Aumentos salariais e prémios: quanto ganho, quanto a empresa paga e quanto o Estado recebe

Quando um aumento salarial apenas satisfaz o Estado. 

Por Gonçalo Pinto Ferreira, sócio coordenador da área de Trabalho e Segurança Social da TELLES

 

Foi um dia importante para João. Depois de meses de árduo trabalho e muita dedicação, o seu esforço tinha dado frutos: a empresa onde trabalha agradeceu-lhe o compromisso com o projecto e comunicou que lhe iria aumentar o salário de 1000 para 1300 euros e, ainda, conferir-lhe um prémio de produtividade no valor de 1000 euros.

Claro que João ficou muito satisfeito. Sabia que Maria, sua mulher, também o ficaria. Este aumento de 300 euros e o prémio de 1000 euros ajudariam muito na gestão da economia doméstica, num tempo em que o aumento das taxas de juro no crédito à habitação e as despesas escolares com os dois filhos tanto pressionavam o orçamento familiar.

Também a empresa estava satisfeita. João é um bom trabalhador, comprometido e esforçado. Pagar mais 300 euros correspondia a um aumento de 30% no salário. Era um esforço considerável, a que acrescia o pagamento do prémio, mas que se justificavam face ao desempenho de João.

No dia em que João recebe o pagamento fica surpreendido: do montante de 1300 euros atribuído pela empresa, coube-lhe pouco mais do que 1040 euros, pois, entre IRS e Segurança Social, mais de 250 euros ficaram retidos. João foi verificar o seu recibo anterior e verificou que antes recebia 850 euros de um ordenado de 1000 euros. Tudo visto, apesar de ter tido um aumento de 300 euros, a diferença entre o que João leva para casa antes e agora não chega sequer aos 200 euros. Também no momento do pagamento do prémio de 1000 euros, João verifica que recebeu apenas 850 euros por força da retenção de IRS e Segurança Social.

Também a empresa viu os seus custos serem superiores àqueles que decorriam exclusivamente do aumento salarial e do prémio, já que teve de passar a suportar 308,75 euros de contribuições para a Segurança Social pela remuneração mensal e 237,50 euros, também de contribuições para a Segurança Social, por força do prémio pago. E o que é certo é que João nem sequer toma consciência deste esforço, porque não encontra no recibo de vencimento expressão do mesmo.

Na prática, o João recebe um salário líquido mensal de pouco mais de 1040 euros, mas o custo para a empresa supera os 1600 euros. De igual modo, João recebeu um prémio líquido de 850 euros, mas o custo para a empresa foi de quase 1300 euros.

A verdade é que tantos são os casos de empresas, Joões e Marias que todos os dias vivem, ou sobrevivem, num País em que os impostos e a Segurança Social pesam tanto nos respectivos orçamentos.

Para as empresas, o Estado é uma espécie de trabalhador-fantasma que recebe parte do que a empresa paga em contrapartida pelo trabalho prestado, sem que, no entanto, o Estado comparticipe ou contribua para a produtividade da empresa. Um pouco como se fosse um trabalhador sentado de braços cruzados, nada fazendo, nada produzindo, mas ainda assim recebendo uma contrapartida da empresa.

Acresce ainda que, apesar dos esforços das empresas, muitas vezes o rendimento final dos trabalhadores não se altera de forma assim tão significativa, não tendo esse esforço o impacto positivo pretendido nos trabalhadores.

Para os trabalhadores, o Estado é uma espécie de membro invisível do agregado familiar que todos os dias se senta à mesa sem que seja notado, mas que gasta recursos e consome uma parte importante do rendimento do trabalho.

Perante isto, naturalmente que não se defende um Estado sem impostos, nem Segurança Social, mas também não pode deixar de se reflectir sobre o papel do Estado e o impacto que tem no contexto das relações laborais.

Se não se olhar para esta realidade de forma séria e responsável, podemos estar a perpetuar uma situação em que, perante um aumento salarial, o único que verdadeiramente ficará satisfeito é o Estado.

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