A entidade patronal pode mudar as funções do trabalhador unilateralmente? Sim, mas há condicionalismos
O contrato de trabalho é fundamental para definir as responsabilidades, direitos e deveres. A chamada mobilidade funcional justifica-se quando existem situações em que é necessário o trabalhador realizar outro tipo de tarefas, o que poderá implicar a alteração das suas funções. O Idealista explica o que significa este conceito.
A natureza legal da mobilidade funcional revela-se um poder conferido ao empregador. A entidade patronal pode mudar as funções do trabalhador unilateralmente. No entanto, tal só pode acontecer se for uma medida temporária.
Regra geral, os trabalhadores devem exercer as funções conforme se encontram previstas no contrato de trabalho. Excepcionalmente, a legislação do trabalho portuguesa prevê alguns cenários, em que o empregador pode alterar as funções dos trabalhadores.
O Código do Trabalho (CT) tem previstos alguns cenários em que as funções dos trabalhadores podem ser alteradas temporariamente. Tal pode acontecer nos seguintes termos:
- Pelo período máximo de dois anos;
- Por iniciativa do empregador.
A mobilidade funcional é definida no artigo 120.º do Código do Trabalho. Na prática, consiste na hipótese da empresa «encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.»
No entanto, de acordo com o que está estipulado, essa determinação não pode ocorrer de qualquer forma ou momento. O trabalhador só pode desempenhar outras funções que não as que lhe estão destinadas «quando o interesse da empresa o exija».
Em que cenários a mobilidade funcional é possível?
O Código do Trabalho determina algumas condições para a empresa poder alterar temporariamente as funções do trabalhador sem acordo deste. Tal acontece para prevenir eventuais abusos. Eis algumas das condições:
- Existir um interesse real por parte do empregador;
- O exercício das novas funções ser temporário;
- Haver ausência de perda clara da posição do trabalhador;
- Haver ausência de perda salarial para o trabalhador.
Haver real interesse por parte do empregador
É fundamental existir um fundamento válido, isto é, a alteração temporária das funções do trabalhador deve apenas acontecer quando há um interesse objectivo e claro. Por exemplo, haver razões administrativas e técnicas que levem à mudança temporária de funções.
Desta forma, a mudança nas tarefas de um trabalhador só pode acontecer quando há uma necessidade da empresa.
A necessidade de mobilidade funcional ser temporária
O tempo é outro critério essencial. Para a mobilidade funcional acontecer, o exercício das novas funções tem de ser temporário. A ordem de mobilidade funcional tem de cumprir com determinadas variáveis, nomeadamente as seguintes:
- Indicação da duração prevista para a mobilidade funcional;
- A mobilidade funcional não pode durar mais de dois anos.
Atenção: se o empregador não respeitar esta condição, a empresa incorre numa contraordenação grave.
Não implicar a deterioração das condições do trabalhador
A alteração temporária de funções pode ser realizada sob diferentes circunstâncias. Contudo, não pode implicar uma perda objectiva da posição do trabalhador.
Logo, não pode fazer com que haja uma deterioração das condições do trabalhado. Por exemplo, o trabalhador não pode passar a ter um horário “pior” devido à mobilidade funcional, nem pode passar a prestar trabalho suplementar.
Na prática, o trabalhador não pode ficar em condições piores do que as que tinha antes da mobilidade funcional ser necessária. É também fundamental que o empregador garanta que o trabalhador mantém a sua qualificação profissional e que não sofre qualquer tipo de desvalorização profissional.
Outro pormenor relevante consiste em ser necessário a empresa facultar formação em tempo útil, se o trabalhador precisar de exercer funções para as quais não tem qualificação.
Não haver redução de rendimentos
A mobilidade funcional não pode resultar numa redução da retribuição do trabalhador. Apesar do trabalhador mudar de funções, ele tem direito a todos os benefícios (económicos ou não) inerentes ao exercício da actividade que desempenhar de forma temporária.
Como tal só acontece por iniciativa da empresa, o trabalhador não pode ter uma redução do respectivo salário. O Código do Trabalho deixa este ponto bastante claro: «A trabalhador [tem] direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas».
Consequências, se existir incumprimento das regras
Por isso, a imposição da mobilidade de funções só deve ser realizada quando há condições objectivas que levem a essa mudança. Elas devem apresentar-se bem justificadas. O caráter transitório deve ser claro.
A mobilidade funcional imposta pelo empregador nunca pode ser utilizada como um mero capricho, seja arbitrário ou irracional, somente com a intenção de aborrecer o trabalhador. Estas situações pervertidas que podem surgir numa empresa resultam em casos de assédio moral e visam o exercício de pressão sobre o trabalhador para que ele se demita, voluntariamente.
A mobilidade funcional é ilícita, se as condições estabelecidas por lei não forem cumpridas. Como a empresa incorre numa contraordenação grave, há consequências. O poder unilateral da empresa não é total.
O estatuto do trabalhador mantém-se: não muda de categoria
Conforme o estipulado pela lei, e salvo disposição em contrário, quando o empregador impõe esta solução o «trabalhador não adquire a categoria correspondente às funções temporariamente exercidas».
Logo, tal significa que o trabalhador mantém sempre a categoria inicial, que está presente no seu contrato. Aliás, como se trata de algo temporário, quando o trabalhador regressar às suas funções originais, ele mantém as condições que tinha antes da mobilidade funcional ser materializada.
Negociações
Apesar da lei estipular a manutenção da categoria, podem ser negociadas outras condições. E se existir acordo entre as partes, não há qualquer problema.
Logo, resumidamente, a mobilidade funcional só pode acontecer e ser aplicada quando existe uma necessidade real da empresa. Além disso, é fundamental que a alteração de tarefas do trabalhador seja perspectivada como temporária, nunca podendo implicar uma deterioração das condições de trabalho.