Brexit: Quatro meses depois do período de transição, o que mudou a nível laboral?
No dia 31 de Janeiro de 2020, o Reino Unido deixou de ser um Estado-membro da União Europeia (UE). Posteriormente, no dia 1 de Fevereiro, entrou em vigor o Acordo de Saída que estabelece os termos da saída ordenada do Reino Unido da UE, dando início a um período transitório, que terminou no dia 31 de Dezembro de 2020.
Durante esse período transitório, o direito da União Europeia continuou a aplicar-se, com algumas adaptações, ao Reino Unido e às relações entre o Reino Unido e os Estados-membros da UE. Paralelamente, decorreram as negociações entre a UE e o Reino Unido com vista a alcançar um futuro Acordo de Comércio e Cooperação entre ambos, a tempo de entrar em vigor após o período transitório.
Assim, a 30 de Dezembro do ano passado foi assinado o Acordo de Comércio e Cooperação sobre a relação futura entre a UE e o Reino Unido, tendo sido decidida a sua aplicação provisória a partir de 1 de Janeiro de 2021, enquanto se aguarda a aprovação do Parlamento Europeu e a celebração mediante decisão do Conselho.
Este Acordo de Comércio e Cooperação inclui regras de coordenação dos sistemas de Segurança Social e abrange os cidadãos que não estão cobertos pelo Acordo de Saída.
No dia 1 de Janeiro, a realidade alterou-se com o fim do período transitório e ocorreram alterações designadamente, ao nível das regras de coordenação dos sistemas de segurança social. A Pinto Ribeiro Advogados esclarece quais as mudanças a nível laboral.
A) Cidadãos abrangidos pelo acordo de saída
Para efeitos de coordenação de Segurança Social estão abrangidos pelo Acordo de Saída:
a) Os cidadãos da UE sujeitos à legislação do Reino Unido e os nacionais do Reino Unido sujeitos à legislação de um Estado-membro no termo do período de transição, bem como os seus familiares e sobreviventes;
b) Os cidadãos da UE que residam no Reino Unido e estejam sujeitos à legislação de um Estado-
-membro, bem como os nacionais do Reino Unido que residam num Estado-membro e estejam sujeitos à legislação do Reino Unido no termo do período de transição, e ainda os seus familiares e sobreviventes;
c) Outras pessoas não abrangidas pelo âmbito das alíneas a) e b), mas que sejam:
- 1. Cidadãos da UE que exerçam uma actividade por conta de outrem ou por conta própria no Reino Unido no termo do período de transição e que, nos termos do título II do Regulamento (CE) n.º 883/2004, de 29 de Abril, estejam sujeitos ao direito de um Estado-membro, bem como os seus familiares e sobreviventes; ou
- 2. Nacionais do Reino Unido que exerçam uma actividade por conta de outrem ou por conta própria num ou mais Estados-membros no termo do período de transição e que, nos termos do título II do Regulamento (CE) n.º 883/2004, de 29 de Abril, estejam sujeitos à legislação do Reino Unido, bem como os seus familiares e sobreviventes;
d) Os apátridas e refugiados que residam num Estado-membro ou no Reino Unido e que se encontrem numa das situações supra descritas nas alíneas a) a c), bem como os seus familiares e sobreviventes;
e) Os nacionais de países terceiros, bem como os seus familiares e sobreviventes, que se encontrem numa das situações supra descritas nas alíneas a) a c), desde que residam legalmente no Reino Unido ou num Estado-membro e estejam numa situação transfronteiriça entre um Estado-membro e o Reino Unido.
f) Os cidadãos da UE e os nacionais do Reino Unido que tenham exercido o seu direito de livre circulação antes do termo do período de transição e que residam no Reino Unido ou num Estado-membro em causa após esse período, ao abrigo do artigo 10.º do Acordo de Saída, ainda que não estejam ou tenham deixado de estar nas situações supra descritas nas alíneas a) a c), desde que continuem a ter o direito de residir no país de acolhimento ou de trabalhar no país de emprego.
As pessoas a seguir indicadas são igualmente abrangidas pelo Acordo de Saída para efeitos de invocação e de totalização dos períodos de seguro, de emprego, de atividade por conta própria ou de residência, incluindo os direitos e obrigações decorrentes desses períodos, em conformidade com o Regulamento (CE) n.º 883/2004, de 29 de Abril:
g) Os cidadãos da UE, bem como os apátridas e os refugiados residentes num Estado-membro e os nacionais de países terceiros que preencham as condições do Regulamento (CE) n.º 859/2003, de 14 de Maio, que tenham estado sujeitos à legislação do Reino Unido antes do termo do período de transição, bem como os seus familiares e sobreviventes;
h) Os nacionais do Reino Unido, bem como os apátridas e os refugiados residentes no Reino Unido e os nacionais de países terceiros que preencham as condições do Regulamento (CE) n.º 859/2003, de 14 de Maio, que tenham estado sujeitos à legislação de um Estado-membro antes do termo do período de transição, bem como os seus familiares e sobreviventes.
Desde 1 de Janeiro, os cidadãos abrangidos pelo Acordo de Saída, continuarão a beneficiar das regras europeias relativas à coordenação dos sistemas de segurança social nas relações com o Reino Unido, previstas nos Regulamentos (CE) n.º 883/2004, de 29 de abril, e n.º 987/2009, de 16 de Setembro, entre as quais se salientam as seguintes:
I. Destacamento de trabalhadores
As situações de destacamento de Portugal ou de outro Estado-membro para o Reino Unido e do Reino Unido para Portugal ou para outro Estado-membro, ao abrigo do artigo 12.º do Regulamento (CE) n.º 883/2004, de 29 de Abril, que tenham tido início até 31 de Dezembro de 2020, podem manter-se até ao seu termo, ainda que posterior a 1 de Janeiro de 2021, independentemente da atividade exercida, desde que as condições se mantenham, continuando válidos os documentos portáteis A1 que atestam a sujeição dos trabalhadores à legislação do Estado de envio.
No caso de ser necessário prolongar o período de destacamento, que tenho tido início até 31 de Dezembro de 2020:
- Até ao limite de 24 meses no total: poderá ser emitido novo documento portátil A1 após 1 de Janeiro de 2021, na medida em que o trabalhador continua abrangido pelo Acordo de Saída. O documento portátil A1 deve indicar o local de destino do trabalhador no Estado onde exerce a actividade.
- Para além dos 24 meses: é possível a conclusão de um acordo de excepção com as autoridades do Estado onde exerce a actividade (Reino Unido, Portugal ou outro Estado-membro), na medida em que o trabalhador continua abrangido pelo Acordo de Saída. O documento portátil A1 deve indicar o local de destino do trabalhador no Estado onde exerce a atividade.
II. Prestações de desemprego
No que respeita aos cidadãos da UE sujeitos à legislação do Reino Unido e os nacionais do Reino Unido sujeitos à legislação de um Estado-membro no termo do período de transição, continuam a aplicar-se as regras previstas no Regulamento (CE) n.º 883/2004, de 29 de Abril, incluindo a totalização dos períodos contributivos e a exportação das prestações de subsídio de desemprego.
Adicionalmente, continuam a aplicar-se às pessoas abrangidas pelo Acordo de Saída as regras previstas no Regulamento (CE) n.º 883/2004, de 29 de Abril, relativamente às:
- Prestações pecuniárias por doença, maternidade e paternidade equiparadas;
- Pensões de invalidez, velhice e sobrevivência;
- Prestações familiares;
- Prestações por acidentes de trabalho e doenças profissionais.
B) Cidadãos não abrangidos pelo Acordo de Saída
Aos cidadãos do Reino Unido e da UE não abrangidos pelo Acordo de Saída aplica-se o Acordo de Comércio e Cooperação entre a UE e o Reino Unido, que inclui regras de coordenação dos sistemas de Segurança Social, entre as quais se salientam as seguintes:
I. Determinação da legislação aplicável
Sem prejuízo de regras específicas, as regras gerais definidas para determinar a legislação aplicável são as seguintes:
- A pessoa que exerça uma actividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado está sujeita à legislação desse Estado;
- O funcionário público está sujeito à legislação do Estado de que dependa a administração que o emprega;
- Qualquer outra pessoa a quem não sejam aplicáveis as alíneas a) e b) está sujeita à legislação do Estado de residência, sem prejuízo de outras disposições específicas que lhe garantam prestações ao abrigo da legislação de um ou mais outros Estados.
II. Exportação de prestações pecuniárias
- As prestações pecuniárias devidas por força da legislação de um Estado não podem ser objeto de qualquer redução, alteração, suspensão, supressão ou confisco pelo facto de o beneficiário ou os membros da sua família residirem num Estado que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora.
- A exportação de prestações não é aplicável às prestações por invalidez e às prestações por desemprego.
III) Exercício de actividades em dois ou mais Estados
1) A pessoa que exerça normalmente uma actividade por conta de outrem num ou mais Estados-membros e no Reino Unido está sujeita:
a) À legislação do Estado de residência, se exercer uma parte substancial da sua atividade nesse Estado; ou
b) Se não exercer uma parte substancial da sua actividade no Estado de residência:
À legislação do Estado em que se situa a sede ou o domicílio da empresa ou do empregador, se essa pessoa for empregada por uma empresa ou entidade patronal; ou
À legislação do Estado em que se situa a sede ou o domicílio das empresas ou dos empregadores, se essa pessoa for empregada por duas ou mais empresas ou entidades patronais que tenham a sua sede ou domicílio num único Estado; ou
À legislação do Estado em que se situa a sede ou o domicílio da empresa ou do empregador, que não seja o Estado de residência, se essa pessoa for empregada por duas ou mais empresas ou entidades patronais que tenham a sua sede ou domicílio num Estado-membro e no Reino Unido, sendo uma delas o Estado de residência; ou
À legislação do Estado de residência, se essa pessoa for empregada por duas ou mais empresas ou entidades patronais, das quais pelo menos duas tenham a sua sede ou domicílio em Estados diferentes do Estado de residência.
2. A pessoa que exerça normalmente uma actividade por conta própria num ou mais Estados-membros e no Reino Unido está sujeita:
- À legislação do Estado de residência, se exercer uma parte substancial da sua atividade nesse Estado; ou
- À legislação do Estado onde se situa o centro de interesse das suas actividades, se não residir num dos Estados em que exerce uma parte substancial da sua actividade.
3. A pessoa que exerça normalmente uma actividade por conta de outrem e uma actividade por conta própria em dois ou mais Estados está sujeita à legislação do Estado em que exerce uma atividade por conta de outrem ou, se exercer tal actividade em dois ou mais Estados, está sujeita à legislação determinada de acordo com o supra mencionado em 1).
4. A pessoa empregada como funcionário público num Estado e que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num ou mais Estados está sujeita à legislação do Estado a que está sujeita a administração que a emprega.
5. A pessoa que exerça normalmente uma atividade por conta de outrem em dois ou mais Estados-membros (e não no Reino Unido) está sujeita à legislação do Reino Unido se essa pessoa não exercer uma parte substancial dessa actividade no Estado de residência e essa pessoa:
- Estiver ao serviço de uma ou mais empresas ou entidades patronais, todas elas com sede ou domicílio no Reino Unido;
- Residir num Estado-membro e trabalhar para duas ou mais empresas ou entidades patronais, todas elas com sede ou domicílio no Reino Unido e no Estado-membro de residência;
- Residir no Reino Unido e trabalhar para duas ou mais empresas ou entidades patronais, das quais pelo menos duas tenham a sua sede ou domicílio em Estados-membros diferentes; ou
- Residir no Reino Unido e trabalhar para uma ou mais empresas ou entidades patronais, com sede ou domicílio no Reino Unido, isto é, nenhuma das quais com sede ou domicílio noutro Estado.
6. A pessoa que exerça normalmente uma actividade por conta própria em dois ou mais Estados-membros (e não no Reino Unido), sem exercer uma parte substancial dessa actividade no Estado de residência, está sujeita à legislação do Reino Unido se o centro de interesse da sua actividade estiver situado no Reino Unido, não sendo, contudo, aplicável no caso de uma pessoa que exerça normalmente uma actividade por conta de outrem e uma actividade por conta própria em dois ou mais Estados-membros.
IV. Destacamento de trabalhadores
O trabalhador destacado continua sujeita à legislação do Estado de origem, desde que:
- A duração do destacamento não seja superior a 24 meses; e
- O trabalhador não seja enviado para substituir outro trabalhador destacado.
V. Prestações de desemprego
A instituição competente de um Estado cuja legislação faça depender a aquisição, a conservação, a recuperação ou a duração do direito às prestações do cumprimento de períodos de seguro, de emprego ou de actividade por conta própria, tem em conta, na medida em que tal seja necessário, os períodos de seguro, de emprego ou de actividade por conta própria cumpridos ao abrigo da legislação de qualquer outro Estado, como se tivessem sido cumpridos ao abrigo da legislação por ela aplicada.
Com efeito, a aplicação desta regra fica subordinada à condição de o interessado ter cumprido em último lugar, em conformidade com a legislação ao abrigo da qual são requeridas as prestações:
a) Períodos de seguro, se tal legislação exigir períodos de seguro;
b) Períodos de emprego, se tal legislação exigir períodos de emprego; ou
c) Períodos de actividade por conta própria, se tal legislação exigir períodos de actividade por conta própria.
Sempre que a legislação aplicável faça depender o direito às prestações do cumprimento de períodos de seguro, os períodos de emprego ou de actividade por conta própria cumpridos ao abrigo da legislação de outro Estado só são tomados em conta se forem também considerados períodos de seguro cumpridos ao abrigo da legislação aplicável.