A pergunta que todos os executivos deveriam fazer

Longe vão os dias do controlo centralizado de informações e decisões dentro das organizações. Com as informações agora distribuídas pelos colaboradores, Bernard J. Tyson, CEO da Kaiser, afirma que os executivos devem fazer uma pergunta fundamental: “Como estimular a organização com o objectivo de maximizar o intelecto de todas as nossas pessoas? ”

 

Todos os CEO têm muitos grupos de stakeholders cujos interesses devem ter em mente. Mas até pelos padrões dos CEO, as responsabilidades de Bernard J. Tyson são extensas. O chairman e CEO da Kaiser Permanente Health Care tem que ter em atenção os interesses de quase 12 milhões de pessoas que dependem da sua empresa para se manterem vivas e saudáveis; milhares de médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, administradores e gestores; sindicatos; agências governamentais; reguladores; farmacêuticos; e, sim, o presidente e o Congresso dos Estados Unidos da América.

É esse o desafio de quem lidera uma das maiores empresas de Saúde dos EUA em 2017. Bernard J. Tyson, incrivelmente optimista, encontrou-se com Paul Michelman, chefe de redacção da MIT SMR para debaterem o seu papel enquanto líder.

Como CEO de uma grande fornecedora de cuidados de Saúde, enfrenta um grande conjunto de desafios sistémicos. Lida com a vida e a morte. Lida com um vasto conjunto de diferentes stakeholders, alguns dos quais difíceis de gerir. E lida com um sector afectado por vários factores económicos, políticos e tecnológicos altamente imprevisíveis.Como mantém os pés assentes na terra e o foco nas necessidades da organização?

Um dos melhores conselhos que me deram ao longo dos anos foi: “Que o principal seja sempre o principal.” Ou seja, o que é o principal para nós? Estamos aqui paraoferecer cuidados de saúde quando as pessoas precisam. O resto é secundário. Sim, vamos enfrentar muita turbulência. As condições mais alargadas mudam continuamente. Não controlamos isso. Mas controlamos a capacidade de estarmos focados no principal.

Como acontece isso na organização? É fácil assumir que em todos os níveis de gestão que se aproximam dos processos do dia-a-dia torna-se mais difícil não nos perdermos nos pormenores. O que podemos fazer para reforçar o enfoque na missão ao longo de toda a organização?

Bem, na verdade, podia inverter isso. Sei que, por visitar frequentemente os nossos centros médicos e por ter estado às portas da morte há quase uma década, é na linha da frente que as pessoas compreendem realmente a sua missão. Não preciso de lembrar a um enfermeiro ou a um médico que estamos aqui para melhorar e salvar vidas.

O desafio é tudo o que acontece depois disso. Será que o nosso trabalho na organização apoia as interacções que acontecem neste período delicado na vida das pessoas? Isso começa no recrutamento. Sempre que estamos a contratar, perguntamos se a missão pessoal do colaborador está alinhada com a da organização. O meu trabalho é manter um ambiente que atraia pessoas que encaixam na nossa cultura. É fundamental ter a certeza de que todos conhecemos claramente a missão.

Um dos benefícios do nosso modelo é que os médicos são geridos em organizações independentes chamadas Permanente Medical Groups. São grupos em autogestão que trabalham só com a Kaiser Foundation Health Plan Inc. Isto é único no nosso modelo e é um bem valioso. Os médicos trabalham nas suas próprias organizações e gerem e supervisionam todos os aspectos do cuidado ao paciente. Não existe a interferência dos planos de saúde nas decisões médicas.

Tendo em conta o cenário exigente em que lidera, quando é que os seus valores são mais testados?

Quando as forças externas levantam questões que a organização tem de abordar. Lidámos com o exemplo disso em Janeiro com a ordem executiva do presidente sobre a imigração [restringindo a entrada nos EUA de cidadãos de sete países com maioria muçulmana]. Criou muita ansiedade na nossa organização, como na sociedade em geral. Fez-me enviar uma mensagem a toda a organização para que todos soubessem claramente que continuaremos a lutar por um acesso igualitário e por cuidados para todos, e que ninguém se sentirá escrutinado se precisar de ajuda da Kaiser Permanente.

Agora sei, mesmo sem a minha mensagem, que não teríamos o problema de alguém questionar a capacidade de receber cuidados ou de recusarmos cuidados. Mas foi a oportunidade de reafirmar aquilo em que acreditamos, de reforçar o que as pessoas na organização já sabiam sobre os nossos valores, e para lhes relembrar que fazem parte deles.

Acredita que o conjunto de competências necessárias para a liderança está a mudar?

Completamente. Existem tantas forças em campo ao mesmo tempo. Antigamente conseguíamos separar tudo e lidar com uma questão de cada vez. Agora as mudanças são multidimensionais. Os líderes têm de analisar as complexidades de todas as forças, algumas das quais fora do seu controlo, e depois guiar a organização de forma a conseguir compreender as forças e apresentá-las na proposta de valor, o que exige a execução de estratégias nesta complexidade. Um exemplo é o nosso trabalho para aumentar o acesso aos cuidados tornando a saúde mais acessível. É essa a promessa que fizemos para com os nossos membros e clientes.

Os dias de um líder hierárquico que sabe tudo, compreende tudo e está em todo o lado não faz sentido no contexto actual. Temos uma organização constituída por pessoas com competências, talento e inteligência. O desafio já não é como instruir as pessoas a fazê-lo. É definir a direcção e as expectativas de desempenho, e depois inspirar e motivar.

Diria que, no modelo antigo os gestores eram os pensadores e os colaboradores eram os fazedores. Agora vivemos uma era em que todos pensam e fazem. Quero que o enfermeiro que está na linha da frente, que tem acesso à mesma informação que eu, aja em conformidade com essa informação e, com esse acesso e liberdade, apresente ideias e novas formas de fazer o trabalho.

Por exemplo, o nosso Nurse Knowledge Exchange reinventou a forma como os enfermeiros partilham informações importantes sobre os pacientes durante as mudanças de turno. Este processo foi desenvolvido na linha da frente. Os enfermeiros passaram as suas reuniões da sala de enfermagem para os quartos dos pacientes e estes passaram a ser uma parte do processo. A “cidade fantasma” durante as mudanças de turno foi praticamente eliminada.

No passado, o poder estava centralizado na mão das poucas pessoas que tinham acesso às informações e que usavam esse acesso para dirigirem a empresa. Agora que essa informação está disponível em todo o lado, a principal pergunta de um líder é: “Como estimular a organização com o objectivo de maximizar o intelecto de todas as nossas pessoas?”

Quando se leva essa abordagem ao extremo, o resultado é anarquia. Como se resguardam disso?

Rejeito esse termo. Vejo-o como um caos muito organizado, no máximo. Numa organização complexa como a Kaiser Permanente, gerimos o caos organizado com transparência sobre a organização, a proposta de valor e a missão – o principal. Todos os incentivos e recursos precisam de estar alinhados com isso.

Ao mesmo tempo que falo aqui consigo, uma equipa médica está provavelmente de volta de alguém numa das nossas urgências. O meu trabalho não é ligar a saber o que vão fazer a seguir. É dar-lhes ferramentas, equipamento, conhecimentos e poder de decisão para seguirem a via certa quando necessário, no interesse da pessoa que estão a servir. Estamos perfeitamente organizados para isso.

Numa organização como a Kaiser Permanente, onde conhecimentos, tecnologias e competências estão nas mãos de milhares de indivíduos que tomam milhões de micro-decisões, um CEO seria tolo se pensasse que controla tudo.

É um desafio maior para os gestores intermédios aderirem a padrões que são estimulados por uma missão?

Sim, creio que os gestores intermédios estão numa das posições mais difíceis. Estão na linha das declarações visionárias que vêm de pessoas como eu. E depois a mesma pessoa recebe um orçamento, um conjunto de objectivos e começa a pressão dos dois lados. Sentem a pressão do profissional que está na linha da frente e diz que precisa de recursos para fazer o que tem de fazer pelos nossos membros. E as pessoas acima perguntam se está tudo dentro do orçamento e se as despesas se justificam. Depois há o facto de muitos gestores terem chegado onde chegaram porque lidaram primeiro com a parte técnica. As pessoas com competências fortes que aproveitaram bem essas competências foram bem recompensadas com mais responsabilidades.

Quando o principal objectivo de um gestor é ter a certeza de que a força de trabalho tem e fez o necessário, estas competências técnicas normalmente transferem-se bastante bem. Agora a gestão está a passar de mandar para preparar, facilitar e criar o ambiente certo para que as pessoas sejam excelentes no seu espaço. Os gestores intermédios estão mais uma vez presos entre duas forças. Pedimos-lhes para se afastarem da autoridade hierárquica e ao mesmo tempo queremos que apresentem resultados. Temos grandes gestores na Kaiser Permanente que o fazem todos os dias.

Em alguns casos, os gestores intermédios precisam de desaprender coisas antigas e aprender coisas novas, e parte da nossa evolução implica abordar como continuamos a reeducar as nossas pessoas.

A Kaiser Permanente alguma vez pensou em mudar os critérios para identificar gestores na organização?

Não necessariamente, mas fez-nos repensar todo o programa de formação e instrução e a forma como apoiamos os gestores de maneira a terem sucesso.

Procuramos também conjuntos de competências que estejam alinhadas com as exigências da gestão do século XXI. Procuramos formas de encontrar e desenvolver talento alinhadas com o que tentamos atingir.

Como exemplo, o genKP é um grupo de colaboradores millennials que apoio. Quase 20% dos nossos colaboradores são millennials. Este grupo encontra-se regularmente comigo e apresenta-se à minha equipa de liderança. No ano passado, fiz um esforço para conhecer os colaboradores millennials durante as minhas visitas a cada uma das nossas regiões. Em todo o país, estes colaboradores partilharam a razão por que querem trabalhar na Kaiser Permanente.

Para estes debates, criaram algo chamado Stretch@KP, que lhes dá oportunidades de seguirem projectos fora das suas áreas de responsabilidade. Aprendem novas competências e expandem as suas relações, oferecendo ao mesmo tempo perspectivas novas noutras áreas da organização.É uma via com dois sentidos. Estamos a aprender como pensam os millennials, como se comportam, o que esperam do ambiente de trabalho, da mesma forma que eles aprendem connosco.

Estamos focados em trabalhar com os nossos millennials, os futuros líderes da organização. Estamos a criar a liderança.

Dá ênfase ao enfoque na missão e ao que é importante para indivíduos e organização. Como é que a cultura da Kaiser Permanente apoia esses alicerces?

Um dos elementos culturais em que me concentrei foi a liberdade de expressão. Acredito totalmente que vivemos num grande país e que a liberdade de expressão é, em parte, o que o torna tão magnífico. A última coisa que quero é que os indivíduos que exercem a sua liberdade de expressão ao longo da sua vida sintam diferenças na liberdade de expressão dentro da organização.

Estamos a trabalhar para criarmos um ambiente onde todos sentem que têm o direito e a obrigação de falar a verdade. Quero as melhores ideias. Quero perspectivas diferentes em cima da mesa. Quero debate e pessoas a discutirem opções.

Nas reuniões com a gestão sénior, quando um dos meus executivos tem uma opinião forte sobre uma questão e quer falar, por vezes pergunta “Liberdade de expressão?” E eu digo que sim. E repete: “Liberdade de expressão?” E eu respondo: “Completamente.” E é então que ele abre o jogo: “Acho que está totalmente errado.” Agora a nossa gestão precisa de continuar a sentir-se confortável com essa liberdade de expressão em toda a organização. Todos têm a liberdade e o direito de partilhar os seus pontos de vista e até de discordar de outros.

Não é normal ouvir líderes de empresas a falarem da necessidade de uma conversa sincera, mas “liberdade de expressão” não é um termo que se ouça frequentemente nos negócios. Usa-a activamente essa frase ao longo de toda a organização.

Sim, usamos. Acredito que a organização, tal como o país, não pertence a um único indivíduo. Todos somos stakeholders. As pessoas passam 8 a 10 ou 12 horas por dia neste ambiente. E acredito que nesta organização temos as liberdades que temos na sociedade em geral.

A liberdade de expressão tem ocasionalmente consequências. Mas deve fazer vir ao cimo o melhor das pessoas.

Não estamos a falar de alimentar discussões. É criar uma cultura onde um enfermeiro pode entrar e dizer: “Tenho estado a pensar numa coisa. E se fizéssemos este processo 1, 2, 4, 3 em vez de 1, 2, 3, 4?” E a resposta natural da outra pessoa será: “Vamos experimentar e ver onde isto vai dar.” À gestão cabe o papel de ter todas as perspectivas e ideias em conta antes de tomar uma decisão e assegurar que todos sabem que foram ouvidos.

Na manhã seguinte à eleição presidencial de 2016, partilhou uma mensagem no LinkedIn na qual afirmava o empenho da empresa em “defender um sistema de saúde norte-americano que seja acessível e sustentável e que ofereça cuidados de qualidade a todos os norte- -americanos”. Como vê neste momento esse compromisso?

Para mim, tudo começa com a pergunta: como me certifico de que demonstro o mesmo empenho na actual administração como tinha na anterior? Faço-o ao manter-me fiel à nossa posição, que não mudou. Antes de termos o Affordable Care Act [ACA], já lá vão mais de 30 anos, e muito antes de eu chegar à organização, a Kaiser Permanente defendia a mesma posição: a cobertura e os seguros devem estar disponíveis para todos, e todos deveriam ter acesso igual à porta da frente do sistema de saúde norte-americano.

E por “porta da frente do sistema de saúde norte-americano” quero dizer que todos deveriam ter a escolha de procurar cuidados antecipadamente, em vez de esperarem até estarem tão doentes e desesperados por ajuda que têm de ir a uma urgência, o local mais dispendioso para receber cuidados de saúde.

O ACA pode não ser perfeito, mas ajudou milhões de pessoas a terem acesso a cobertura e a cuidados. Vimos muitos exemplos em primeira mão, onde membros puderam inscrever-se e receber cuidados de saúde vitais semanas ou meses depois da inscrição.

O meu objectivo não é perdermos o progresso que fizemos nos últimos sete ou oito anos. A Kaiser Permanente irá trabalhar com a nova administração e com o governo para este objectivo.

À medida que pensamos no futuro dos cuidados médicos, a tecnologia começa a ter um enorme papel em diferentes níveis. O que é mais provável? Que a tecnologia democratize o acesso a cuidados de qualidade ou que os benefícios sejam desproporcionalmente oferecidos a quem já tem vantagens e precisa menos?

Creio que depende do tipo de ambiente colectivo que queremos criar. A beleza da tecnologia é que nos dá oportunidade para democratizarmos o acesso aos cuidados de forma diferente. A tecnologia já nos permite oferecer a maior parte dos encontros de cuidados primários virtualmente. Temos carrinhas móveis que incluem laboratório, serviços de mamografia e uma sala de exames. Vejamos as possibilidades para o que significa a evolução da tecnologia no acesso aos cuidados, nas áreas rurais, por exemplo. Por outro lado, vemos as economias onde as novas tecnologias se tornam um benefício acrescentado com um preço adequado.

A tecnologia não pode ser aproveitada isoladamente. É preciso que líderes políticos, tecnológicos, influenciadores e outros se juntem e pensem nas suas questões éticas e morais. Há ainda questões fundamentais que precisam de ser abordadas para que o sector da saúde aproveite o poder e o potencial da tecnologia de forma a oferecer melhores cuidados a todos, independentemente de raça, estatuto económico ou localização. Isso inclui diminuir os obstáculos aos serviços de tele-saúde, encorajar a interoperabilidade e lidar com as ameaças de cibersegurança de uma forma equilibrada. Creio ser essa a evolução dos cuidados de saúde. É empolgante.

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