Conversa de Líderes: Flexibilidade e propósito: A nova realidade do trabalho

O mundo mudou e as prioridades também, mas muitas empresas não estão a acompanhar, tal como a legislação laboral. Adaptação, flexibilidade e propósito individual e colectivo precisam-se, e já. Este foi o apelo deixado na Conversa de Líderes, com Cláudia Lourenço (P&G, Luísa Pestana (Vodafone), Ricardo Parreira (PHC Software) e Nuno Ferreira Morgado (PLMJ), na 28.ª edição da Conferência Human Resources. Realizou-se ontem, no Museu do Oriente, em Lisboa.

 

Subordinada ao tema “Trabalhar para viver e não viver para trabalhar. Mas já não há compromisso nem traz realização?”, contou com a participação de Cláudia Lourenço, directora-geral da P&G Portugal, Luísa Pestana, administradora da Vodafone Portugal, Ricardo Parreira, CEO da PHC Software, e Nuno Ferreira Morgado, partner da PLMJ. A moderação ficou a cargo de Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Media Group.

 

Multigerações no local de trabalho

O debate iniciou-se com Cláudia Lourenço, que destacou a importância das multigerações nas empresas. «Para nós, é um activo. Temos inclusivamente várias gerações dentro da mesma família a trabalhar na empresa», afirmou. E sublinhou ainda que a diversidade etária traz uma sinergia positiva e contribui significativamente para o desenvolvimento da organização.

Já no que diz respeito à preparação das empresas para lidarem com as multigerações, Cláudia Lourenço respondeu com optimismo, destacando que a P&G tem uma abordagem positiva e orgânica para integrar diferentes gerações. «Eu só tenho coisas boas a dizer das multigerações desde o passado, e tenho a certeza que no futuro vão continuar também a ser muito sinergéticas e contribuidoras para o desenvolvimento de todos», afirmou.

Por seu lado, Ricardo Parreira abordou a mudança de prioridades nas novas gerações, destacando a importância do propósito e da flexibilidade no trabalho. «O propósito passou a ser importantíssimo. Se o que a empresa dá é microgestão e controlo, estas empresas vão ficar para trás com a entrada das novas gerações», alertou. O CEO da PHC Software partilhou uma experiência pessoal para ilustrar a mudança de mentalidade que é preciso fazer nas empresas: «Um sobrinho meu contava uma história que tem a ver com isto. Fez um mestrado em Itália em arquitectura, depois veio para Portugal e começou a trabalhar para uma empresa. Como cumpria o horário e saía às 18h, disseram-lhe que não vestia a camisola.»

Ricardo Parreira destacou que muitas empresas ainda não estão preparadas para lidar com esta nova realidade. «As empresas não estão a conseguir lidar com esta geração Z, mas eu vejo muitos millennials no pós-pandemia com este mindset, que é: o trabalho não é tudo. Também tenho de ter a minha vida», afirmou. Além disso, reforçou que a flexibilidade e o propósito são vitais para manter os colaboradores motivados e comprometidos.

Questionado sobre se a desmotivação e o desapego ao trabalho são mitos ou realidades, o CEO da PHC Software respondeu que, na sua opinião, houve uma mudança de prioridades e que as empresas precisam de se adaptar. «O mundo mudou, as prioridades das pessoas mudaram. Muitas empresas não estão a acompanhar e, por isso, dizem que as pessoas desta geração não querem trabalhar. Não é verdade. Eles querem trabalhar, mas não querem só trabalhar.»

 

Trabalho híbrido e ligação emocional

Luísa Pestana partilhou a experiência da Vodafone com o trabalho híbrido, uma prática que já existia antes da pandemia, mas que se intensificou posteriormente. «O trabalho híbrido já existia antes da pandemia na Vodafone, mas não era muito aceite nem muito utilizado. Era um dia por semana (quatro dias por mês) que os colaboradores podiam usar para trabalharem remotamente», explicou. Depois, a pandemia acelerou a adopção desta prática, e a empresa acabou por lançar uma política de trabalho híbrido mais flexível.

«Após a pandemia, lançámos uma política de trabalho híbrido, no nosso entender, muito boa e flexível, que dita que, no mínimo, temos de ir à empresa oito dias por mês.» Luísa Pestana acrescenta, no entanto, que depois de algum tempo, nem todos cumpriam estas normas, e foi necessário relembrar os colaboradores sobre a política de trabalho híbrido e adaptar as chefias para promoverem actividades que justifiquem a presença no escritório. «Trabalhar 100% remotamente tem impacto naquilo que é a ligação emocional entre todos nós», acrescentou.

 

Desafios e adaptação das empresas

Nuno Ferreira Morgado trouxe à discussão a questão do equilíbrio entre o interesse colectivo e individual. «Há um desligamento enorme entre a realidade da lei e a realidade do trabalho. As empresas têm de ver o perfil de pessoas que querem ter e montar as suas políticas à volta disso», afirmou. O partner da PLMJ destacou a importância de uma comunicação clara e honesta entre as empresas e os colaboradores para evitar frustrações e promover um ambiente de trabalho saudável e produtivo.

Nuno Ferreira Morgado também abordou a questão da legislação laboral e a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho. «Nós precisamos de uma lufada de ar fresco na legislação laboral, porque tudo o que estivemos aqui a falar – de flexibilidade e compromisso, buscar os filhos, voltar, etc. – nada disto é compatível com a legislação actual», afirmou. Do mesmo modo, enfatizou que a protecção excessiva da lei pode ser prejudicial tanto para as empresas como para os colaboradores.

Numa segunda fase do debate, Ricardo Florêncio questionou se o trabalho deve ser visto como uma segunda casa. Ricardo Parreira respondeu que, na PHC, o trabalho é encarado como uma experiência. «Nós construímos zonas nas nossas instalações em Lisboa, e agora também no Porto, em que damos muita atenção ao espaço de trabalho. Na minha opinião, não o podemos encarar como uma segunda casa. A casa é a casa e o nosso ambiente pessoal é o nosso ambiente pessoal», explicou. O importante é «criar uma experiência de trabalho inspiradora para os colaboradores».

Cláudia Lourenço acrescentou que, na P&G, «o propósito de ir ao escritório tem de ser para enriquecimento do trabalho das pessoas e da organização e, portanto, toda a forma de interacção também tem de estar fisicamente montada para isso».

O debate encerrou com uma reflexão sobre a necessidade de mudança nas empresas para acompanharem as novas expectativas dos colaboradores. «As empresas têm de mudar como tratam as pessoas, porque o mundo mudou e as empresas têm de acompanhar», afirmou Ricardo Parreira. Cláudia Lourenço reforçou a importância de encontrar um equilíbrio que permita conciliar todas as áreas da vida dos colaboradores. «Só temos uma vida, não há vida profissional e vida pessoal, há uma vida só», afirmou.

Luísa Pestana e Nuno Ferreira Morgado sublinharam a necessidade de adaptação contínua e de políticas que promovam tanto o interesse colectivo como o individual. «As chefias têm de saber adaptar-se e perceber que têm de trazer as equipas ao escritório para reuniões de discussão e para outro tipo de actividades que não as reuniões normais», explicou a administradora da Vodafone. Já o partner da PLMJ acrescentou que «a cultura da empresa e a maneira como a empresa vive é a comunhão entre o interesse colectivo e o interesse individual».

Em termos gerais, este painel proporcionou uma discussão relevante sobre os desafios e oportunidades no mundo do trabalho actual, destacando a importância de um ambiente de trabalho que valorize o equilíbrio, a flexibilidade e o compromisso dos colaboradores.

Foto: NC Produções

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