É urgente conciliar!

Por Paulo Teixeira, bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

 

A criação de condições que permitam uma efectiva conciliação da vida profissional, pessoal e familiar, além de ser um factor essencial na garantia do pleno bem-estar do trabalhador, é ainda, nos dias que correm, um aspecto decisivo na captação de talento e na manutenção dos níveis de motivação das equipas.

Num país com reais problemas de envelhecimento e baixa natalidade, onde a saúde mental tem de ser encarada como uma prioridade, esta constatação precede uma outra: legislar também pressupõe acompanhar a evolução das necessidades e das metas estabelecidas, tendo em conta mudanças sociológicas das mais diversas naturezas.

O que ficou conhecido como o “direito a desligar” é um reflexo paradigmático disto mesmo. Quando passa a ser natural e expectável que tenhamos sempre acesso a um smartphone com dados móveis, o legislador deve cuidar de proteger os trabalhadores e evidenciar limites que, pelo avanço e disseminação da tecnologia (e conforme bem recentemente demonstrado, também, pelos efeitos da pandemia), ficaram mais ténues, dúbios e permeáveis.

Esta preocupação em assegurar um verdadeiro equilíbrio entre as várias dimensões que compõem a nossa vida, a qual já foi mote de diversos programas e iniciativas (governamentais e da União Europeia) de incentivo e sensibilização, não pode ser vista apenas como uma recompensa. Tem de existir, de forma estrutural, ao lado de outras obrigações do empregador. E, cada vez mais, esta preocupação tem de estar presente desde o momento em que se oficializa a relação contratual.

Mais dificuldades? Nada disso. Recorrendo a um profissional habilitado, como é o caso do solicitador, poderá ficar a conhecer as inúmeras e diversificadas soluções e modalidades contratuais. Aliás, o hoje tão falado teletrabalho é somente uma entre tantas alternativas. Mas, como disse, desengane-se quem pensar que o contrato não tem de deixar claras as condições como este deve ser exercido. Se assim não for, como poderá o empregador instituir e exigir, nomeadamente, a presença no escritório em determinados dias, tendo em vista o fortalecimento das relações entre os elementos da equipa?

Um bom contrato, revestido de segurança jurídica, é o mais sólido dos aliados para menos conflitos e preocupações. Além disso, o teletrabalho ganha outros contornos quando em causa está, por exemplo, a mãe ou o pai de uma criança com até três anos de idade. Ou, ainda, com até oito anos, mediante a verificação de outras condições adicionais. E, quando a função é comprovadamente compatível com o trabalho remoto, em causa pode estar apenas uma mera comunicação do trabalhador à entidade empregadora.

A par destas obrigações e num registo que podemos dizer complementar, há muito que pode ser promovido por iniciativa das próprias organizações. Um dia de férias adicional por ocasião do aniversário do trabalhador ou dos filhos, a organização de actividades que também envolvam as famílias, a cedência da tarde de sexta-feira ou a sua utilização para acções de team building em períodos de menor volume de trabalho, o aumento da flexibilidade no cumprimento das horas de trabalho e a oferta de seguros de saúde para os trabalhadores e respectivos agregados são apenas algumas ideias de fácil implementação e que, embora devam estar alicerçadas em estudos que corroborem a sua sustentabilidade, não dependem de um impulso legislativo. Na verdade, estas medidas é que são indiscutíveis impulsos no fomento dos níveis de motivação das equipas e, consequentemente, da produtividade e, claro, do crescimento das organizações.

Sem complicações e assumidamente com muitos ganhos para todos, promover a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar não pode ser encarado como algo opcional, adiável ou de impacto discutível – que o diga alguém que lidera uma organização que representa profissionais liberais, muitas vezes chefes e trabalhadores de si próprios!

Promover a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar, mais do que legislação, tem de ser uma ambição partilhada por trabalhadores e empregadores, uma missão assumida por todos – do governo ao tecido empresarial, passando pela administração pública – e um objectivo claro para Portugal. Tem de ser tudo isto para que, em breve, possa vir a ser o que todos desejamos: uma realidade no mercado de trabalho e nas nossas vidas.

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