«A forma como estamos a trabalhar é completamente disfuncional», afirma o especialista José Soares

José Soares, professor catedrático em Fisiologia da Universidade do Porto e especialista em melhoria da performance (de pessoas e equipas), foi o orador de encerramento da XXII Conferência Human Resoures, alertando para a forma «completamente disfuncional» como as pessoas estão a trabalhar. «Está formada a tempestade perfeita para no futuro pagarmos um preço altíssimo do ponto de vista da saúde mental e da nossa performance». E afirmou: «Quando falamos em colocar as pessoas em primeiro lugar, é primordial perceber, antes de mais, como é que as pessoas estão. E elas estão mal, estão mesmo muito mal.»

Poe Sandra M. Pinto

 

Percebendo que poderia ser estranho para alguns, o professor de Fisiologia começou por explicar por que fazia sentido falar para uma plateia especializada em Recursos Humanos: «No fundo, está tudo relacionado: Se as pessoas são o centro das empresas, a fisiologia é o centro das pessoas.» Ligado desde sempre à performance, especialmente ao nível dos atletas de alta competição, além de músicos e bailarinos, José Soares confessa que sempre teve muito interesse sobre o tema. Em 2008 foi convidado para falar sobre o stress e a fadiga na tomada de decisão, «o que foi muito curioso, pois de imediato percebi uma coisa muito interessante: a forma como as pessoas estão a trabalhar é completamente disfuncional, e percebi que aquilo que aprendi com os atletas podia aplicar ao universo das empresas».

«A forma como estamos a trabalhar e o ambiente em que estamos a viver tem grandes consequências, especialmente ao nível da cognição», afirmou. Na visão do especialista, a situação que já estava má ficou agora muito pior. «Se olharmos para a forma como estamos a trabalhar agora verificamos que, por um lado, acentuou-se o isolamento social e, por outro, vulgarizou-se o teletrabalho», analisa. «Se juntarmos a estes dois aspectos a pressão social a que estamos a ser submetidos, está formada a tempestade perfeita para no futuro pagarmos um preço altíssimo do ponto de vista daquilo que é a saúde mental e a nossa performance». Exemplo disso mesmo é o aumento no consumo de antidepressivos. «Nunca ninguém toma, mas as vendas destes medicamentos aumentaram e muito nos últimos tempos.»

Na visão de José Soares isto veio abrir a caixa de Pandora. «Tudo o que andávamos a falar como os open space ou as cafetarias nas empresas para os colaboradores tomarem café juntos, de repente deixou de fazer sentido. Sendo que a quantidade de pessoas que “saíram do armário” para revelarem que não querem voltar para o escritório foi imensa. Toda esta situação cria como que uma nuvem subliminar no nosso cérebro, o que acaba por ter um impacto enorme naquilo que fazemos no dia-a-dia e na nossa performance. É incrível constactar que aquilo que aprendei com os atletas tem muitas semelhanças com o processo que acontece no mundo corporativo. É basicamente igual», afirmou.

O impacto que os profissionais sentem quando estão em situações de tensão, a que o especialista chama de fight or flight, é muito parecido com o que se passa com os atletas de alta competição quando estão a treinar ou a jogar. «Desta forma, quando não gerimos bem estas situações acabamos por pagar um preço muito elevado», reiterou. Todos sabemos que o trabalho tem de ser feito, mas importa perceber como se vai acomodar isso. E é aqui que, para José Soares, «todos temos de mudar. Mas as pessoas dificilmente mudam. É muito difícil mudar, particularmente nesta área dos recursos humanos, pelo que defendo que é chegada a altura das soft skills serem apoiadas pela science skills, e, juntas, ajudarem a esta adaptação dos profissionais à mudança.»

As mudanças a que agora assistimos impactam as pessoas de diferentes formas, há quem se vá adaptar a elas de uma forma fácil e sem problemas, mas há outras com quem isso não vai acontecer. «Não podemos querer que as nossas decisões ou opiniões tenham a concordância de todos», defende. «A ideia de que vamos olhar sempre para o copo meio cheio não é viável. Como foi publicado na revista Nature, há uma escala da felicidade, sendo que nem todos estamos no mesmo nível, uma vez que existe aqui uma componente biológica». Há uma enorme pressão para estarmos sempre felizes. E estar permanentemente em estado de fight or flight também não é viável. Aqui entra o cortisol. «Com esta mania de que temos de estar sempre em alerta, sempre a trabalhar como se o mundo dependesse disso, os níveis de cortisol sofrem alterações e isto é típico de uma situação disfuncional. A forma desregulada como estamos a trabalhar tem um preço elevadíssimo para o nosso organismo e «está a deixar os profissionais pura e simplesmente de rastos.»

Mais.. «Quando falamos em colocar as pessoas em primeiro lugar, é primordial perceber, antes de mais, como é que as pessoas estão, e elas estão mal, estão mesmo muito mal», acredita José Soares. «Isto vai levar a que no futuro venhamos a sofrer de stress pós-traumático, e é preciso estar alerta para isso mesmo.» Sempre que os profissionais estão preocupados em produzir mais e mais, o seu corpo está em stress, o que leva à produção de hormonas e à destruição de outras, como a ocitocina, responsável pela confiança. «E isto pode ser dramático», sublinha, o especialista.

«Por muito que o empregador diga ao profissional que pode confiar nele isso não vai acontecer, o que vem trazer uma importância acrescida ao onboarding», que nunca foi «tão importante como agora, pois se os profissionais sentirem que não têm um apoio, os seus níveis de ocitocina ficam muito baixos, o que leva a uma grande desconfiança destes profissionais para com tudo e com todos que os rodeiam. Vestir a camisola da organização e seguir o seu propósito acontece se o profissional tiver ocitocina, se esta for escassa, garantidamente, essa entrega tão desejada não vai acontecer», garante. De forma evidente percebe-se que todas estas reacções são, sobretudo, biológicas.

«Há pessoas que não gostam de trabalhar em equipa, mas fazem o seu trabalho muito bem, outras que são normalmente deprimidas e que não mudam com acções de carácter motivacional, devem ser aceites sem que as queiram mudar, isto também é implementar a inclusão dentro da empresa», defende, sublinhando: «isto é algo que tenho vindo a defender há muito tempo e que agora está mais evidente para todos. Antigamente julgava-se que as pessoas eram aquilo que mostram e isso não é verdade, «as pessoas são muito mais do que aquilo que mostram.»

A primeira coisa que todos temos de fazer quando queremos mudar é olhar para nós próprios e «seguir o programa dos Alcoólicos Anónimos: primeiro aceitar que existe um problema e depois perceber o impacto que esse problema tem na pessoa». Para José Soares, enquanto as pessoas estiverem sistematicamente a não aceitar como são e a não a perceber o impacto que isso tem em si próprios nunca vão mudar. Depois, na estratégia que devemos seguir há passos que não podem falar, «demonstrar empatia, tentando perceber se está tudo bem com as pessoas que, por exemplo, estão a trabalhar de casa; demonstrar objectivos precisos; e ter cuidado com a criatividade, pois quando se está com os níveis de stress muito elevado a criatividade diminui». E dá como exemplo dos músicos de jazz na vertente da improvisação.

«Nunca como agora foi necessário respirar antes de tomar uma decisão, uma vez que quando respiramos conseguimos controlar de uma forma eficaz o stress», aconselha o professor, terminando a sua intervenção com dois conselhos: «Celebrem o sucesso, nunca como agora isso foi preciso, por muito pequena que pareça ser a conquista celebrem, porque biologicamente isso provoca hormonas essenciais para a funcionalidade do cérebro e para o propósito, pois sem serotonina ou dopamina não há propósito. E criem comunidades, pois é aí que está a base da comunicação e da confiança entre as pessoas.»

 

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