FEEL. Formação, Emoções, Empreendedorismo e Liderança

Quais as condições necessárias para o surgimento de um líder? De que modo os primeiros tempos de vida e o meio envolvente condicionam a formação intelectual do individuo/líder? Será o empreendedorismo uma característica inata?

Por Rui Roque, sociólogo

 

“ Quando se quer uma coisa, o Universo sempre conspira a nosso favor ”

                                                                        (Paulo Coelho, O Alquimista)

Num clima de incerteza relativamente ao futuro, aliado a alguma instabilidade na actualidade, importa, além das questões colocadas como “mote de partida” para esta reflexão, tentar perceber: por que motivo escasseiam os verdadeiros líderes; o que justifica que, cada vez mais, os indivíduos prefiram ser liderados, ao invés de ambicionarem tornar-se líderes? E, quais os caminhos que conduzem ao empreendorismo?

Dos vários conceitos de empreendedorismo, optei por seguir o de José A. Porfírio (2019), para quem: “O empreendedorismo materializa-se na aplicação prática da inteligência humana, para o desenvolvimento da própria humanidade, sendo estimulado desde os primórdios do ser humano, pelas características agrestes do meio ambiente, que promoviam o seu espírito empreendedor, principalmente para fins de sobrevivência, segurança e progresso”.

Deste modo podemos concluir que o empreendedorismo é uma caraterística inerente ao Homem, desde os primeiros tempos da sua existência.

No entanto, Porfírio, é mais explícito ao afirmar: “Empreendedor é aquele que é capaz de assumir riscos e responsabilidades, concebendo e implementando estratégias inovadora e criando negócios novos”.

Marian Estapé (2023) afirma a esse respeito: “os bebés precisam de muitas horas de sono, durante as quais se vão sucedendo inúmeras alterações neuroniais de importância vital. Se sentirem a mãe, dormirão muito mais serenos e em paz, do que sentirem que estão sós e desprezados”.

Neste momento, deve ter-se em atenção o nível de segregação de oxitocina que o bebé regista, uma vez que ela é responsável, pelo aumento do bem-estar e prazer da criança. Estapé (2023) conclui que: “Uma vez segregada a oxitocina, ela circula pela corrente sanguínea, irrigando múltiplos tecidos do organismo e produzindo como efeito uma sensação de calma e serenidade, bem como uma maior empatia”.

Mas existe algum momento para o aparecimento deste comportamento?

Ao longo da sua vida, o indivíduo vai adaptando e reajustando o seu relacionamento entre o corpo, a alma e a mente, e atinge a sua vivência plena na sociedade, tal como defende Aristóteles: “O Homem é um ser social por natureza”.

O desenvolvimento dos sentimentos traz como consequência o emergir de um estado de consciência, levando a um aumento de subjectividade no indivíduo, que se vai desenvolvendo ao longo da sua vida.

Será este estado de consciência/incremento da subjectividade, que leva o indivíduo a superar-se e a procurar respostas, diferentes das proporcionadas pelo grupo onde se insere. Deste modo, dá-se a constituição de dois grupos, com características diferentes: quem ambiciona liderar, ou quem opta por ser liderado.

Mas este processo de superação e afirmação da personalidade do indivíduo inicia-se desde os primeiros tempos de vida, assumindo uma primordial importância nesta etapa os pais e restantes membros da comunidade onde está inserido.

Alguns autores, como Marlene Migueis (2019), reforçam a importância que os primeiros anos de vida, bem como o grupo envolvente (pais/escola) têm no desenvolvimento da personalidade do futuro líder/empreendedor: “Os educadores de infância e os adultos que lidam com a criança são considerados agentes importantes no desenvolvimento de um cultura empreendedora, pois ao valorizar o seu esforço, analisando cuidadosamente as suas propostas ou projectos, podem propor trabalhos que desencadeiem o envolvimento e a implicação da criança, criando assim condições para que se torne empreendedora”.

Podemos então concluir que é desde a infância que devemos, não só promover, como criar as condições necessárias para que a criança se torne autónoma e criativa, resultando daqui um estado em que: “a criança deverá ser capaz de definir e implementar projectos inovadores e emancipados”.

Mais tarde, por altura do secundário, de acordo com os relatórios da Comissão Europeia, o empreendedorismo deve ser ministrado de uma forma prática personalizada, com base na experiência e privilegiar sempre a acção. Esta postura está em contradição com o que ocorre na maioria das salas de aula, e que assenta numa relação professor/aluno.

Importa ainda por fim referir o conceito de Carmen Freitas (2019), para quem: “O empreendedorismo inicia-se com a identificação de uma oportunidade por parte de um indivíduo, o empreendedor que posteriormente desenvolverá um plano estratégico para a sua exploração, que incluirá a reorganização dos recursos necessários”.

Ao longo do tempo, as emoções sempre fazem parte do nosso quotidiano. Por vezes podemos mesmo falar na dificuldade que temos em expressá-las, ou mesmo partilhá-las com aqueles que nos rodeiam. Tanto as emoções como os sentimentos têm a sua origem no cérebro humano, embora em áreas diferentes.

Goleman defende que o êxito pessoal e profissional não depende da nossa inteligência clássica, mas sim das nossas competências emocionais e sociais. Para o efeito resume à existência de cinco os factores que condicionam a existência de inteligência emocional:

  • Conhecimento das emoções próprias do indivíduo;
  • Capacidade de controlar as emoções;
  • Capacidade de se motivar a si mesmo;
  • O reconhecimento das emoções dos outros indivíduos;
  • O controlo das relações com os outros indivíduos.

Mas, como vimos anteriormente, a oxitocina também tem um papel importante no desenvolvimento das nossas células. Além da oxitocina, existem outras moléculas “em trânsito” pelo organismo humano. Entre elas devemos ter em atenção as seguintes:

  • O cortisol é activado em situações de stress;
  • A serotonina, intimamente ligado com a líbido, dela depende o nível de felicidade e bem–estar;
  • A dopamina, relacionada com o prazer/recompensa, é a responsável pelos impulsos, comportamento e procura de novos estímulos. Lieberman (2023) afirma: “A activação da dopamina no circuito do desejo desencadeia energia, entusiasmo e esperança. (…) A dopamina faz-nos querer as coisas com paixão, no entanto é no aqui e agora que apreciamos sensações como: os sabores, as cores, ou as emoções que temos quando estamos com alguém que amamos”.

Devemos ter em atenção o consumo de substâncias ricas nestas moléculas, uma vez que a toxicodependência começa pequena e alastra posteriormente para dimensões incontroláveis por parte do indivíduo.

Lieberman alerta-nos para alguns perigos, nomeadamente: “A droga destrói o delicado equilíbrio de que o cérebro precisa para funcionar normalmente. As drogas estimulam a libertação de dopamina, seja qual for a situação em que o consumidor se encontra. Isso confunde o cérebro e este começa a ligar a droga a tudo, (…) o cérebro convence-se que a droga é a resposta para todos os aspectos da vida”.

Todo este complexo sistema de circulação de moléculas no organismo é controlado pelo cérebro. Damásio (2017) conclui que: “O cérebro actua sobre o corpo levando as moléculas químicas específicas a certas regiões do corpo ou à corrente sanguínea, a partir de onde são encaminhadas para os vários tecidos do organismo. O cérebro consegue agir sobre o corpo, ainda mais literalmente activando-lhe os músculos”.

Damásio vai mesmo mais longe ao afirmar: “A circulação cumpre o mandato homeostático distribuindo fontes de energia e ajudando a eliminar os detritos (…). O sistema nervoso assume gradualmente o papel de coordenador global de todos os restantes sistemas, ao mesmo tempo que gere igualmente as relações entre o organismo e o meio envolvente (…). A capacidade de gerar mentes onde os sentimentos se impuseram e onde a imaginação e a criatividade se tornam possíveis”.

Mas então, o que são os sentimentos, e qual o seu papel na construção da personalidade do futuro líder?

Damásio (2017) define-os como sendo “experiências mentais, conscientes”, que habitam num corpo físico, de onde emergem de acordo com o estado fisiológico/psicológico desse mesmo organismo. No fundo, são o retrato interior do indivíduo num determinado momento/espaço. Continuando sob a teoria de Damásio: “os sentimentos proporcionam informações importantes sobre o estado de visa, mas não são mera informação, no sentido informático restrito”.

Podem ocorrer de duas formas:

  • Os espontâneos, que reflectem o nosso organismo e o seu estado em determinado momento/espaço, e que são perceptíveis pelos outros indivíduos;
  • Os que são provocados pelo meio envolvente, no fundo fruto da nossa criação da realidade, de uma certa emotividade, que se vai aperfeiçoando ao longo da nossa vida.

Mas tanto na primeira como na segunda categoria ambos são reflexo da simbiose existente entre o indivíduo e o meio envolvente, pois foi a sociabilidade que distinguiu o homo sapiens dos seus antecessores e lhe permitiu o domínio sobre eles (nomeadamente sobre o homem de Neanderthal).

Será esta dicotomia (indivíduo/grupo) a responsável pelo surgimento de momentos de alegria, tristeza, amor, raiva, ciúmes, admiração, sempre sob o contexto da sociabilidade, que podemos resumir ao: “conjunto de estratégias comportamentais indispensáveis à criação de respostas culturais. (…) Qualquer imagem que entre na mente tem direito a uma resposta emotiva “ (Damásio; 2017).

Qual será então o papel dos sentimentos, na construção da personalidade do indivíduo/líder?

Como vimos anteriormente, os sentimentos têm três funções a cumprir:

  • Alerta, antevendo situações que poderão vir a acontecer;
  • Regulam a vida do indivíduo, possibilitando a sua adaptação ao modo de vida da comunidade envolvente, resultando daqui um aperfeiçoamento da sua capacidade de sociabilidade.
  • Motivam as práticas culturais num determinado contexto social.

Damásio (2017), defende: “os sentimentos servem para regular a vida (…), anunciam riscos, perigos e crises que tem de ser evitadas (…), anunciam oportunidades (…), nos vão tornar seres humanos melhores, mais responsáveis pelo nosso futuro, e pelo futuro dos outros”. Deste modo cumprem o seu papel de “motivadores dos instrumentos e das práticas culturais”.

Os sentimentos, além de ser interiores, são também informativos (informam acerca do estado do organismo). Tal como os sentimentos, também as emoções têm um papel pertinente no modo como nos expressamos e naquilo que ambicionamos.

As emoções estão divididas em dois grupos. As emoções ditas primárias ou básicas, que têm a sua base nos nossos instintos e, desse modo, estão espelhadas no nosso rosto, corpo, etc. Estas emoções transversais a todos os mamíferos não estão condicionadas pela existência de um estado consciente.

Ao contrário das emoções mais complexas, que têm como pré-requisito a existência de um estado consciente, já que resultam da relação existente entre o córtex cerebral e o sistema límbico (principal gerador de comportamentos emocionais como a inveja, a admiração etc).

Tal como os sentimentos também têm três funções:

  • Adaptação;
  • Motivação;
  • Comunicação.

E possibilitam ao indivíduo a adopção de um comportamento correcto ao nível verbal, fisiológico e neural. Neste último (neural), revestem-se de grande importância as moléculas/hormonas existentes no organismo e que condicionam os diferentes estados do organismo. Das várias moléculas existentes, optei por analisar as quatro que julgo serem as de maior importância, e que podemos resumir os seus objectivos ao seguinte:

– Equílibrio energético. A saúde que provoca bem-estar/prazer ao invés da doença, que além da dor, do desconforto, pode ser reflexo da presença de alguma inflamação.

Por último, e mais importante, a existência de um estado de harmonia//discórdia, de vital importância na formulação dos impulsos/objectivos que ambicionamos.

Vimos também a importância que tem a comunidade envolvente, no processo de descoberta/construção de um empreendedor/líder. As várias etapas que fazem parte do processo, bem como os comportamentos inerentes a cada uma.

A construção de um líder depende de vários factores, debruçamo-nos sobre alguns deles, no entanto é notório o papel que os sentimentos têm neste processo não apenas interior (vimos como as moléculas podem alterar o estado psíquico do indivíduo), mas também do modo como podem condicionar/serem condicionados pelo meio envolvente.

Com os sentimentos dá-se início ao processo de tomada de consciência relativamente ao grupo onde nos revemos: os liderados ou os futuros líderes. Cabe a cada um ajuizar onde se deseja posicionar. No fundo, lutar pelos objectivos que ambiciona, seja na procura de um maior bem-estar, ou da felicidade/realização pessoal, como sugere Max Ehrmann no poema “Desiderata”, ao apelar ao dever de lutar para ser feliz.

 

 

Bibliografia

CALDEIRA, Ricardo: “Cisnes Negros da Liderança”, Actual Editora, Lisboa 2022

COELHO, Paulo: “O Alquimista”, Pergaminho, Lisboa 2004

DAMÁSIO, António: “A estranha ordem das coisas”, Ed Círculo de Leitores, Liaboa 2017

DAMÁSIO, António: “Ao encontro de Espinosa – As emoções Sociais e a Neurologia do sentir”, Publicações Europa América, Lisboa 2003

DAMÁSIO, António: “O erro de Descartes – Emoção, Razão e Cérebro Humano”, Publicações Europa América, Lisboa 2000

DAMÁSIO, António: “Sentir e Saber – A caminho da consciência”, Temas e Debates, lisboa 2023

Dicionário de Educação para o Empreendedorismo: Direção Jacinto Jardim e Jose Eduardo Franco: Gradiva, Lisboa 2019

EHRMANN, Max: “Desiderata – Sabedoria de Vida”, Arte Plural Edições, Cascais, 2003.

ESTAPÉ, Mariam Rojas: “Encontre a sua pessoa vitamina”, Planeta, Lisboa 2022

FERNANDES, Sofia Castro: “Mereces (muito) mais do que aquilo que sonhas”, Planeta, Lisboa 2023

FONTES, Nuno: “Anormalmente Bom – Uma história inspiradora de Superação”, Cultura, Lisboa 2018

LIERMAN, Daniel e LUNG, Michael: “Dopamina”, Editorial Presença, Lisboa, 2023

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