhamos acesso a um conjunto de talentos menos tradicionais e mais diversos.

Será esta inovação implementada apenas em Portugal?
Não. Esta iniciativa é global e foi implementada em toda a TEAM LEWIS. Curiosamente, antes da mesma estar implementada, a TEAM LEWIS em Portugal já considerava perfis sem curso superior e acabava de fazer uma contratação com essas características.

O que representa para a TEAM LEWIS a diversidade e a inclusão? São dois pilares fundamentais da vossa política de Recursos Humanos?
De forma muito simples, acreditamos que a diversidade e a inclusão no local de trabalho estimulam a inovação, inspiram a criatividade e influenciam a performance de forma muito positiva. Por esse motivo, fomos naturalmente integrando estes pilares na nossa política global e, há sensivelmente um ano, criámos uma equipa global chamada “DICE” (Diversity, Inclusion, Care & Equality Team) responsável por dinamizar iniciativas neste sentido. É uma equipa que mensalmente dá conta de novidades internas a este respeito e que está disponível para quem queira contactar e precise de alguma ajuda.

Sem CV de que forma se podem candidatar os profissionais? Quantas vagas têm disponíveis?
A Team LEWIS encoraja todos os candidatos a visitar teamlewis.com/ER, onde lhes é pedido que descrevam com apenas uma palavra o que querem ser, anexando o link directo para a sua página de LinkedIn. A nossa Equipa de Talentos irá depois entrar em contacto com os candidatos para discutir as suas ambições e verificar se elas se enquadram nas mais de 100 vagas que temos disponíveis na agência em todo o mundo.

E em Portugal, quantas são disponibilizadas?
As equipas ibéricas funcionam de forma muito integrada pois muitos dos nossos clientes são partilhados. Por esse motivo é difícil indicar números desagregados, mas podemos confirmar que prevemos contratar entre 25 a 30 pessoas na região. Portugal fechou o ano fiscal a 31 de Julho com um crescimento de facturação superior a 30%. Estes óptimos resultados devem-se a uma equipa coesa, composta tanto por profissionais que já trabalham juntos há anos, como à integração de novos perfis com diferentes competências. Prevemos manter o crescimento a dois dígitos neste novo ano fiscal, razão pela qual vamos manter, ou até mesmo acelerar, o esforço nas contratações.

Alguma ou algumas áreas especificas?
As áreas em que actuamos, de comunicação e marketing, são quase sempre as prevalentes, embora às vezes também possam surgir oportunidades de apoio técnico, recursos humanos ou a nível operacional.

Que outras iniciativas têm implementadas com vista à contratação e retenção do melhor talento?
Como referi antes, temos implementado várias medidas nos últimos dois anos, olhando não apenas para a busca e retenção de talento, mas também a satisfação dos colaboradores. Oferecemos apoio externo em questões relacionadas com a carreira e a saúde/equilíbrio mental. Também através do programa “Causes”, cada colaborador da Team LEWIS escolheu uma entidade local sem fins lucrativos para apoiar no valor de mil euros. No âmbito desta iniciativa as equipas desenvolvem ideias criativas para as instituições e, em alguns casos, faz-se inclusivamente trabalho pro bono para elas. Mais recentemente, lançamos a RISE Academy, um novo programa pensado para pessoas sem grau académico e candidatos sem experiência em marketing ou comunicação, que oferece formação em lead generation, estratégia criativa, digital, content marketing, redes sociais, entre outros. Em alguns casos, os participantes têm a oportunidade de trabalhar directamente com clientes nossos. Outros podem mesmo vir a fazer parte da equipa a tempo inteiro. A RISE Academy é um exemplo das iniciativas internas promovidas pela equipa DICE de que falamos anteriormente.

Ao nível dos desafios do recrutamento, quais os que têm identificados e de que forma os têm vindo a ultrapassar?
Creio que já fui explicando um bocadinho ao longo das últimas respostas, estando sobretudo ligado a uma movimentação muito grande de perfis nesta indústria. A TEAM LEWIS atravessou bem este período de pandemia, tendo observado um crescimento da força de trabalho, mas é muito importante investir em novo talento e perfis diferenciados. Atravessamos um momento em que a busca de talento supera a oferta em larga escala e que nos leva a investir muito em meios para atrair e reter talento por forma a conseguir competir com outras marcas e os grandes players tecnológicos.

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