Morais Leitão. Pessoas, organizações e saúde mental: Um tema de todos
No rescaldo da pandemia de COVID-19, à reflexão sobre o trabalho remoto seguiu-se, quase de imediato, outra: a tomada de consciência da problemática da saúde mental, até então pouco visível.
Por: Joana Almeida, advogada e directora de Pessoas da Morais Leitão
Qualquer profissão, se vivida com responsabilidade, origina stress. Mas pela própria natureza das coisas, algumas profissões são mais susceptíveis de colocar o indivíduo sob pressão do que outras. É o caso das profissões jurídicas. Os advogados, concretamente, sofrem a pressão dos prazos, da responsabilidade de representarem interesses de terceiros, do receio pelas consequências do erro. Aprende-se a viver com tudo isso, mas não sem marcas.
A maneira de olhar para este fenómeno mudou em resultado de uma convergência de factores. As novas gerações chegam ao mercado de trabalho com um posicionamento diferente sobre a importância relativa que ele tem. O trabalho remoto mostrou que é possível ser produtivo no contexto de soluções que promovem um melhor equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. As feridas de dois anos a viver e trabalhar em pandemia, entre isolamentos e um multitasking impiedoso, vieram à superfície. Indivíduos e organizações começaram a olhar para dentro, mas com olhos de ver.
Constatado o óbvio, por onde começar? Aqui, como em tudo, não há receitas milagrosas. À tomada de consciência seguem- se tentativas e erros, avanços e retrocessos. Uma coisa é certa: podemos e devemos falar sobre a saúde mental no trabalho, sob pena de as consequências serem devastadoras. Devemo-lo a nós e aos outros: colegas de trabalho, família, amigos. O tempo que passamos no trabalho significa que levamos as boas e más vibrações que dele retiramos para as outras esferas da nossa vida. Do ponto de vista das organizações, a equação também não é complicada: pessoas felizes e equilibradas trabalham bem, pessoas em stress e doentes trabalham pior, e contagiam o ambiente da organização.
O mero risco de as organizações perderem pessoas se não encontrarem soluções endógenas obriga-as a agir. Isso tanto vale para os que partem para estar bem, como os que ficam por estarem mal. Nos tempos que correm, soluções como o coaching fazem cada mais sentido como ferramenta de retenção de talento, por permitirem aos recursos formas de se reequilibrarem a partir da organização (dentro dela). Já iniciativas mais tradicionais (e porventura acessíveis) como o team building continuam a ter interesse, levando as pessoas a redescobrirem- se mutuamente para lá da pressão quotidiana do trabalho.
Como em muitos domínios, a pedra- -de-toque parece residir no equilíbrio. A advocacia será sempre uma profissão stressante (e não só para os advogados). Nela como em porventura outras actividades, compete-nos identificar e implementar estratégias que contribuam para aumentar a qualidade de vida no trabalho, combatendo excessos e criando espaço (que é como quem diz, tempo) para nos realizarmos fora dele, em família e naquilo que nos faz feliz.
Dentro deste enquadramento, há muito que as organizações podem fazer. Na Morais Leitão, 2022 arrancou com um pacote de três políticas, a que chamámos de “bem-estar”: uma política de trabalho híbrido aplicável a advogados e colaboradores, fruto dos ensinamentos dos sucessivos confinamentos e que institucionalizou que também os não advogados conseguem trabalhar fora do escritório, com as vantagens e desafios inerentes; uma política de parentalidade, que fomenta a partilha de responsabilidades parentais entre pais e mães advogados; e uma política de licenças sabáticas, que reconhece aos (nesta fase) advogados a possibilidade de tirarem tempo fora do escritório, para prosseguir interesses próprios ou simplesmente carregar baterias.
A par de políticas estruturais, o dia-a-dia conta, e muito. Na Morais Leitão, encaramos abertamente o tema da saúde mental, e por isso promovemos palestras internas sobre o bem-estar pessoal e das equipas e juntámo-nos à recém-criada Direito Mental, associação dedicada à promoção da saúde mental junto da comunidade jurídica portuguesa. Eis uma manifestação clara, e muito oportuna, da acuidade do tema.
Sejam quais forem as estratégias da organização, é muito importante não perder de vista que one size most definitely does not fit all. A preocupação de encarar a questão da saúde mental no trabalho não nos deve fazer esquecer que as pessoas são diferentes, e que a fórmula para uma pode não servir para outra. No meio do turbilhão do quotidiano, é preciso arranjar tempo para ler os sinais, ouvir as pessoas, provocar a conversa se ela não nos chega espontaneamente. Independentemente da área da organização em que nos encontramos (administração, recursos humanos, outra), todos e cada um de nós pode fazer a diferença se prestarmos atenção, detectarmos precocemente o problema e trabalharmos construtivamente, sem medos e tabus, para o resolver. Só assim faremos das nossas organizações comunidades saudáveis, onde as pessoas se realizam e deixam o melhor de si.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Advogados” publicado na edição de Maio (n.º 137) da Human Resources.
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