A gestão de pessoas em tempo de crise

Opinião de Pedro Raposo

Director de Recursos Humanos do BES e conselheiro da Revista HR Portugal

Cada vez é mais difícil escrever alguma ideia inovadora sobre o contexto de crise, porque todos escrevem sobre ela. De facto, é raro ler artigos de opinião sobre a não crise. Uma das razões na minha opinião sincera é que não existe antónimo da palavra crise. Será expansão? Ou antes Crescimento económico? De facto não fica bem. Se adicionarmos a este facto o fenómeno genético dos portugueses, que é de um queixume milenar, então chegámos à conclusão que a gestão em crise é o ambiente natural do nosso povo. Eu diria mesmo que é uma das competências e onde os portugueses poderiam ser uma referência mundial sem qualquer dúvida: crise é a nossa marca registada e penso mesmo que foi cá inventada – não esquecer que na nossa história há mesmo um capítulo que é a Crise de 1383-1385! Século XIV! Deve ter sido a primeira vez que a palavra foi usada no Mundo e desde aí foi oficialmente adoptada por nós!

Voltando ao tema: em que é que é diferente gerir pessoas em tempo de crise do tempo da não crise?

Simplesmente é muito mais desafiante. Há bastante mais tempo para investir nas pessoas, repensar os processos de avaliação de desempenho, redefinir o talento interno e ver de facto quem dos nossos consegue manter o espírito forte, aberto à inovação e numa constante procura de soluções. É também o único momento onde de verdade se podem criar verdadeiros líderes. São as crises que nos trazem à superfície aqueles que nunca desistem e que conseguem levar as suas equipas a manter uma atitude sempre positiva e optimista sobre o mundo onde o amanhã só poderá ser melhor se trabalharmos todos nesse sentido.

A mensagem para si é a de que se deve valorizar constantemente continuan-

do a adquirir competências. Depende de si e não da sua empresa! A dimensão do mercado de trabalho diminui nas crises, pelo que a pressão sobre a qualidade do trabalho de cada um aumenta a exigência individual dispara e de um modo geral esta é uma boa consequência da crise na gestão de pessoas. Permite separar o trigo do joio e confere maior responsabilidade a cada colaborador na gestão da sua carreira futura. É também consequência lógica desta primeira que o talento das organizações tende a não sair com a mesma frequência das épocas de crescimento económico. Embora seja um facto positivo, exige dos empregadores muita inovação e imaginação para combater o “baixar de braços” e conformismo que muitas vezes se instala nas organizações, sobretudo nos seus talentos. São necessárias lideranças fortes, motivadoras e com uma imensa visão estratégica para rumar em tempo de crise. Há que acreditar sempre que “depois da tempestade vem a bonança” e aqueles que melhor estiverem preparados serão aqueles que colherão os melhores frutos.

A crise é tempo de reflexão e de preparação. A crise é tempo de voltar ao básico, repensar os exageros e relativizar. É sobretudo o momento para se ser humilde e se aprender com os erros e com os extremismos do passado. Sem esquecer todos aqueles que são os mais afectados pelo desemprego e pela miséria (e que infelizmente já eram os mais vulneráveis antes da crise), o que pretendo afirmar é que não se pode nem deve sobrevalorizar os tempos difíceis que atravessámos para justificar a nossa inércia colectiva. Que não se pode nem deve procurar culpados nos fóruns cibernéticos ou nos debates nas TV de plasma. Não queremos super heróis políticos nem paternalismo. Temos que poder potenciar toda esta capacidade que temos concentrando-a nos nossos talentos, nas nossas empresas que fazem sucesso aqui e lá fora.

Gerir pessoas em tempo de crise pode e deve ser um enorme desafio para um gestor moderno. Porque obriga a pensar de forma muito diferente. Porque obriga a reinventar e a transformar. Porque o óbvio passa a ser o simples.

Temos então que cuidar bem de todos aqueles que involuntariamente são apanhados pela crise e isso exige solidariedade. Temos que verdadeiramente liderar as nossas equipas com palavras de esperança e dando o exemplo nos sacrifícios que são obrigatórios fazer. Aproveitemos a maior disponibilidade dos nossos talentos e utilizemo-los para repensar os negócios e as relações com os nossos clientes.

E sobretudo não podemos ter medo do sucesso nem inveja. Porque um povo que inveja o sucesso honesto dos seus pares é um povo condenado ao insucesso colectivo.

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