Armando Soares, Câmara Municipal de Oeiras: O sentido de missão e propósito, quando o salário não acompanha
É um vereador numa câmara municipal, com o pelouro de Recursos Humanos, quem o diz: na administração pública é difícil premiar quem faz bem e “punir” quem faz mal ou não faz. Ganha-se mal, e isso tira argumentos de atractividade na hora de recrutar. Mas na Câmara de Oeiras há outros argumentos, garante Armando Soares. Para além do forte sentido de propósito, ouvem-se todas as pessoas, dos munícipes aos colaboradores. E não entra por um ouvido e sai por outro.
Por Ana Leonor Martins | Fotos Nuno Carrancho
Sociólogo e gestor. Mas também político, terapeuta, músico e escritor. Todas elas facetas do mesmo ser humano.» É assim que Armando Soares se descreve, acrescentando que se assume como «um ser pluridimensional e multifacetado, que apenas pretende deixar a sua marca neste tempo». Não será a descrição mais usual para um político, mas o vereador faz o disclamer logo no início da conversa com a Human Resources: «Não sou, nem nunca quis ser, um “político de carreira”.»
Apesar de já ter tido uma experiência anterior na área de Recursos Humanos, na Câmara de Oeiras, é o primeiro mandato com este pelouro. Sabendo que está limitado pela lei, foca-se no que podem fazer para motivar e melhorar as condições de uma equipa de mais de três mil pessoas. E isso começa por ouvi-las. Uma a uma. Acredita que «para sermos verdadeiramente felizes, a possibilidade de contribuirmos para felicidade dos outros é fundamental.»
Não esconde os (muitos) problemas da administração pública, mas considera que nem todas as críticas são justas.
Acima de tudo, tem muito orgulho no seu município, no trabalho que tem feito pelos seus colaboradores e munícipes, e também pelo País.
É vereador na Câmara Municipal de Oeiras, com o pelouro dos Recursos Humanos. Mas o seu percurso passou, durante vários anos, pelas áreas de Gestão, Comunicação e Marketing, no sector privado. O que o levou para a política?
Não sou, nem nunca quis ser, um “político de carreira”. Temos a visão de que o político é alguém que é um carreirista, que nunca fez nada na vida, ou que não sabe fazer mais nada. Mas isso não é verdade. Qualquer um de nós, que se interesse por uma causa ou não queira limitar-se a pagar impostos ou a ver as contas da electricidade e água a aumentar, que entenda que pode acrescentar alguma coisa, pode inscrever-se num partido político.
Desde miúdo, fui delegado de todas as turmas das quais fiz parte, fui presidente da associação de estudantes da escola secundária de Linda-a-Velha, fui presidente da associação académica do ISCTE… Mas depois chegamos a um ponto em que o associativismo não chega e acabamos por nos filiar num partido político para conseguir fazer mais.
E quando é que os Recursos Humanos entram no seu percurso? Em 2020 já era vereador, mas não tinha esse pelouro…
Sim, foi neste último mandato que fiquei com a área dos Recursos Humanos, mas já tinha liderado a área de Recursos Humanos na Parques Tejo, entre 2010 e 2012.
Que desafios acrescidos é que isso lhe trouxe no dia-a-dia, sendo que ainda apanhou a altura da pandemia…
A pandemia trouxe-nos essencialmente uma grande lição. O País não parou, essencialmente, por causa dos municípios. A recolha do lixo continuou a fazer-se, a rega dos jardins, a protecção civil… Com ou sem medo, essas pessoas tiveram de trabalhar. E continuaram a dar o melhor de si, em prol da sua comunidade. Foram os municípios e o poder local que garantiram que os centros de saúde e de vacinação continuavam abertos, que os equiparam e colocaram lá as pessoas.
Calculo que esteja muito relacionado com esse contexto de pandemia, mas o que é que lhe foi pedido no âmbito das suas responsabilidades pela Gestão de Pessoas?
Estávamos numa “guerra” contra um inimigo desconhecido e, por isso, a principal preocupação foi garantir a segurança da comunidade e que os serviços essenciais continuavam em funcionamento. Mas, ao mesmo tempo, era preciso motivar e galvanizar equipas, e isso é muito complexo quando não se pode mexer na componente salarial. Pode pagar-se o trabalho extraordinário, que está tabelado por lei, mas, por mais que alguém trabalhe excepcionalmente, não pode ser recompensado ou promovido, como acontece numa empresa privada.
Por outro lado, muitas das vezes, também não é possível “castigar” quem não trabalha no nível esperado. Existe um sistema de avaliação – o SIADAP – que é profundamente injusto, mas é o sistema que temos, por lei temos de o cumprir. Assim, é difícil premiar quem faz bem e faz mais, e muitas vezes é difícil “punir” quem não faz nada ou faz pouco. Estes são os maiores constrangimentos da administração pública portuguesa.
E há outra questão, a administração pública está muito envelhecida. A média de idades dos funcionários do município de Oeiras é 49 anos, e nem deve ser o pior. Mas como é que conseguimos captar um miúdo que sai da universidade e tem logo uma empresa privada a acenar-lhe com um salário competitivo ou uma experiência internacional? É muito difícil.
Mas, tradicionalmente, a Administração Pública era vista como um sector atractivo para se trabalhar. Isso já não acontece?
Sim, no tempo dos nossos pais dizia-se que a administração pública era melhor porque era um “emprego seguro”, nunca iria “fechar”. Mas a realidade é outra, os jovens já não se preocupam ou valorizam tanto essa segurança. Mantemos uma ligação forte ao tecido empresarial local, que é dos mais coesos do País, e percebemos isso. Valorizam mais ter experiências diversificadas.
Mas há algo que a administração pública tem e que poucas empresas têm: um propósito forte. Tem uma causa, que é servir o próximo, a comunidade e a população. No imediato, isso pode ajudar a administração pública a atrair talento. Mas depois, os recursos e instrumentos que tem à sua disposição para aqueles que nela trabalham e que a ela dedicam o seu tempo estão longe de ser os melhores.
Portanto, têm menos argumentos do que o sector privado para atrair talento. Então, como é que o têm feito? Trabalham a vossa marca de empregador?
Falo do município de Oeiras com muito orgulho, enquanto autarca, mas este não é, com muita pena minha, o espelho do País. Falar de Oeiras é falar da segunda economia nacional. Lisboa movimenta 84 mil milhões de euros em todas as empresas que tem sediadas na capital, e é incontestável a sua liderança, mas logo a seguir está Oeiras, com 34 mil milhões de euros. Passámos de um município dormitório, profundamente pobre nos anos 80, para um contexto com condições para grandes empresas se instalarem. A partir desse momento, vieram os impostos e a justa retribuição de riqueza. Somos premiados na área do ambiente, nas práticas de Recursos Humanos, ao nível das empresas, temos 30% da tecnologia do País sediada aqui. Facturámos mais 10 mil milhões do que o Turismo de todo o país.
O que podemos, então, apresentar a alguém que queira trabalhar no município de Oeiras? Para já, o facto de ser um município que está em vanguarda em diversos sectores. Depois, um município que ainda há pouco tempo entregou casas a funcionários. Não só continuamos com políticas de habitação para aqueles que mais precisam, para as famílias profundamente pobres, como também estamos a construir habitação para a classe média. Somos o único município do País com programa de habitação jovem, através da reabilitação de edifícios antigos, e também entregamos casas a colaboradores.
De referir também que o ensino superior é de acesso universal. Passámos de 30 bolsas de estudo para 1500 bolsas. Isto quer dizer que qualquer jovem do município, devidamente documentado, que não tenha recursos para estudar, tem a totalidade do curso pago pela autarquia. Isto é realmente excepcional, é isto que é o verdadeiro elevador social. Oeiras tem a maior taxa de licenciados, de mestrados e doutorados, no País todo, a maior taxa de investigadores. E isso deve-se às políticas que temos na área da Educação.
Os funcionários da autarquia também beneficiam de tudo isto. Não podemos aumentar a sua componente salarial, que é o que mais me custa – se a legislação permitisse, municípios como este poderiam competir de igual com todas as empresas, a nível de atractividade para trabalhar –, mas temos outras coisas: por exemplo, um fundo de emergência social, para colaboradores que estejam em dificuldades financeiras e não consigam pagar a prestação da casa, ou despesas médicas avultadas… Também temos consultas de nutrição, consultas de psicólogo, e muitas outras coisas que as empresas privadas já fazem, mas que na administração pública não é comum.
Sendo que têm essa limitação ao nível do salário, o que sente que as vossas pessoas mais valorizam?
A gestão de tempo. Fomos o primeiro município da área metropolitana de Lisboa a ter políticas de conciliação da vida profissional com a vida familiar e pessoal. Fomos os primeiros a ser certificados nesta área. Preocupamo-nos bastante com o projecto de vida de cada um. Isto por vezes parece complexo, pois somos uma organização com quase três mil colaboradores, e como é que conseguimos preocupar-nos com cada um, mas tentamos o mais possível chegar aí. Temos de gerir tendo em conta o bem comum, mas não se pode descaracterizar o lado humano, a individualidade. As pessoas não são números, o lucro não pode ser o propósito, nesta matéria. Exige investimento de tempo, mas tem de ser.
Não posso deixar de dizer que temos um presidente de câmara – o doutor Isaltino Morais, conhecido precisamente por esta ligação ao povo e à população, recebe os munícipes –, e isso também acontece com os seus colaboradores. Tem a preocupação de saber como é que eles estão, apesar de existirem prazos que não se podem falhar, pressões, normas… Mas tentamos o mais possível ajudar o colaborador a fazer essa gestão. Acredito que isso é que faz a grande diferença. É o espelho das nossas políticas públicas. Temos atenção aos detalhes.
As novas gerações já não veem – e bem – as empresas como a “sua família” ou a “sua casa”. Perceberam que o tempo é precioso e não podem gastá-lo todo a trabalhar. Querem tempo para a família, para os amigos, para viajar, para ler, ter experiências, relaxar, ir a espectáculos… Identifico-me com isso, mas o tempo que passamos no local onde trabalhamos, remota ou presencialmente, é uma grande fatia do nosso dia. Se chegarmos à conclusão de que o nosso empregador não tem atenção, nem nos apoia ou incentiva, acabamos por nos desligar da organização. Por isso nos temos preocupado em assegurar uma coesão interna e organizacional, que faça com que cada um tenha orgulho na marca Oeiras Valley e na nossa marca interna, Nós Oeiras.
Leia a entrevista na íntegra na edição de Julho (nº. 163) da Human Resources.
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