Como cocriar novas formas de trabalhar?

Constitui uma mais-valia fundamental sermos capazes de olhar uns para os outros, ouvir activamente as diferentes perspectivas e perceber que as diferenças culturais não excluem, antes abrem novas oportunidades de conhecimento.

Por Susana Damasceno, fundadora,  presidente  e directora executiva da AIDGlobal

 

“A maior habilidade de um líder é desenvolver capacidades extraordinárias em pessoas comuns.” A frase é de Abraham Lincoln. E enquanto presidente de uma Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), cuja missão é “Agir, Integrar e Desenvolver pela Educação”, temos tido o privilégio de colaborar com jovens oriundos praticamente de todos os cantos do mundo. Podemos, mesmo, afirmar que lideramos uma organização global.

É pela interacção com este leque de colaboradores juniores  – americanos, chineses, dinamarqueses, espanhóis, finlandeses, italianos, nepaleses, paraguaios, entre tantos outros de outras nacionalidades — que, há 14 anos, temos vindo a crescer. Poder-se-á questionar como é possível trabalhar temas de Cidadania e Desenvolvimento com seres tão diversos e com backgrounds e contextos linguísticos tão variados. Por vezes, a língua de trabalho que impera é o inglês, mas o que realmente importa é que aqueles que nos procuram não veem na língua uma barreira. Pelo contrário, a maior parte investe na aprendizagem do português e muitos deles praticam-no afincadamente.

O privilégio de termos, conjuntamente com a equipa portuguesa, jovens tão diferentes, tem-nos permitido usufruir de um olhar global e de novas formas de pensar o mundo. Começámos, desde cedo, a compreender as vantagens de acolher gente mais nova de diferentes nacionalidades, valorizando o intercâmbio com a equipa nacional, ouvindo-os a todos, beneficiando da sua juventude, da sua capacidade de ousar e, acima de tudo,  usufruindo das suas competências, capacidades e métodos de trabalho inovadores.

Esta forma de gestão participativa insere-se no conceito de “cocriação”, uma estratégia de administração dinâmica e inovadora que ganhou popularidade quando, em 2004, foi lançado o best-seller “O Futuro da Competição” da autoria de  C. K. Prahalad e Venkat Ramaswamy. Um bom exemplo desta prática é a Wikipédia. Na realidade, todos podemos cocriar, contribuindo com conteúdos, ideias, propostas de (re)formulação, críticas,  visando  o enriquecimento de qualquer instituição.

É indiscutível que tanto em relação a organizações cuja natureza não seja lucrativa, como também em empresas cujo ganho medeia grande parte da sua actuação, há sempre a expectativa de que os seus colaboradores sejam capazes de contribuir para a sua optimização e afirmação. No entanto, será que esta premissa assenta verdadeiramente num processo de cocriação?

Olhemos para a nossa realidade e questionemo-nos se, de facto, os locais em que investimos o nosso tempo e as nossas competências e capacidades são espaços nos quais podemos colaborar de uma forma democrática, inclusiva, comprometida e aberta à mudança.

A AIDGlobal é  uma organização cujo “core business” está focado na  melhoria da vida dos beneficiários dos nossos projectos e iniciativas, tendo em vista a promoção de uma Educação de Qualidade, cumprindo com o 4.º Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Trabalhamos não só em Portugal,  em escolas com crianças, jovens e professores, em prol de uma participação cívica consciente e activa, como também em Moçambique,  incentivando o acesso ao livro, através da criação de bibliotecas escolares e atividades de animação da leitura minimizando os níveis de iliteracia desse país.

Acreditamos que estamos a cocriar uma mudança no mundo, através da Educação.  E essa mudança acontece, também, porque, na AIDGlobal, valorizamos cada colaborador, seja ele júnior ou sénior, assalariado, estagiário ou voluntário. Reconhecemos que, quando alguém inicia uma colaboração, traz consigo a vontade de mudar, de inovar, de concretizar.

As organizações são microssociedades nas quais interagimos e, cada vez mais, nos empenhamos, por vezes, até à exaustão. Constitui uma mais-valia fundamental o sermos capazes de olhar uns para os outros, ouvir activamente as diferentes perspectivas, valorizar a bagagem que cada um traz consigo, aceitar que as diferenças culturais não excluem, bem pelo contrário, abrem novas oportunidades de conhecimento. Importa ter a abertura para entender que inovar também pode ser  parar, refletir e recomeçar. Por vezes,  o nada fazer  é uma forma de poder fazer melhor,  na crença de que todos somos capazes de cocriar no nosso espaço de trabalho, procurando/ devendo acompanhar, de uma forma mais humanizante, todas as exigências do mercado laboral que, neste mundo global e veloz, tem esquecido que cada indivíduo é fundamental para o  puzzle de sucesso da sua organização.

São cada vez mais as pessoas que nos procuram porque, tal como os jovens dos quatro cantos do mundo, querem que o seu trabalho e as suas competências e capacidades sejam investidas em fazer algo que tenha sentido, cocriando, querendo participar na mudança que é percepcionada como urgente e nunca tendo como propósito apenas o lucro.

As organizações e as empresas têm, na Agenda 2030, uma oportunidade para reverem  a sua actuação, dando um novo sentido ao seu trabalho, sem perderem o foco da rentabilidade, contribuindo, sim,  para o cumprimento dos 17 ODS e, com os seus colaboradores, pensarem em delinear novas formas de actuação focadas em encontrar soluções para desafios globais tão complexos, e que a todos nós dizem respeito, quer enquanto chefias, coadjuvantes  ou, simplesmente, cidadãos.

Todos, em conjunto, somos chamados a actuar, todos juntos podemos e devemos cocriar novas formas de trabalhar.

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