A acção da ACT contra os falsos recibos verdes: como foram identificadas as quase 10 mil empresas

Recentemente, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) notificou quase dez mil empresas por terem falsos recibos verdes, uma medida que tem gerado discussão e reflexão sobre a precarização do trabalho em Portugal.

Por Félix Bernardo, sócia, responsável Área Laboral da Caldeira Pires Law Firm

 

O motivo por trás dessas notificações é claro: combater a prática abusiva de classificar trabalhadores como prestadores de serviços, quando, na verdade, deveriam ser considerados como trabalhadores por conta de outrem, com todos os direitos e protecções que isso implica.

A ACT baseou-se essencialmente no critério da dependência económica para identificar as empresas que, alegadamente, estavam a “usar” falsos recibos verdes.

Essa dependência económica foi avaliada com base na premissa de que 80% do valor facturado por determinados trabalhadores independentes recaía sobre uma única entidade. Por outras palavras, se um trabalhador independente obteve a maior parte do seu rendimento anual de uma única entidade, isso indicia uma relação de trabalho subordinada.

Este critério, embora útil, pode ser questionado na medida em que é importante considerar outros elementos na avaliação da relação laboral, para evitar casos de injustiça ou de má interpretação.

Para reconhecer um contrato de trabalho, a nossa legislação estabelece várias presunções, entre elas a presunção de dependência económica. Além disso, o artigo 12.º do Código do Trabalho estipula que a existência de certas características, como o pagamento de uma quantia certa, com determinada periodicidade, o exercício de poder de direcção e supervisão, e a restrição da autonomia do trabalhador na organização do trabalho, são indícios de uma relação de trabalho subordinada.

No entanto, a comunicação das notificações por parte da ACT, feita apenas por e-mail, pode ser considerada uma abordagem insuficiente para garantir o entendimento e a adopção de medidas correctivas por parte das empresas visadas, podendo vir a desencadear situações de grande incerteza e injustiça e, por outro lado, criar litígios desnecessários.

É crucial encontrar um equilíbrio entre os interesses das empresas e dos trabalhadores ao lidar com questões de falsos recibos verdes. Enquanto é fundamental proteger os direitos e a dignidade dos trabalhadores, também é importante garantir que as empresas não sejam prejudicadas indevidamente.

No contexto mais amplo dos poderes de fiscalização da ACT e da Agenda do Trabalho Digno, é essencial que as acções do órgão regulador sejam guiadas pelo objectivo de promover um ambiente de trabalho justo, onde os direitos dos trabalhadores sejam respeitados e protegidos. Isso requer não apenas a identificação e punição de práticas abusivas, mas também a orientação e o apoio às empresas para garantir que elas estejam em conformidade com a legislação.

Somente assim podemos avançar em direcção a um futuro onde o trabalho digno seja uma realidade para todos os trabalhadores em Portugal.

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