A cada um o que deseja – ideias para as políticas públicas
Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia
Defendeu-se anteriormente que as políticas públicas relacionadas com a Segurança Social, em concreto com a idade da reforma, e face ao movimento FIRE, exigem uma séria reflexão e deveriam assentar no princípio de que cada um pode ter o que deseja/aspira. Este movimento incorpora uma série de atitudes e valores trazidos pelas gerações mais jovens, mas que rapidamente se estão a propagar, e que resultam na redefinição do conceito tradicional de sucesso e felicidade. Registamos algumas atitudes e valores que têm impulsionado o desejo de muitos se reformarem cedo: Reservas ao consumismo e acumulação de bens materiais, valorizando experiências sobre possessões, o que pode reduzir despesas e permitir uma poupança mais agressiva; Procura e valorização do equilíbrio, da saúde mental e entre trabalho e vida pessoal; Valorização da autonomia e da liberdade por aqueles que desejam viajar, aprender e explorar outros interesses para além do trabalho; Proliferação de ideias fortes sobre vida(s) alternativa(s), como por exemplo o nomadismo digital, a permacultura, ou viver em comunidades autossustentáveis, muitas vezes incompatível com o modelo tradicional de carreira; Ceticismo em relação ao futuro, quer seja em relação às mudanças climáticas, instabilidade política, insegurança económica, conflitos armados, doenças,…; Má convivência com hierarquias e organizações rígidas, crescendo a preferência por ambientes de trabalho colaborativos e flexíveis; Descrédito e desconfiança nos sistemas organizativos tradicionais, seja devido a crises financeiras, políticas, governamentais ou sistemas de pensão precários, pois as pessoas requerem assumir o controle das suas próprias vidas.
Ao contrário do que muitos pensam e advogam, o movimento FIRE não tem apenas uma vertente financeira, mas sim uma resposta a uma profunda mudança sociocultural que está a alterar a perceção do valor do trabalho, do sucesso e da realização pessoal. Esta redefinição de valores e prioridades tem o potencial de transformar a forma como a sociedade concebe o trabalho e a vida, e por isso trabalhadores e empresas estão, paulatinamente, a ajustar-se. Mas é preciso que as políticas públicas também o considerem, o que, não sendo fácil ou rápido e exigindo investimento, poderia passar por estas políticas públicas se adaptarem às mudanças culturais e económicas, incluindo perspetivas trazidas pelo movimento FIRE:
- Abertura e flexibilidade em relação às idades de reforma, permitindo que cada cidadão pudesse “escolher” quando se quereria reformar, com ajustes nas prestações de reforma com base na idade de início e nas contribuições feitas;
- Incentivos à poupança Individual, onde, para além dos sistemas de pensões públicas, fossem promovidas formas de poupança privada através de benefícios fiscais ou outros incentivos.
- Promoção da literacia financeira, com programas específicos nas escolas e universidades, para que cada um desenvolva conhecimentos, estratégias e ferramentas que permitam o planeamento;
- Adoção das reformas parciais, em que cada pessoa pudesse reduzir, se o desejasse, progressivamente as suas horas de trabalho à medida que se aproximam da idade de reforma, possibilitando uma transição mais suave.
- Possibilidade de sistemas de pensão com contribuições flexíveis, onde os cidadãos contribuíssem de forma flexível, conforme a trajetória de carreira e períodos de pausa;
- Promoção de enquadramentos de vida alternativos, mais sustentáveis, com menor custo de vida e descentralizados, através de apoios;
- Incentivos à economia Gig e Freelancing, reconhecendo e apoiando estes modelos de trabalho não tradicionais, garantindo que freelancers e trabalhadores independentes também tenham acesso a benefícios de reforma.
O mundo já foi mais previsível e estável. Muitas das mudanças mais significativas estão a verificar-se no mundo do trabalho e seria imprescindível que as políticas públicas, nomeadamente no apoio à reforma – com os diferentes significados que hoje assume esta fase, acompanhassem com inovação, disrupção e vanguardismo, ajustando-se um sistema de reforma que reflita as aspirações e realidades da sociedade contemporânea.
Nota: Este artigo foi escrito por alguém que não quererá parar de trabalhar, enquanto puder. Mas que também quer tempo para plantar os seus morangos.