Flash Talk. Francisco Miranda Rodrigues, OPP: «Ainda há muito mental washing. É preciso mudar as práticas de gestão, formar as lideranças e agir com base em evidência científica e não no “achómetro”»
Promover a mudança de comportamentos das lideranças para a melhoria das práticas de gestão que contribuem para um local de trabalho mais saudável é o objectivo dos Healthy Worplaces Awards. Para Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem de Psicólogos Portugueses, a inexistência de locais de trabalho saudáveis coloca em risco a sobrevivência da própria organização.
Por Tânia Reis
A edição deste ano, a 5.ª, acontece em parceria com a ACT e o alto patrocínio dos Ministérios da Saúde, Educação e do Presidente da República. Já recebeu a candidatura de mais de uma centena de pequenas, médias e grandes organizações, de vários sectores de actividade. Apesar de as empresas estarem mais conscientes de que este é um aspecto importante a considerar na sua estratégia, o bastonário defende que é fundamental formar as lideranças e actualizar a legislação.
A OPP está a promover a 5.ª edição dos Healthy Workplaces Award. Em que consiste este Prémio Locais de trabalho saudáveis?
É um prémio que pretende reconhecer e distinguir as organizações portuguesas com práticas de gestão promotoras da segurança, bem-estar e saúde no local de trabalho. Irá distinguir aquelas que mais demonstram um forte empenho e uma abordagem participativa na gestão dos riscos psicossociais e da Saúde Ocupacional, assim como na promoção de condições que suportem a saúde e o bem-estar dos trabalhadores.
Por que sentiram a necessidade de lançar esta iniciativa?
Surgiu de um desafio da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, no âmbito de uma campanha para a promoção de locais de trabalho saudáveis e a prevenção dos riscos psicossociais. Consideramos que, através deste reconhecimento, promovemos a mudança de comportamentos das lideranças das organizações para a melhoria das práticas de gestão que podem contribuir para um local de trabalho com mais bem-estar e mais saudável.
Quais os requisitos necessários para uma organização se candidatar?
As candidaturas à atribuição do Selo e do Prémio Healthy Workplaces – Locais de Trabalho Saudáveis podem ser apresentadas pela direcção ou administração da entidade ou pelo responsável pela área de Recursos Humanos. Cada entidade pode apresentar apenas uma candidatura, sendo esta isenta de custos.
São excluídas candidaturas de entidades que não tenham organizados os serviços de Segurança e Saúde no Trabalho e que, tendo mais de sete trabalhadores, não tenham um Código de Boa Conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho. São excluídas também as candidaturas de entidades que tenham nos dois anos antes à data de submissão de candidatura sido alvo de uma contraordenação da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) na área da segurança e saúde no trabalho.
A candidatura a apresentar deve reflectir uma visão abrangente e multifacetada da realidade de toda a entidade, espelhando os diferentes intervenientes envolvidos.
Quantas organizações se candidataram à edição deste ano?
Mais de 100 e são pequenas, médias e grandes organizações, de vários sectores de actividade, públicas e privadas.
Que resultados obtiveram até agora?
A notoriedade do prémio e selos tem vindo a crescer, é hoje uma componente da informação de risco consultável nos relatórios da Informa DB, tem vindo a ter cada mais participantes e mais organizações distinguidas. Este ano, para além da parceria com a ACT e do apoio de associações empresarias e sindicatos, juntámos aos altos patrocínios do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação, o de Sua Exa. o Presidente da República.
Como se constrói um local de trabalho saudável? Ou seja, de que forma podem as organizações promover a segurança, bem-estar e saúde física e psicológica dos seus trabalhadores?
O primeiro passo para construir um local de trabalho saudável deve passar por recolher informação sobre os factores de risco existentes na organização. Este levantamento de informação permitirá compreender as características do local de trabalho e identificar áreas de acção prioritárias para a maximização dos factores de protecção da saúde e do bem-estar e a minimização dos factores de risco.
Embora os locais de trabalho sejam diferentes, existe um conjunto de riscos psicossociais que são relevantes para todos. Exemplos disso são a conciliação da vida pessoal e do trabalho, a carga de trabalho, as exigências cognitivas, o trabalho por turnos ou as lideranças tóxicas.
Após conhecer estes riscos, é necessário desenhar um plano de prevenção à medida. Depois disso, é o momento de avaliar o seu impacto e reiniciar o processo.
Que impacto tem a inexistência de locais de trabalho saudáveis nos colaboradores? E nas empresas?
Está em risco a sustentabilidade das organizações e a sua sobrevivência. Se não atraírem talento ou não os vincularem, se tiverem um absentismo muito elevado ou presentismo… para além de reduzir a criatividade e aumentar o número de erros cometidos.
Como analisa a realidade dos locais de trabalho em Portugal? Estamos no bom caminho?
As empresas estão mais conscientes de que este é um aspecto importante a considerar na sua estratégia. Cada vez mais consideram uma forma de reduzir custos, aumentar a produtividade e atrair e vincular talento e é também isso que a investigação nos diz.
As empresas estão realmente preocupadas com estes temas?
Algumas. Mas ainda há muito mental washing. Isto não é fazer umas coisas para parecer que se faz. É preciso mudar as práticas de gestão para mudar a cultura, se for caso disso, e desenvolver acções com evidência científica e não pelo “achómetro”.
O que falta fazer?
Continuar a sensibilizar, continuar a reconhecer, formar as lideranças cada vez mais nestas matérias, para além da sua qualificação – que em Portugal é ainda muito baixa. E dar um pequeno empurrão legislativo acompanhado de fiscalização.
A legislação laboral existente é suficiente?
Deve ser melhorada, actualizando-a. Actualmente ainda não reflecte verdadeiramente a saúde como um todo e a necessidade de planos de prevenção nesta área. Para além disso, as equipas de saúde ocupacional estão incompletas, faltando pelo menos a inclusão do psicólogo do trabalho.
A pandemia deu maior visibilidade ao tema da saúde mental dos cidadãos, porém ainda permanecem estigmas e preconceitos associados. Como contrariar essa tendência? O que podem as organizações fazer? E os trabalhadores?
Mais acções de ajudem a desenvolver a literacia nesta área – não é dar apenas informação pois isso não é literacia – e mais acesso, mais acesso, mais acesso aos serviços de saúde mental em geral e dos psicólogos em particular.