“Bull Run”

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

Nos mercados financeiros, o termo “bull run” descreve os períodos de alta sustentada, em que prevalece o optimismo e se registam curvas de crescimento progressivo. O conceito considera a ideia de um movimento contínuo e estável, com uma trajectória ascendente, o que acaba por contagiar investidores e, consequentemente, uma interessante dinâmica positiva do mercado. Procurando a origem da expressão encontramos a sua ressonância histórica e simbólica, muito anterior à adopção para a esfera financeira, e que nos remete de imediato para uma analogia com o contexto actual da gestão de pessoas e o avanço tecnológico.

A expressão, muito comum em algumas regiões dos EUA, relaciona-se com o transporte, de longa distância, de gado, muito comum no século XIX. O gado bovino era frequentemente transportado em longas viagens, sem paragens, o que tinham sobretudo a ver com o perigo e perda que acarretava a paragem – se os animais se deitassem, corriam o risco de serem pisados e esmagados pelos outros, o que comprometeria a sua saúde e sobrevivência, e o sucesso da viagem. Na realidade, o perigo era grande para pessoas e animais, pois se houvesse uma paragem ficariam à mercê do controlo de multidões que se comportavam em grupo e eram difíceis de controlar. Assim, para garantir que o gado chegava ao destino em boas condições, era necessário manter o movimento constante, mesmo sob condições difíceis. Não havendo possibilidade de controlar todos os factores que poderiam desencadear o descontrolo, não podiam parar – a essas viagens passou a chamar-se “bull run” e a expressão popularizou-se, aplicada a muitos contextos.

Pensando na gestão de pessoas, especialmente em relação ao avanço tecnológico, parece que a expressão foi criada para ilustrar a fase de desenvolvimento que actualmente vivemos. Vejamos: tal como o gado em transporte, as organizações não podem parar – o ritmo da transformação é constante, rápido e implacável e nem sempre conseguimos dar conta de todos os factores que o estão a determinar. Assim, exploramos a analogia, em três grandes linhas de reflexão.

A necessidade de adaptação contínua – Assim como o gado tinha de se manter em pé durante a viagem, os profissionais e as empresas precisam de se adaptar permanentemente, procurando as melhores condições para “fazerem a viagem com sucesso”. Ferramentas digitais, como a IA, estão a reconfigurar modelos e processos de trabalho, exigindo novas competências e formas de colaboração. Parar, neste caso, não é uma opção – a sobrevivência, e por inerência o sucesso, depende da capacidade de cada um (entenda-se pessoas e organizações) se manter em movimento e aprender continuamente.

Gestão do equilíbrio entre eficiência e bem-estar – No transporte de gado, o movimento constante era essencial, mas não sem desafios. A pressão para adoptar tecnologias pode acarretar desgaste e tensão nos colaboradores. Por exemplo, pessoas da minha geração (X), desenvolvem esforço maior para conseguir acompanhar todos os avanços tecnológicos, e nem sempre é distracção ou falta de força de vontade – simplesmente, toda uma grande parte da vida passada em regime diferente, não se traduz hoje numa apetência tão grande para uma rápida e proficiente adopção de novas ferramentas. O esforço é maior e a Gestão de Pessoas tem de o ter em conta, pois tal como o gado precisava de chegar em boas condições, as organizações devem equilibrar a eficiência tecnológica com o cuidado pelo bem-estar humano, garantindo que a transformação digital é sustentável.

A inevitabilidade do futuro e do que ele nos traz – No transporte do gado, o objectivo final era claro: chegar ao mercado, com o maior número possível de cabeças em plenas condições. Na gestão de pessoas, imaginando que a sua missão é uma ““bull run” – chegar “lá” com todos e nas melhores condições, o objectivo é igualmente “fazer o melhor caminho”, ajudando a conduzir a organização, e nela as pessoas, para um futuro próspero. Acontece, porém, que sem tecnologia omnipresente é mais complexo, por isso a missão será fazer esta “corrida”, todos apoiando, capacitando e suportando, nesta transição que é complexa e dura – sobretudo para algumas gerações. Considerando-o como uma inevitabilidade e uma mais-valia, cabe à gestão de pessoas fazer com que todos cheguemos ao destino – bem.  As empresas que resistirem a esta transformação, arriscam-se a ser “pisadas” por aqueles que não param.

O avanço tecnológico é, de facto, uma “bull run” implacável: não há como o parar. Tal como nos mercados financeiros, quem compreende este movimento, a ele se adapta e vinga, terá a sua vantagem, inovação e competitividade. Só que nesta estória, as pessoas são “o ponto” e já não se trata apenas de uma escolha: é uma necessidade para sobreviver e prosperar. A gestão de pessoas em 2030 – a pensar num plano temporal curto, será definida não pela resistência ao avanço tecnológico, mas pela capacidade de o incorporar e aproveitar. Explorando mais a analogia, e assim como nos mercados financeiros, a gestão de pessoas ou onde a vejamos aplicada, resistir ao movimento não é uma opção. Tal como a “bull run”, a tecnologia não espera – e o sucesso depende de quem saiba avançar com ela.

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