Reportagem: A importância das mulheres no futuro da Agricultura em Portugal
Reconhecido como um exemplo de boas práticas pelo Parlamento Europeu e pelo comitê de mulheres da COPA-COGECA, o programa TalentA é uma iniciativa da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e da Corteva Agriscience que visa pôr em relevo a importância da mulher no futuro do meio rural. Para perceber o seu impacto falámos com Clara Serrano, vice-presidente da Unidade Comercial do Sul da Europa na Corteva Agriscience, e com as três vencedoras da última edição: Diana Valente, Inês Lopes e Mónica Alves.
Por Sandra M. Pinto
O programa TalentA nasceu em Espanha em 2019 e o seu sucesso ditou a sua expansão para outros países. Em Portugal, a primeira edição foi lançada em 2021 no seguimento de uma parceria com a CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal). «Esta é uma iniciativa pioneira de formação e financiamento para mulheres empresárias rurais que trabalham em projectos no sector agrícola ou agroalimentar», começa por referir Clara Serrano, vice-presidente da Unidade Comercial do Sul da Europa na Corteva Agriscience. A Corteva faz questão de reconhecer «diariamente o contributo das mulheres como fundamental para garantir a sobrevivência das áreas agrícola e pecuária, bem como das áreas rurais e, por isso, trabalhamos para promover e defender uma agricultura mais sustentável, equilibrada e que fomenta a inclusão das mulheres em todos os eixos da cadeia produtiva», esclarece. Este programa visa realçar o papel que as mulheres rurais desempenham no sector, apoiando-as no desenvolvimento dos seus projectos, tornando-os realidade com apoio financeiro e formativo, dotando-as de mais ferramentas.
Questionada sobre de que forma encara a evolução da presença das mulheres no sector, Clara Serrano afirma que «na Corteva, sabemos que o contributo das mulheres no meio rural é fundamental para garantir a sobrevivência da cadeia agrícola e pecuária e acreditamos que a formação e o apoio financeiro são a chave de sucesso para a implementação de qualquer projecto e para conseguir incentivar, captar e manter as mulheres na agricultura».
O meio rural enfrenta vários entraves, entre eles, o despovoamento, as desigualdades de acesso e de mobilidade, a falta de meios técnicos e especializados, as alterações climáticas, a instabilidade económica e ainda os impactos da pandemia. «As mulheres desempenham um papel indiscutível na agricultura familiar e no mundo rural português, assegurando parte significativa do trabalho nas explorações, mas enfrentam desde sempre muitos desafios no sector», afirma. Por um lado, a escassez de oportunidades de emprego, a falta de acesso a formação e tecnologias para desenvolver a sua actividade produtiva, e por outro, a desigualdade de género que resulta em salários mais baixos.
De acordo com a edição de 2019 das Estatísticas da Agricultura, Floresta e Pescas, divulgadas pelo Eurostat, o sector continua dominado por homens: as mulheres representam apenas 28,4% dos trabalhadores rurais. Tudo isto faz com que as mulheres se continuem a deslocar para as áreas urbanas e a contribuir para a desertificação rural, um problema social a combater em Portugal. Segundo um estudo de 2019 do Centro de Competências de Luta Contra a Desertificação, 60% do território português apresenta suscetibilidade moderada à desertificação e 11% uma suscetibilidade alta, o que dita ainda mais a necessidade de se combaterem estas desigualdades nos próximos anos e continuar a criar oportunidades para as mulheres se fixarem no meio rural. Neste contexto, «o apoio, o empoderamento económico e as políticas rurais, como este programa que lançámos, são essenciais para que as mulheres possam decidir a sua trajetória profissional», reforça.
O sector agrícola está a mudar e a tecnologia e a inovação são os guide lines do futuro. Perante isto, a formação é indispensável para acompanhar os desafios da agricultora actual e para preparar os agricultores e jovens agricultores a tirar mais vantagens nos processos produtivos. «A formação gera conhecimento e uma cadeia de valor para uma agricultura que se exige cada vez mais eficaz e sustentável. Nos últimos anos tem surgido uma consciência acrescida das práticas sustentáveis na agricultura que contribui para a valorização dos produtos agrícolas. Para a Corteva, é essencial que a transferência do conhecimento acompanhe o ritmo de produção da inovação, para uma agricultura cada vez mais responsável e qualitativa». Primeiro a pandemia, agora a guerra na Ucrânia. Como olha a responsável para o futuro do sector no curto prazo? «Apesar das dificuldades do momento actual em que o mundo se encontra e do mercado português ser relativamente pequeno, vamos continuar a elevar as mulheres num compromisso com o futuro do mundo rural e esperamos lançar em breve a terceira edição do programa TalentA, com o objectivo de amenizar desigualdades e apoiar mulheres que se dedicam incondicionalmente à agricultura».
Programa TalentA
«A iniciativa tem sido um sucesso em Portugal, contando já com um balanço positivo de 140 inscrições de empreendedoras rurais portuguesas, mostrando que as mulheres são muito necessárias à sobrevivência do meio rural», refere Clara Serrano. Da primeira edição saíram vencedoras: Sónia Brito, a grande vencedora com a “SR Berry”, um projecto que nasceu no Algarve e que tem como objectivo alargar a capacidade de produção de diospiros. Gilda Preto, prémio finalista com o projeto de biotecnologia para a propagação de plantas in vitro e Aline Domingues, com o projecto “Menina d´uva”, que recupera vinhas velhas que têm entre 30 e 65 anos, localizadas na região de Vimioso, para produção de vinho biológico.
Da segunda edição saíram vencedoras Diana Valente, uma jovem de 27 anos, criadora do projecto “Prazeres do Mondego”, localizado em Montemor-o-Velho, que tem como actividade principal a cerealicultura e a produção de bovinos de came de raças autóctones. Inês Lopes, de 27 anos, obteve o prémio de finalista com o projecto “Ptachio”, que visa a produção de pistácio e a recriação de porco alentejano, na zona de Arraiolos e Mónica Alves, de 42 anos, alcançou também o prémio de finalista com o projecto “Enxertar Ciência na Agricultura”, na zona de Resende, Viseu, que tem por objectivo o desenvolvimento de actividades de I&D, para desenvolver soluções para os problemas agrícola da região.
Os testemunhos
«Nasci no seio de uma família de agricultores da região do Baixo Mondego, onde a actividade agrícola é dominante. Assim, desde cedo, acompanhei as actividades diárias dos meus pais e avós que se dedicavam à agricultura, o que fez crescer em mim a paixão pelo sector», começa por revelar Diana Valente, 27 anos, criadora do projecto “Prazeres do Mondego”. «Enquanto me encontrava a frequentar o ensino secundário ouvi muitas vezes o meu pai e outras pessoas que me eram próximas a dizer que o sector agrícola não tinha futuro, que era uma área extremamente dura e muito pouco recompensada. Além disso, o meu pai dizia-me muitas vezes que o campo não era para mulheres, por ser uma actividade com alguma exigência física». Tudo isto fez com que, aos 18 anos, decidisse candidatar-se ao Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, tendo realizado o primeiro ano deste ciclo de estudos. No entanto, o desinteresse e desmotivação pela área em que se encontrava fez com que, no ano seguinte, se candidatasse ao Mestrado Integrado em Medicina Veterinária. «Nesta altura, a mudança de área foi bem aceite pela minha família que percebeu que não estava feliz a seguir um caminho pelo qual não tinha o mínimo interesse. E foi neste momento que tudo passou a fazer sentido», relembra. Enquanto avançava com os seus estudos no ensino superior, acompanhava o trabalho realizado na exploração familiar dedicada à produção de arroz e milho e bovinos de carne. Isto fez com que conseguisse aplicar muitos dos conhecimentos que ia adquirindo e «fez-me perceber a necessidade de obter mais conhecimento na área onde sonhava trabalhar». Deste modo, quando iniciou o 3.º ano de Medicina Veterinária candidatou-se à Licenciatura em Engenharia Agropecuária, tendo frequentado os dois cursos em simultâneo. «Assim que terminei esta Licenciatura, no 6.º ano de Medicina Veterinária, decidi avançar para o Mestrado em Gestão de Empresas Agrícolas. Actualmente, tendo terminado estas três formações e a Pós-Graduação em Promoção do Bem-Estar Animal, encontro-me a frequentar o Doutoramento em Ciências Veterinárias. E todo este investimento que realizei na aquisição de conhecimento teve como objectivo adquirir competências para melhorar a minha actividade no sector agrícola», assegura Diana.
O sector agrícola, é, verdadeiramente, um sector duro e, por vezes, muito pouco recompensado, refere. No entanto, embora poucas vezes reconhecido como tal, o sector agrícola é o sector de actividade mais importante para a sociedade. «Tal como Maslow afirmava, na Teoria da Motivação Humana, existem várias categorias de necessidades humanas, sendo que a necessidade de alimentação se encontra na base da pirâmide, não sendo relevante nenhuma outra se esta não estiver satisfeita. Assim, os agricultores têm uma das mais nobres missões, que é a de alimentar toda a população ao nível mundial, embora não sejam adequadamente reconhecidos», afirma.
Por outro lado, o facto de estarmos perante uma sociedade cada vez mais urbanizada, é também um entrave à adequada valorização do agricultor, defende. «A desinformação é cada vez mais evidente e dificulta muito a actividade agrícola. O agricultor, além de produzir alimentos, tem como função garantir que estes alimentos são seguros, actua na preservação do ambiente, dos recursos naturais, na conservação do nosso património genético vegetal e animal, na preservação do bem-estar animal, trabalha para impedir a desertificação dos territórios, contribui para a proteção da saúde pública, entre outras funções de extrema importância. E tudo isto é feito com empenho e dedicação, mas muito pouco reconhecido».
Por outro lado, existem todas as outras dificuldades inerentes à actividade agrícola. «Esta apresenta um enorme risco associado ao facto de trabalhar com sistemas biológicos e estar extremamente dependente dos recursos naturais. Isto faz com seja extremamente susceptível às alterações climáticas e à degradação ambiental. Além disso, é também susceptível a todas as crises económicas, como a que estamos a ultrapassar no momento». Atualmente, «os sistemas de produção que permitem produzir alimentos suficientes para toda a população estão altamente dependentes de energia e de outros factores de produção cujos custos aumentaram exponencialmente, o que limita bastante a atividade produtiva das empresas agrícolas».
Por fim, existem ainda algumas dificuldades associadas à descredibilização do trabalho feminino e do conhecimento de alguém cujos anos de experiência são ainda reduzidos, sublinha. «Neste ponto, penso estar a acontecer uma mudança de mentalidade importante e a prova disso é a realização do Programa TalentA, promovido pela CAP e Corteva Agriscience, que prevê reconhecer e valorizar o trabalho feminino nas zonas rurais».
Na visão da agricultora, para que seja possível ultrapassar grande parte destas dificuldades é necessário um trabalho contínuo de todos os agentes do sector. «Tenho realizado algum investimento na divulgação daquilo que é verdadeiramente a actividade agrícola e da sua importância para a sociedade. Tento fazê-lo junto dos meus alunos, dos meus colegas e da comunidade da minha região. Por outro lado, numa, perspectiva de defesa dos interesses de quem trabalha nesta actividade, juntei me, no início deste ano, a um grupo de outros 12 jovens agricultores, e fundámos a Associação de Jovens Agricultores do Vale do Mondego». Esta além de disponibilizar diversos serviços a todos os agricultores da região, «tem como objectivo reivindicar os direitos dos jovens agricultores, que são o futuro do sector. Além disso, uma das armas que tento utilizar diariamente na minha actividade é o conhecimento técnico e científico que fui adquirindo ao longo dos anos, e no qual prevejo continuar a investir», acrescenta.
Inês Lopes, 27 anos, mentora do projecto “Ptachio”, relembra que durante a infância, teve muito contato com o sector agrícola por via da família que, ainda hoje, tem olival, vinha e eucaliptal geridos pela sua avó – a matriarca. «Portanto, foi desde cedo que esta paixão pelo campo se despertou em mim, inspirada por grandes mulheres».
Para ela, as maiores dificuldades prendem-se com toda a burocracia necessária para se fazer agricultura e o tempo que demora cada processo.
«O agricultor está consciente que tem de esperar pelo ciclo biológico e que a Natureza não se apressa, no entanto, o maior entrave aos agricultores portugueses acaba mesmo por ser a natureza Humana – pesada, burocrática, processual e inimiga do empreendedorismo», explica. Sob de que forma as tem conseguido ultrapassar, Inês Lopes não hesita e responde de forma pronta, «com muita paciência, muita insistência e, tendo em consideração que o tempo é dinheiro, com mais fundos do que aqueles que seriam necessários dispensar.
A vontade de desenvolver um projecto próprio depois de 12 anos a trabalhar no apoio a empreendedores, associado à procura de um lifestyle distinto, foi o gatilho que levou Mónica Alves, 42 anos, impulsionadora do projecto “Enxertar Ciência na Agricultura”, a desenvolver a sua actividade profissional no sector da agricultura. «Pode dizer-se que o projecto Enxertada é também um projecto de vida, em que saímos da cidade de Lisboa e nos mudámos para o interior e assim reaprendemos a nossa relação com a Natureza e com o planeta», refere.
Ao nível das dificuldades sentidas, nomeia a resistência e a dúvida face a ideias novas. «Neste meio agrícola tradicional e maioritariamente masculino, as opiniões e decisões de uma mulher são sempre (numa primeira impressão) postas em causa», afirma, «medidas de proteção da biodiversidade, tecnologia, inovação, que são na minha opinião princípios irrefutáveis para uma agricultura sustentável, ainda são vistas num meio rural pequeno, como ideias “românticas”… mas não tenho dúvida que a médio prazo acabarão por vir a ser absorvidas por todos». De modo a ultrapassar estas dificuldades, Mónica refere, em primeiro lugar, «com uma forte aposta na minha formação e no desenvolvimento de parcerias estratégicas, tais como com universidades, outras empresas e instituições locais». Para ela «é muito importante a força e a resiliência, tipicamente femininas, que nos permite fazer face às dificuldades e alcançar os objectivos, pelo que iniciativas como o Prémio TalentA, servem exactamente para alimentar esta nossa força».
Ser mulher: vantagem ou entrave?
Mas será que estas três mulheres sentem algum estigma pelo facto de serem, precisamente, mulheres num sector que desde sempre foi maioritariamente masculino? Diana Valente, responde que sim, que esse sentimento ainda é comum. «Sinto que são ainda impostas algumas dificuldades associadas à descredibilização do trabalho feminino».
Para explicar, dá um exemplo prático: «nasci no seio de uma família de agricultores e, tal como os meus pais decidiram dedicar-se à actividade, também eu e o meu irmão decidimos seguir esse caminho. Tendo eu um irmão mais velho, homem, a dedicar-se à mesma actividade, percebo que, muitas vezes, alguns agentes do sector preferem dirigir-se a ele, mesmo que para resolver algum assunto referente ao meu projecto, que a mim directamente», conta.
Apesar disso, Diana, acredita que «esteja a acontecer uma evolução positiva e uma mudança de mentalidade no sentido de valorizar o trabalho e a presença da mulher na agricultura e no mundo rural».
«Ainda que ser mulher no sector agrícola seja uma inovação, pois o meio é tradicionalmente masculino, nunca senti nenhum tipo de estigma e considero-o uma vantagem competitiva», defende por seu lado Inês Lopes.
«Como mulher, sinto-me abençoada pelas minhas experiências pessoal e profissional, pois sei que sempre preservei a nossa dignidade e sempre estive rodeada de quem a respeitasse».
A empreendedora sublinha que «estudei e trabalhei rodeada de homens que sempre me consideraram tão fundamental como eles, pois, o trabalho é essencial a todos os seres humanos e é através dele que damos o nosso contributo à vida em sociedade». Assim, «ser mulher não me faz mais fraca, faz-me capaz de gerar riqueza em muitos campos, tal como aos homens».
«Na verdade, senti esse estigma no início da actividade», confessa Mónica Alves, «mas quando se consegue demonstrar a capacidade de inovar e de criar valor numa região desfavorecida e num sector ainda muito pouco profissionalizado, independentemente do nosso género, esse estigma é facilmente ultrapassado».
«Na nossa região, a igualdade de género ainda não é uma realidade», afirma, «ainda é uma prática comum pagar valores diferenciados a homens e mulheres, a desempenharem funções iguais». A Enxertada orienta-se pelos princípios dos referenciais internacionais GLOBALG.A.P e GRASPN, sendo que não aceita descriminações de qualquer tipo.
«Ultrapassadas as barreiras que actualmente ainda existem, as mulheres na agricultura aportam uma perspectiva diferente e rejuvenescida a este sector tradicionalmente dominado por homens, sendo que esta nova visão aberta e sem resistências contribui para a introdução de novas tecnologias e englobando no seu DNA o conceito de sustentabilidade económica e ambiental, procurando conhecimento e apoio através de sinergias com instituições de I&D, parceiros tecnológicos e instituições nacionais e internacionais», reforça, «este é o perfil na nova mulher agricultora!»
Formação de olhos postos no futuro
Sobre a importância da formação, Diana Valente refere que esta é uma ferramenta fundamental para a evolução do sector e para que seja possível ultrapassar todos os desafios que se lhe impõem diariamente. «Sendo este um sector multidisciplinar, existe uma diversidade enorme de áreas de formação importantes para a actividade», defende.
Olhando para a situação actual, a agricultora é da opinião que esta é pouco animadora, tendo em conta a grave crise económica e social que estamos a atravessar. «O sector agrícola encontra-se sob uma enorme pressão associada aos custos energéticos e dos factores de produção e à instabilidade de preços», refere. Para Diana este é o enorme desafio que teremos todos que ser capazes de ultrapassar nos próximos tempos e para o qual contamos com o apoio da sociedade e do Estado. «E quando digo todos, refiro-me não só a todos os agricultores, mas também a toda a população que está altamente dependente de nós, embora nem sempre tenha essa consciência», reforça. «Por outro lado», avança, «a longo prazo, teremos que ultrapassar outros importantes desafios associados às alterações climáticas, à necessidade de aumentar a produtividade para que sejamos capazes de alimentar adequadamente toda a população mundial, à necessidade de contrariar a desinformação crescente, entre outros». Mas, apesar de todos estes enormes desafios com os quais é diariamente confrontado, «o sector agrícola é um sector altamente resiliente e, contrariamente ao que o meu pai afirmava, é um sector que tem futuro, porque dele depende também o futuro de toda a sociedade», remata.
Na visão de Inês Lopes a formação é indispensável a um sector agrícola mais preparado e competitivo. «É ela que permite a utilização de novos métodos, novas variedades e novas tecnologias – a recolha de dados (registados, quantificados e precificados, à parcela, com recurso a software de apoio à gestão da exploração) permitem uma melhor gestão das práticas culturais e, consequentemente, uma agricultura mais produtiva e rentável». Mas para a ela a formação tem, ainda, outro aspecto essencial: o estímulo do gosto pela aprendizagem. «Quando mais aprendemos, mais nos apercebemos do que ainda temos por descobrir, o que nos motiva, em constância, a estar no ápice da inovação e a sentir aquela repugnação saudável face à estagnação».
Inês assinala que, neste momento, a maior dificuldade, pessoal, é conciliar o seu trabalho a tempo inteiro na CBRE em Lisboa com o seu projeto pessoal em Arraiolos, particularmente devido à distância geográfica entre um posto e o outro. «Costumo dizer que “tenho dois trabalhos a tempo inteiro”», afirma. No que ao sector diz respeito, e existindo nuances particulares a cada empresário agrícola que apenas uma auscultação inclusiva de todo o sector permitirá perceber, «acredito que algo transversal e que nos preocupa a todos é a água – água desperdiçada, água escoada directamente para o oceano, água não armazenada, água improdutiva, no fundo, água esquecida e fora das prioridades políticas relegando, também, para fora dessas prioridades, todo um sector», termina.
Para Mónica Alves, cuja formação de base é em Engenharia Biológica, a realização de uma pós-gradução em Prospetiva, Estratégia e Inovação (ISEG) e mais recentemente mestrado em Engenharia Agronómica (UTAD), foram ferramentas indispensáveis para definir uma estratégia para a empresa e para assegurar competências técnicas indispensáveis para gerir uma empresa cujas actividades principais são a fruticultura e a viticultura. «Isto porque a minha experiência anterior diz-me que a tomada de decisões estratégicas deve ser suportada em conhecimento técnico que não deve ser externalizado», assegura.
Sobre os desafios assinala que são muitos, mas opta por elencar três. «Desde logo as alterações climáticas, em parte associadas a práticas agrícolas intensivas, acarretam problemas vários tais como dificuldade de acesso a recursos hídricos, aparecimento de novas pragas e doenças e degradação do solo», refere, «a nova PAC já aponta novos caminhos, mas esses caminhos são ainda muito longos para a mentalidade generalizada dos agricultores portugueses». Na opinião de Mónica, a solução para a sustentabilidade da pequena agricultura pode passar pela introdução de tecnologias agrícolas mais inovadoras, para evitar potenciais perdas de produção e qualidade.
Depois refere a actual situação económica instável na Europa, a qual «se tem refletido num aumento dos custos factores de produção, apesar desse aumento ainda não se ter feito sentir no preço de venda dos produtos agrícolas, o que coloca os agricultores numa situação de debilidade, pela redução dos resultados para margens quase insustentáveis». Por fim, a escala, «com a globalização e a entrada de novos players com custo de produção muito mais baixos, a representarem uma séria ameaça para uma agricultura de pequena escala, muitas vezes familiar que existe em Portugal». Para esta agricultora, a manutenção do sector «só pode ser conseguida com estratégias de diferenciação, aposta na qualidade e criação de estruturas de cariz cooperativo que sejam, efectivamente, centradas nos interesses dos produtores, que infelizmente ainda não existem em Portugal», conclui.