António Alegre, Páginas Amarelas: «Portugal tem um potencial enorme para representar um país exemplar na digitalização do seu tecido empresarial»

A presença de Portugal no ranking do Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (IDES) da União Europeia fortaleceu-se. O país subiu três posições, encontrando-se hoje em 16.º lugar. Mas será isto suficiente? Convém relembrar que sendo a lista composta por 27 países, Portugal ainda tem um caminho a percorrer, como fez questão de sublinhar nesta entrevista António Alegre, CEO da Páginas Amarelas.

Por Sandra M. Pinto

O IDES veio realçar que Portugal está abaixo da média europeia em várias frentes digitais, seja no nível básico de aplicação de soluções digitais nas empresas, ou nos indivíduos com competências básicas digitais. Que estratégia deverá ser adoptada e que medidas devem as empresas implementar para que esta situação mude de forma efectiva? Estas e outras questões foram colocadas a António Alegre como forma de percebermos qual será o caminho a percorrer.

Até que ponto a pandemia veio afetar a digitalização de PMEs?
Como sabemos, a pandemia foi uma grande impulsionadora dos meios digitais, trazendo consigo uma obrigatoriedade súbita de se incorporarem processos online nas rotinas de empresas de todo o mundo. A adesão às plataformas de videoconferências é um bom exemplo deste fenómeno. As PMEs não foram excepção nesta mudança e mesmo as menos preparadas foram levadas a aderir. Neste sentido, não há dúvida de que a pandemia trouxe novas exigências para as empresas e as obrigou a adaptarem-se muito rapidamente à nova realidade. Hoje em dia, não estar no digital é impensável para a maior parte das estruturas empresariais. Existe, agora, uma nova agilidade que se bem aproveitada, permite ampliar os negócios.

 Podemos então acreditar que tudo estaria ainda mais atrasado se não tivesse acontecido esta situação?
Acredito que sim. A verdade é que a necessidade é um dos melhores motores para a inovação. Num dia estávamos no escritório e no outro fechados em casa por tempo indeterminado. Todas as empresas tiveram que definir uma estratégia de resposta que se adequasse ao seu negócio e às necessidades dos seus consumidores, também eles em casa. Logo, houve um grande impulso no digital devido à pandemia.

De que forma olha hoje para o estado da digitalização em Portugal?
Apesar de estarmos num bom caminho, ainda há muito por fazer. Eu diria que as PMEs nacionais estão sensibilizadas para a importância do digital, mas muitas ainda não aplicam as medidas básicas, como o uso de um domínio próprio ou de um e-mail dedicado. Por exemplo, cerca de 40% das empresas com um a nove funcionários não têm um website. A transformação digital resume-se a um domínio próprio e uma website? Claro que não, mas temos de começar pelo mais básico. Acredito que Portugal tem um potencial enorme para representar um país exemplar na digitalização do seu tecido empresarial. Contudo, os negócios tradicionais não necessitam de passar por este processo sozinhos, existem agências como a Páginas Amarelas que funcionam como braço direito das PMEs neste processo.

Há uma diferença ao nível geracional relativamente a esta mudança?
Há uma diferença de mentalidades que, por vezes, se manifesta em diferenças geracionais. Não nos podemos esquecer de que Portugal tem muitos negócios que não estão habituados a utilizar o digital no seu dia-a-dia,. Apesar disto, acredito que seja apenas uma questão de tempo até haver um aumento na aposta nestas soluções digitais, mais que não seja por uma questão de sobrevivência.

No ranking do Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (IDES) da União Europeia Portugal está no 16º. Significa que tem havido da parte dos responsáveis governamentais a atenção necessária a este assunto?
Penso que a ação por parte dos responsáveis governamentais é algo relativamente recente, associada às medidas do PRR. Possivelmente devido à necessidade crescente que temos vindo a sentir de digitalizar os nossos mercados para competir com outros. Apesar disto, esta iniciativa quer digitalizar 30 mil empresas através de 650 milhões de euros, um número relativamente pequeno tendo em conta o panorama empresarial em Portugal.
Na verdade, tal como Portugal recebeu fundos com este propósito, também receberam os seus concorrentes. Por exemplo, em Espanha já há iniciativas para a digitalização. Há que louvar os esforços feitos mas acredito que ainda há muito a fazer.

Muito se tem falado em competitividade da economia nacional, mas não está um dos “gatilhos” para a impulsionar precisamente na digitalização?
Sem dúvida que a digitalização representa uma grande vantagem competitiva. Mas há que referir que a maior parte do tecido empresarial português é composto por PMEs, sendo que muitas destas empresas não têm a capacidade financeira de investir na digitalização do seu negócio, especialmente depois da pandemia. Não é o caso de países altamente competitivos, como o do Reino Unido, que têm em curso estratégias digitais de âmbito nacional, que preveem um trabalho próximo com empresas e instituições, em torno das competências digitais.

O que falta fazer?
A implementação de estratégias digitais a nível nacional, que aproximem empresas e instituições das competências digitais necessárias para fazerem parte deste mercado altamente competitivo.

Olhando com maior detalhe para o tecido empresarial nacional, que nível de digitalização nelas vamos encontrar?
Diria que baixo, embora estejamos num bom caminho. E com um tecido empresarial tão dependente de pequenas e médias empresas é normal que a média de implementação de soluções digitais seja reduzida. Contudo, todos os anos a nossa maturidade digital cresce, o que reflete um grande esforço nacional nesse sentido.

Essa situação é culpa de quem? Dos empresários?
Não creio que culpa seja o termo certo neste caso, mas sim a falta de uma estratégia que conduza as empresas a estarem mais a par dos benefícios do digital, nomeadamente o acesso a um mercado alargado.
Há ainda a falta de um trabalho de base nas competências digitais, especialmente quando ⅙ das empresas já aplica soluções de Inteligência Artificial (IA). Acredito que antes de soluções avançadas como IA ainda há muito por fazer na capacitação de profissionais em competências básicas no digital.

Na sua opinião estão os nossos gestores devidamente sensibilizados para esta matéria?
A sensibilização para este assunto cresce a cada ano. Penso que não seja a falta de informação nesta matéria que impede os gestores de avançarem com soluções digitais, mas sim, a falta de capacidade de investimento.

Há por parte dos trabalhadores interesse em se actualizarem nesta matéria?
Sim, o digital traz benefícios para todos, inclusive aos próprios trabalhadores. Tendo em conta que o próprio governo dinamiza várias iniciativas de capacitação de colaboradores, diria que o interesse nestas ferramentas é global e ajuda a que consigam acompanhar as mudanças no mercado de trabalho.

Mais uma vez temos nas empresas, sobretudo, indivíduos com competências básicas digitais… Com a entrada no mercado da geração Z perspectiva-se uma mudança?
Acredito que irá mudar, sim. A maior parte da Geração Z já nasceu com a internet na ponta dos dedos. São nativos digitais que vão, sem dúvida, afectar os dados relacionados com a maturidade digital. Nos próximos anos vamos sentir uma mudança nestas estatísticas devido à entrada desta geração no mercado de trabalho.

Curiosamente, ou não, Portugal ultrapassou a média em competências avançadas. Até que ponto este crescimento impacta a economia e as empresas nacionais?
Apesar de existirem bastantes pessoas capacitadas na vertente das competências digitais avançadas, em média existe uma grande falta de profissionais qualificados nas áreas básicas. Estes não representam a maioria, são, sim, um nicho nesta área.
O aumento de pessoas capazes em competências digitais avançadas vem afetar fenómenos como a escassez e a retenção de talento. São profissionais altamente requisitados, mas poucos em comparação com os que nem são capacitados nas competências mais básicas.

Olhando para o futuro quais os maiores desafios da transição digital portuguesa?
Os recursos humanos com as qualificações necessárias para operarem durante esta transição. Saberem quais os processos, quais as alterações ao modelo de negócios, que tecnologias devem ser adoptadas… Há muitos negócios que se vão transformar por completo, outros vão deixar de existir, e muitos outros novos vão surgir.
Penso que existe uma grande dificuldade financeira. Este será um dos entraves principais na transição digital portuguesa. Destaco também que a digitalização pode ser um processo intimidante e dispendioso, por isso, deve haver algum pensamento estratégico a acompanhá-lo. Se soubermos que, em média, uma em cada quatro empresas portuguesas não investe em programas de transição digital ou em formação para estas competências específicas, ou porque não têm capacidade, ou porque não sabem como fazê-lo, percebemos a origem do problema.

A seu ver que medidas deviam ser tomadas que ainda não foram?
No futuro será importante cultivar alguma capacidade de antecipar cenários, de pensar no digital de forma estratégica e de perceber que investir hoje pode significar a sobrevivência amanhã. Muitas empresas portuguesas têm dificuldade em decidir sobre investimentos tecnológicos porque exigem um esforço financeiro elevado, mas raramente pensam sobre o custo actual da ineficiência operacional das suas equipas e negócios.

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