A obsolescência do talento – quando ele se torna invisível

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

A obsolescência do talento – quando ele se torna invisível

Quando comecei a trabalhar, havia profissionais que admirava – hoje também, mas nessa época era mais difícil, inacessível e raro. Hoje posso não conhecer pessoalmente uma pessoa, mas seguir o seu trabalho, conhecer as suas ideias e ver o resultado do seu trabalho – pelo menos, parcialmente. Eram homens e mulheres com experiência, de carreira a “pulso”, memória organizacional e um know-how construído com tempo, falhas e sucessos. Inspiravam uma geração que ainda estava a descobrir a fascinante área (quase nova) da Gestão de Recursos Humanos. Eram referência e porto seguro, distantes e quase intocáveis. Hoje, muitos desses continuam por aí – ativos, com vontade, com competências que permanecem relevantes – mas tornaram-se invisíveis.

A pergunta que se impõe: onde estão?

A resposta não é simples, mas começo por reconhecer um paradoxo: falamos cada vez mais em “gestão de talento”, “diversidade geracional” e “valorização da experiência”, mas na prática organizacional, estas expressões são, muitas vezes, retóricas estéreis. Os profissionais mais experientes são frequentemente descartados de forma subtil: deixados à margem de projetos, retirados de processos de decisão, esquecidos nos planos de desenvolvimento e afastados das dinâmicas de inovação. Até, de alguma forma, afastados da dinâmica social da área.

Não é que não tenham valor. Tornou-se desconfortável reconhecer esse valor, porque há muitas outras variáveis.

Vivemos obcecados pelo novo, pelo rápido, pelo “disruptivo”, e agora por esta GenZ que nos inquieta de desinstala. A juventude profissional é glorificada e a senioridade, tolerada – desde que não seja demasiado visível – justiça se faça a honrosas exceções. Esta lógica de gestão é míope e perigosamente contraditória: desejamos performance, mas desconsideramos quem sabe como alcançá-la; exigimos agilidade, mas recusamos a profundidade que vem da experiência; apregoamos diálogo multigeracional, mas as ofertas de emprego, desdizem-no.

E os profissionais mais seniores, também têm responsabilidade neste cenário? Muitos foram educados numa cultura organizacional hierárquica, onde a experiência era sinónimo de autoridade. A nova lógica colaborativa, digital e acelerada pode parecer-lhes desconcertante. Perante isso, alguns recuam. Outros resistem. Poucos se reinventam – poucos, mas há quem insista em afirmar o seu valor e contributo, lutando contra a falta de reconhecimento, vontade, espaço, escuta e investimento real.

Resultado? Um desperdício. Um silêncio ruidoso nas organizações.

É tempo de fazer perguntas incómodas, para além daqui, dentro das vossas organizações:

  • Porque não temos programas robustos de reverse mentoring que criem pontes entre o melhor de cada geração?
  • Porque não integramos sistematicamente profissionais experientes em programas de inovação e transformação?
  • Porque é que as políticas de upskilling e reskilling raramente têm como alvo prioritário quem tem mais de 50 anos? Não vale a pena?

Mais do que promover “iniciativas para seniores”, o que está em causa é uma mudança de mentalidade. Precisamos de romper com a ideia de que a experiência, ou idade, é sinónimo de obsolescência. Precisamos de políticas de gestão de pessoas que tratem a senioridade como activo estratégico e não como um risco a mitigar.

E precisamos, também, que esses profissionais que tanto admirámos, regressem – não por carência, mas por escolha. Que reapareçam, ocupem espaço, desafiem e contribuam para um mercado mais equilibrado, mais sábio, mais justo.

Porque a verdade é esta: não há futuro do trabalho sustentável sem memória, sem legado e sem voz para quem o construiu antes de nós.

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