Conceição Zagalo, GRACE: «A sustentabilidade e o cumprimento dos ODS não serão passíveis de alcançar se não cuidarmos das pessoas»

Até aqui, as empresas tinham noção clara da importância do E (environment) e do G (governance), dos tão falados critérios ESG. É chegada a hora de concentrar a sua atenção no S (social). E esse será o grande desafio dos anos vindouros.

 

Por Conceição Zagalo, presidente do Conselho Consultivo do GRACE – Empresas Responsáveis

 

Quando, há três décadas, me encetei na defesa deste tema enquanto prática empresarial benéfica para gestores, colaboradores e comunidade, nem eu imaginava a evolução que tudo viria a ter. Se o tema não era propriamente novidade nas multinacionais, em Portugal contavam-se pelos dedos os que realmente entendiam o conceito e a importância da Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Daí a criação do GRACE, então Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial, no ano 2000, que juntava meia dúzia de empresas, na sua maioria de base estrangeira, e em cujo nascimento tive o ensejo de participar.

Se os primeiros foram tempos para partir pedra e para promover debate sobre práticas e conceitos, não apenas a nível nacional, mas também ao que de outros países e de outros continentes se podia importar, logo se deram passos firmes no caminho da sensibilização e da conquista no espaço do conhecimento sobre o assunto, mas, muito revelador, sobre todo o potencial de benefícios que poderia trazer para as empresas que o adoptassem.

O caminho foi desafiante. Aliás, o caminho foi mesmo fascinante e a primeira década, ainda que sob uma óptica muito assistencialista, assumiu enorme relevância na construção das bases sólidas da RSC. As iniciativas de voluntariado corporativo proliferaram e, tanto as empresas como entidades da Economia Social, além de ficarem a conhecer-se, aprenderam que lhes cabia trabalhar juntas com um objectivo muito claro em comum: fazer o bem.

A década seguinte provar-se-ia prolífera e de consolidação. As empresas interiorizaram o seu papel enquanto membros da comunidade e começaram a valorizar a “magia” do poder colaborativo, não apenas entre elas, mas também com a Economia Social e as entidades públicas. E, mesmo num país de tecido empresarial muito marcado por empresas de pequeno e médio porte, os resultados foram-se somando e, sobretudo, tornando cada vez mais evidentes e consequentes. De resto, o Diploma de Mérito da Assembleia da República que, na qualidade de Presidente do GRACE, tive o prazer de receber em 2011, constituiu ele próprio um sinal de que não era apenas o tecido empresarial que tinha estes temas debaixo de olho.

O GRACE foi mais além e envolveu as empresas associadas, que pelo caminho se foram multiplicando a ponto de duplicarem em número, nos temas da integração de imigrantes, nas questões ambientais, na partilha de boas práticas ou no desenvolvimento de ferramentas úteis e práticas para que pudessem implementar programas de RSC e envolver-se em projectos sociais.

Arregaçámos as mangas e assinámos protocolos com congéneres europeus e internacionais. Chamámos as famílias dos colaboradores para iniciativas de voluntariado. Aprofundámos o tema da RSC nos vários sectores da economia. Tocámos o Turismo, os Transportes, as PME, a Banca e Seguradoras, as Sociedades de Advogados. Trabalhámos o tema das acessibilidades, organizámos a “Lisboa, Capital Europeia do Voluntariado” e começámos a trabalhar com as instituições de ensino superior numa metamorfose a todos os títulos memorável. Vivemos a década dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, do Acordo de Paris, da Agenda 2030 e dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

Foi uma dezena de anos extraordinários, de muito trabalho, de grandes desafios e de enorme crescimento, não só da Associação, mas principalmente dos nossos associados, que atingiram a maioridade e nos deixaram orgulhosos por todos os feitos alcançados.

Mas, sabe quem me conhece, o quanto defendo que a missão nunca chega ao fim e que, quanto mais se faz, mais oportunidades se conseguem encontrar no espaço dominado pelo tanto mais que há por fazer. Confesso que também as instituições internacionais e europeias deram aqui um bom empurrão. Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em 2015, e a definição de legislação europeia e nacional relacionadas com sustentabilidade, vieram colocar definitivamente estes temas nas agendas corporativas.

Quando olhei em redor, como que numa retrospectiva de uma viagem tão revigorante quanto recompensadora, verifiquei que a RSC se tornou intrínseca e que a palavra de ordem era agora sustentabilidade. E que, claro, muito mais havia ainda por fazer.

Com o alerta de “emergência climática” que ecoava de todos os lados, foi necessário abordar temas como a neutralidade carbónica, a tão necessária redução de emissões de gases de estufa e o consumo de plásticos de uso único. Também sensibilizámos para temas da igualdade e inclusão e nos deixámos orgulhar pelo meio com o lançamento da Carta Portuguesa para a Diversidade, da empregabilidade de pessoas com deficiência e para a importância de cuidar dos colaboradores, tanto a nível de conhecimento como de competências humanas, profissionais e digitais, da conciliação ou das preocupações em matéria de saúde mental.

No final da década passada, desafiámos os associados a trabalhar uns com os outros em clusters sectoriais, regionais e temáticos. E não é que todos reagiram favoravelmente à chamada e que os frutos se tornaram crescentemente evidentes?

Tudo parecia correr de vento em popa e preparávamo-nos para assumir a “Década da Acção” com convicção e firmeza… até que veio a COVID-19. A situação pandémica, que representou um duro golpe para todos sem excepção, obrigou a uma restruturação a todos os níveis. As prioridades foram ajustadas e, consequentemente, as estratégias também.

Optimista que sou por natureza, só podia ver uma nova oportunidade nesta “catástrofe” que ainda atravessamos. E, aí está, houve que recentrar o foco nas pessoas. Até porque, se pensarmos bem, lá no fundo, as pessoas são o fulcro de tudo, seja qual for a circunstância nas empresas, nas comunidades, na sociedade.

Até aqui as empresas tinham noção clara da importância do E (environment) e do G (governance), dos tão falados critérios ESG. É chegada a hora de concentrar a sua atenção no S (social). E esse será o grande desafio dos anos vindouros. A sustentabilidade e o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável não serão passíveis de alcançar se não cuidarmos das pessoas. Agora, mais do que nunca, as empresas têm um papel fundamental a desempenhar com os seus ditos Recursos Humanos – a saúde e bem-estar dos colaboradores, o upskilling e o reskilling serão condutores de sucesso para todas as organizações.

O GRACE – Empresas Responsáveis cá estará para continuar a apoiá-las e a guiá-las nesta caminhada de tão desafiante horizonte. Com uns anos de vida e de caminhada por estes terrenos, atrevo-me a terminar com um conselho, ou melhor, com um aviso à navegação: quem teimar em não integrar estas preocupações no seu dia-a-dia e na estratégia das organizações em que se move, vai perder seguramente o barco da competitividade e a licença para operar.

Relembrando Richard Branson, “Take care of your employees and they will take care of your business. It’s as simple as that.” E, sem medos, que venham as próximas décadas!

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