Hoje há Escola?

Por Valter Ferreira – Data Scientist, Marketeer, Economista do território, Inovador e Especialista em cidades humanas e inteligentes

Hoje decidi recuperar um artigo que escrevi em outubro de 2014 no extinto Distrito Online. Passados quase nove anos, o cenário não era muito diferente do que vemos nas ruas do Portugal de hoje. À data, tínhamos manchetes que diziam “O pior arranque de ano de sempre”, sete sindicatos reuniam-se com o Governo, todos diziam que era preciso reformar o processo e (uma grande diferença para os dias de hoje) o ministro admitia que tinham existido erros e que eram preciso corrigir.
Hoje para além da colocação, entraram na discussão outras vertentes, a saber, a justiça da avaliação e o descongelamento de carreiras.
Independente disto tudo, vejo o Ensino com uma das pedras basilares de qualquer sociedade. Tem-se perdido muito tempo a discutir o acessório e pouco tempo a resolver os problemas. Há data não me lembrava de um concurso de colocação de professores que tenha agradado a todos os atores envolvidos, mas, tal como sucedeu em 2014 em que não me recordava de nenhum com as “confusões” daquele ano. Também agora em 2023, não tenho memória de uma greve tão longa e concertada, com claros danos para alunos e encarregados de educação.
Sou “um filho” da escola pública, nunca frequentei uma escola privada, pelo que me sinto com alguma autoridade para comentar esta matéria. Ainda que não tenha nada contra e defenda de forma cerrada a liberdade de escolha e oportunidades de acesso iguais para todos. Tive excelentes professores, tive outros não tão bons, as escolas por onde passei deram-me sempre asas para sonhar, para crescer. Havia bullying, tínhamos frio no inverno, calor no verão, jogávamos à bola, ao mata, partíamos a cabeça, e os pais não nos iam buscar à porta da escola, em suma, éramos felizes, e não foi assim há tanto tempo. Também começávamos as aulas com a certeza de que em duas ou três disciplinas ainda não teríamos professor, e se enquanto crianças não ligamos e até era bom, porque o tempo de “recreio” era maior, enquanto adultos é preocupante saber que cumprir o programa se torna mais complicado e que existe um profissional/professor com a vida por resolver.
Mas quero expor aqui, e abrir à discussão, um novo modelo de colocação/contratação de professores. Desde há tempos a esta parte que tenho uma opinião sobre o assunto, e tenho pensado num modelo mais transparente e responsável.
Em outubro de 2022 no relatório “Education at a Glance 2022” a OCDE escrevia que os “Professores em Portugal são mal pagos e podem faltar num futuro próximo” e se analisarmos o período que separam estes dois artigos (2014-2023), segundo números do mesmo relatório “vencimento dos professores aumentou em média 3%, o que corresponde a metade do aumento médio nos restantes países da organização (6%)”. Todo este cenário não agoira nada de bom para o futuro do Ensino, e consequentemente do emprego em Portugal. Ao mesmo tempo vive-se ao um clima de baixa natalidade. Assim, com menos crianças, é “natural” que os professores mais jovens vejam aqui as suas expetativas defraudadas. Mas nem só os jovens professores alimentam estes números, também os professores mais experientes vivem anos de instabilidade, com a não aplicação das “regras normais” de empregabilidade a este setor de atividade, como por exemplo a efetividade ao fim de dois contratos. O que o Estado exige para qualquer empregador privado, a si e em matéria tão crítica como o Ensino, não aplica.
Ainda assim, e antes de avançar na proposta de colocação, como a quantidade de “líquido no copo” tem sempre duas perspetivas, a aplicabilidade das “regras normais” de empregabilidade deve também estar presente na procura de emprego, ou seja, não deve existir a expetativa que o Estado tem “a obrigação” de empregar um licenciado independente da sua formação. Aliás, a preocupação do Estado não deve ser a de “dar emprego”, mas sim a de assegurar que existem escolas de qualidade em todo o país, numa lógica de proximidade, aproveitando o setor privado e social, criando assim condições para o trabalho digno e para o Ensino digna. Acresce ainda que o modelo de concursos de colocação de professores é desde sempre alvo de críticas do setor. O que por si só demonstra que o problema pode não estar na forma de cálculo, mas sim em quem faz a mediação entre procura e oferta.
Na minha opinião a contratação/colocação de professores devia estar no controlo direto das Escolas/Agrupamentos Escolares, devendo ser estas a fazer o levantamento das necessidades de recrutamento e consequentemente o próprio recrutamento, desde a seleção ao recrutamento, com critérios transparentes e definidos pela própria Escola/Agrupamento, como por exemplo o equilíbrio na antiguidade dos professores (para evitar a exclusão dos professores de escalões remuneratórios mais elevados), alguns dos pressupostos atuais deveriam também ser mantidos na fórmula matemática, a avaliação de desempenho global dos professores ditaria a continuidade ou não do conselho executivo (para evitar vícios de forma), rácio de alunos por professor, etc. O modelo de avaliação de desempenho não seria somente focado no individuo, mas na  instituição como um todo, ou seja, o desempenho do todo seria sempre influenciado pela desempenho das partes.

Em suma, este modelo contempla:

  • Seleção e recrutamento feito diretamente pelas escolas;
  • Garantia de posto de trabalho para o professor se o número de alunos assim o justificar, desde que o professor atinja os objetivos traçados;
  • Efetividade ao fim de três contratos;
  • Impossibilidade de contratação pelas escolas de profissional para substituição de contrato não renovado;
  • Penalização da escola em caso de má avaliação de desempenho;
  • Modelo de avaliação de desempenhado codesenhado pela tutela, pelas escolas, pelos professores e pelos encarregados de educação;
  • Escolha das escolas às quais se candidatar, sem restrição de número de candidaturas, nem de espaço geográfico.