As tradicionais descrições de funções estão a chegar ao fim. E isso tem implicações para empresas e trabalhadores
Durante décadas, um trabalho foi descrito através de um título e de uma lista de responsabilidades. Um profissional é contratato, recebe uma descrição de funções e essa é a sua identidade profissional. Mas, segundo a Entrepreneur, este sistema está a entrar em colapso.
A actual estrutura de trabalho já não está desenhada para a forma como as empresas funcionam. Com todas as mudanças em curso, as funções estáticas ou as hierarquias rígidas não estão a ser capazes de acompanhar os avanços da tecnologia, os modelos de negócio ou as expectativas dos clientes. É como tentar executar uma aplicação recente num computador dos anos 90.
O que está a substituir as antigas descrições de funções são sistemas modulares baseados em projectos, onde o trabalho é concluído reunindo as pessoas certas com as competências certas para uma tarefa específica.
A estrutura de trabalho tradicional já não funciona
O antigo paradigma de trabalho foi concebido para a previsibilidade. Uma empresa contrata um grupo de pessoas para realizar determinadas tarefas e estas raramente mudam. Um contabilista faz contas, um gestor de marketing desenvolve campanhas e o colaborador da informática resolve problemas no computador. Cada um fica na sua faixa.
Mas, hoje, a maioria dos sectores não funciona assim. Hoje, pode precisar de um especialista em cibersegurança, amanhã de um arquitecto de cloud e na próxima semana de um analista de dados, todos no mesmo projecto. A descrição de funções inflexível não se coaduna com esta nova realidade e insistir neste modelo está a custar às empresas agilidade e talento.
Deve também considerar as competências à medida que se desenvolvem. Os trabalhadores de hoje não encaixam perfeitamente numa caixa. Um grande profissional de marketing, por exemplo, pode também saber fazer análise de dados, criar ferramentas sem código e até algum design gráfico. Mas se a descrição da função apenas diz “estratégia de marketing”, está a deixar metade do potencial de lado.
A ascensão do trabalho modular baseado em projectos
Nos sistemas de trabalho modulares, em vez de contratar pessoas para funções fixas, as empresas alocam talentos com base em projectos. Significa que a empresa não está a contratar “um colaborador”. Está a contratar um conjunto de competências, um cérebro ou até mesmo uma equipa para um resultado definido.
Imagine uma empresa de aplicações que está a lançar um produto. Em vez de passar este projecto por vários departamentos (marketing, desenvolvimento, apoio ao cliente, etc.), forma uma equipa ágil e multifuncional: um designer de UX, um programador de software, um estratega de marketing e um gestor de projectos. Quando a aplicação é lançada, a equipa desfaz-se e essas pessoas passam para projectos diferentes. O trabalho é feito de forma mais rápida, inteligente e com menos burocracia.
Isto faz lembrar como muitas startups e agências criativas já operam. Valorizam mais a velocidade e a experiência do que as estruturas rígidas, e esta é uma das principais razões pelas quais estão a superar as empresas mais tradicionais. É também por isso que as plataformas freelance como a Upwork ou a Toptal estão a crescer — as empresas procuram ter acesso a um grupo de talentos sem a bagagem de uma contratação a tempo inteiro.
O que implica para os trabalhadores
Claro que nem toda a gente gosta da ideia de trabalho baseado em projectos. Para os trabalhadores, é uma transição da previsibilidade de uma posição definida para um mercado baseado no mérito, onde o seu valor está ligado às suas competências e à sua capacidade de reinvenção. Alguns podem funcionar bem nestas condições, mas outros nem por isso.
Contudo, os sistemas baseados em projectos permitem uma maior liberdade aos trabalhadores. O profissional não fica “preso” a fazer as mesmas coisas durante anos porque está na sua descrição de funções. Pode mudar de direcção, adquirir novas competências e retribuir de formas que realmente lhe interessem. É muito mais dinâmico e alinhado com a forma como as pessoas querem fazer o seu trabalho actualmente.
A questão da segurança no emprego é também relevante. Se as empresas fizerem a transição para a contratação baseada em projectos, isso pode equivaler a menos oportunidades a tempo inteiro. No entanto, também oferece oportunidades para os trabalhadores seguirem carreiras como contratados independentes ou consultores. No fundo, o profissional será valorizado pelos resultados que entrega e não por quantos anos passou “fechado num cubículo”.
O que as empresas precisam de fazer de forma diferente
Para as empresas, esta transformação não é simplesmente uma questão de substituir as descrições de funções por estatutos de projectos. É uma mentalidade totalmente nova. Eis o que precisa de mudar:
Foco nos resultados e não nas tarefas
As empresas devem parar de pensar no que um colaborador faz na sua rotina diária e, em vez disso, considerar quais os resultados pelos quais é responsável. Não existe um “gestor de redes sociais”, mas contrate alguém que possa “aumentar o engagement da marca em 30% em seis meses”. É uma mudança pequena, mas profunda.
Investir no desenvolvimento de competências
Se o trabalho do futuro for baseado em projectos, os colaboradores terão de actualizar continuamente as suas competências para se manterem relevantes. As empresas que oferecem oportunidades contínuas de formação e aprendizagem serão mais atractivas para melhores talentos e receberão mais valor das suas equipas.
Repensar os processos de contratação
Os processos de contratação tradicionais — currículos, cartas de apresentação e entrevistas em várias fases — são demasiado lentos para este modelo. As empresas pretendem avaliações de competências mais eficientes, como revisões de portefólio, testes de competências ou projectos experimentais de curto prazo.
Construir equipas flexíveis
Num mundo baseado em projectos, não está apenas a gerir profissionais; está a gerir redes. Alguns membros da equipa podem ser colaboradores a tempo inteiro, enquanto outros podem ser freelancers, subcontratados ou até mesmo ferramentas de IA. Em resposta, as empresas precisam de sistemas para gerir eficientemente estas equipas híbridas.
Abraçar a tecnologia
Ferramentas como o Slack, Asana e Airtable já auxiliam no trabalho baseado em projectos, mas a IA e a automação prevalecerão neste sentido e começarão a delegar tarefas, a monitorizar o progresso e até a ajudar a combinar os melhores talentos com os projectos.
Desafios futuros
Esta mudança não será fácil. Para as empresas, a transição de hierarquias para redes exige repensar tudo, desde os organogramas às avaliações de desempenho. Para os colaboradores, isto significa abandonar a carreira tradicional. Em vez de avançar pela escada clássica, saltará de projecto em projecto, desenvolvendo um portefólio de trabalho que levará a novos desafios e oportunidades.
Há também o risco de burnout. Quando os colaboradores distribuídos por projectos alternam entre uma campanha ou evento e outro sem limites definidos, é fácil sentirem-se sobrecarregados. As empresas terão de adoptar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional neste novo sistema, ou perderão talento tão rapidamente como os adquiriram.
A mudança é inevitável
Se ainda persistirem dúvidas, basta pensar no facto de as ferramentas utilizadas para trabalhar já mudaram a forma como se trabalha. Canva, ChatGPT e Notion são alguns exemplos de aplicações que permitiram aos trabalhadores fazer coisas que antes exigiam equipas inteiras. O próximo passo lógico é que os seus papéis sejam ajustados.
As pessoas precisam de saber que os dias das descrições de funções estáticas acabaram. Tanto as empresas como os trabalhadores estão a migrar para um modelo mais flexível, baseado em projectos, que corresponde melhor à velocidade e à multiplicidade do mundo em rápida mudança. Não é um sistema perfeito e haverá certamente dificuldades de crescimento. Mas para as empresas que aceitarem esta mudança — e para os trabalhadores que se adaptarem — é uma oportunidade única.
Caminhamos para um mundo em que o trabalho tem menos a ver com a posição num organograma e mais com o que se contribui para um objectivo específico. É mais rápido, mais dinâmico e (espera-se) uma experiência mais gratificante para todos. Quem se agarrar aos velhos hábitos, corre o risco de ficar para trás.