Entre turnos e comemorações: a importância do salário emocional na carreira de enfermagem

Depois de dias de festa, recordo os dias de trabalho no hospital. E ponho-me a pensar na importância do salário emocional para os milhares de profissionais de saúde espalhados por todo o país.

Por Tânia Simões, Head Nurse na MyCareforce

 

Passou mais um Carnaval, tempo de amigos, família e festa. É nestas alturas do ano que mais me lembro dos dias de festas em ambiente de hospital. Foram anos de cuidados: primeiro, ainda durante o curso; depois, como enfermeira, em turnos hospitalares que garantiam que, mesmo em dias em que as visitas escasseiam, os doentes não ficam sozinhos.

Mas, o que move um profissional a estar em cada unidade, num dia em que, preferencialmente, o enfermeiro quereria estar com os amigos ou com a família? É ser bem recebido? É ser bem pago? É a flexibilidade de saber que, trabalhando num dia da família, vai poder escolher um dia de trabalho para compensar esta ausência?

Acho que o resultado da equação é um conjunto de factores. Para muitos de nós, os turnos durante as festas são uma realidade, impulsionada pela necessidade financeira. Mas, ao mesmo tempo, há uma satisfação emocional em saber que estamos cuidando de alguém que é o amor da vida de outra pessoa. Este é o nosso salário emocional – um pagamento que não é quantificado, mas profundamente sentido.

Quando eu trabalhava como enfermeira, gostava de passar dias de celebrações com a minha família. E isso exigia, não só organizar-me em família, como com a minha equipa, que se tornou, inevitavelmente, uma segunda família.

Sempre que trabalhamos na área da saúde há qualquer coisa que nos faz mudar a forma como vemos o mundo: posso estar com a minha família; e, depois, com a minha “família” como prestadora de cuidados.

Uma forma de atenuar esta dualidade era partilharmos a refeição ou as máscaras preparadas por cada um dos profissionais e colegas: na hora da refeição com os colegas, estávamos juntos. No Natal, por exemplo, alguns colegas levavam gorros vermelhos, e iam prestar os cuidados com ele para dar cor à época festiva, e para dar a ideia de que também estávamos com eles a celebrar. As próprias refeições do hospital eram de Natal.

Durante o tempo em que trabalhei como enfermeira gestora, tentava sensibilizar as pessoas que, dentro do tempo que duram as celebrações, também era possível ajudar quem mais precisa. Não era possível agradar a todos, mas tentava agradar à maioria.

De acordo com dados da Ordem dos Enfermeiros referentes a 2022, existem em Portugal 81.799 profissionais da área, a quem é pedida a flexibilidade suficiente para colocarem em stand-by as suas vidas em troca de uma missão maior: os cuidados de saúde de outros.

Porém, não nos esqueçamos que, para um enfermeiro poder cuidado do doente, alguém tem de cuidar do enfermeiro. E como acontece esse cuidado? Estando bem nas duas famílias, sentir-se bem recebido no local de trabalho. E este bem-estar depende de muitos cuidadores: requer reconhecimento, por parte dos administradores, e até por parte dos doentes.

À medida que os dias acalmam das festas e as celebrações dão lugar à rotina, os momentos passados nos corredores do hospital permanecem.

Estes anos de experiências ensinaram-me que, enquanto o salário que recebemos seria para compensar o trabalho físico e as horas dedicadas, é o salário emocional que verdadeiramente enriquece a nossa alma. Nos sorrisos dos pacientes, no apoio dos colegas, e no reconhecimento silencioso dos gestos de cuidado, encontramos a nossa verdadeira recompensa.

Como enfermeiros, carregamos estes presentes invisíveis em todos os dias de nosso ofício. E é nessa troca de cuidado e compaixão que nos lembramos por que escolhemos ser enfermeiros, onde cada turno é uma oportunidade de tocar uma vida e ser tocado.

Assim, enquanto nos preparamos para mais um ano de serviço dedicado, levamos connosco não apenas a gratidão por poder cuidar, mas também a esperança de um futuro onde a valorização da enfermagem seja tão visível quanto o amor e a dedicação que colocamos em cada gesto de cuidado.

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