Consulting House. Bem-estar: Pessoal e intransmissível

Poderá o conceito de bem-estar nas empresas estar relacionado com actividades genéricas no local de trabalho, ou deverá, antes, ser algo pessoal e adaptado às necessidades de cada indivíduo?

 

Por: Ricardo J. Vargas, CEO da Consulting House

 

Numa manhã agitada, a Maria sentou-se na sua secretária e contemplou o escritório repleto de mesas, cadeiras ergonómicas e um canto dedicado às actividades de bem-estar. A empresa onde trabalha investiu em iniciativas para que as pessoas se sintam bem a vir ao escritório, desde sessões de yoga em grupo até um espaço com matraquilhos e piscina de bolas. No entanto, enquanto observava os colegas a participar animadamente nessas actividades, a Maria sentia-se desconectada. Sabe que o bem-estar é importante, mas questiona se as soluções genéricas são realmente eficazes para todos. Para ela, não são. Pergunta-se: será que o bem-estar não é algo pessoal e adaptado às necessidades de cada indivíduo?

Dizem que uma empresa é tão saudável quanto os seus colaboradores. Mas e se, tal como a Maria, olhássemos para além das piscinas de bolas e aulas de yoga em grupo? E se priorizássemos a singularidade de cada indivíduo em busca de um bem-estar genuíno?

 

O que é o bem-estar nas empresas?
Sentir que temos um propósito, que somos valorizados, que temos autonomia e que podemos crescer é algo que todos procuramos, mas que nem sempre encontramos.

O bem-estar, ao longo dos anos, evoluiu de preocupação com a saúde física para uma visão mais abrangente, que inclui aspectos emocionais, sociais e profissionais. Hoje, o bem-estar é entendido como um estado de equilíbrio entre corpo e mente, onde os indivíduos se sentem realizados e satisfeitos em diferentes áreas das suas vidas.

Nas empresas, esse bem-estar tem vindo a ganhar cada vez mais relevância, à medida que se reconhece o seu impacto na produtividade, na criatividade, na motivação e na retenção dos colaboradores. As empresas querem ter equipas felizes e saudáveis, que se sintam realizadas e que contribuam para os resultados. Mas como consegui-lo?

O conceito de “bem-estar” nas organizações refere-se à promoção do bem-estar integral dos colaboradores, abrangendo a saúde física e as dimensões emocionais, sociais e psicológicas. Engloba iniciativas que visam melhorar a qualidade de vida dos funcionários e criar um ambiente de trabalho saudável e produtivo. O bem-estar no local de trabalho reflecte-se num ambiente estimulante, que contribui para o aumento da satisfação dos colaboradores e, por consequência, para a melhoria do desempenho e produtividade.

Muitas empresas ainda adoptam uma abordagem genérica em relação ao bem- -estar dos seus colaboradores. Proporcionam actividades a la carte que podem ser benéficas para alguns, mas não necessariamente para todos. Com uma abordagem padronizada, as empresas correm o risco de desperdiçar recursos valiosos em iniciativas que não atendem às necessidades individuais. Além disso, ao focar sobretudo actividades colectivas, podem criar um ambiente de exclusão para aqueles que não se sentem confortáveis ou não beneficiam delas. O impacto das acções propostas depende da forma como cada colaborador as integra, ou seja, das suas atitudes, competências, nível de conhecimento e educação sobre o seu próprio bem-estar. O que me faz feliz pode não te fazer feliz a ti, e vice-versa.

 

O bem-estar é pessoal e intransmissível
Perante a oferta de soluções de bem-estar é possível que o colaborador A esteja muito satisfeito e o B pouco. E isso dependerá de factores intrínsecos a cada um. Sabemos que as pessoas variam em função da capacidade de influência que atribuem sobre a própria vida. Há pessoas que acreditam que o que lhes acontece resulta do seu próprio comportamento e recursos – possuem um locus de controlo interno. Outras acreditam que o seu sucesso, felicidade, bem-estar, estão fora do seu controlo, são fruto do destino ou das circunstâncias – possuem um locus de controlo externo. Acontece que indivíduos com um nível de controlo equilibrado entre o locus de controlo interno e o externo, apresentam maiores níveis de saúde e bem-estar (e.g., April, Dharani & Peters, 2012). Ou seja, sem agir sobre as características individuais que determinam o bem-estar, corremos o risco de desperdiçar recursos.

 

Uma abordagem inclusiva ao bem-estar
Se o bem-estar é pessoal e depende das necessidades, dos valores, das preferências e das expectativas de cada um, então a intersecção entre a estratégia da empresa e o que cada indivíduo necessita e está disposto a organizar-se para obter deve ser o centro da abordagem ao bem-estar. Na construção do bem-estar organizacional devemos, então, integrar um conjunto de dimensões críticas numa abordagem coerente:

Estratégia: A definição de uma estratégia para o bem-estar organizacional deve ser o ponto de partida. O que pretende a empresa? Como é que o bem-estar encaixa com a estratégia de negócio? Que escolhas devem ser feitas? Que indicadores devem ser medidos? Qual o grau de centralização que queremos ter na nossa abordagem? Há muitas opções, e copiar os modelos de outras empresas, que actuam em sectores diferentes, com processos de trabalho diferentes, não é uma receita para o sucesso. As “melhores práticas” não são automaticamente transferíveis entre contextos.

Análise: Uma sólida análise organizacional, que identifique oportunidades de melhoria no ambiente de trabalho e de alinhamento da cultura empresarial para a promoção de bem-estar, deve ser feita para conhecermos a situação actual da empresa. Se as condições físicas de trabalho são hostis, se o conforto mínimo não está garantido, se a ergonomia é desprezada, não faz sentido abordar dimensões psicológicas sem resolver essas primeiro. Se a organização do trabalho mastiga a satisfação de necessidades básicas, não vale a pena investir em momentos de meditação.

Liderança: A educação das chefias para um exercício de liderança sustentável é outra dimensão importante. A maioria das pessoas entra na empresa por causa da marca, e sai por causa do chefe. A maioria das empresas sabe isto. A maioria das chefias já ouviu isto. Mas poucas consequências se extraem disto para o desenvolvimento de chefias. A relação entre chefia e colaborador é o factor mais importante na promoção ou declínio de bem-estar organizacional. Qual o grau de consciência das chefias acerca disto? Qual o seu grau de competências para lidar com isto? Qual o seu próprio grau de bem-estar? Já encontrámos empresas em que as chefias se sentem ensanduichadas entre colaboradores que exigem bem-estar e CEOs que exigem resultados. Não se sentem bem, mas espera-se que proporcionem bem-estar às suas equipas, mantendo-se focadas em resultados. Sem uma visão integradora de produtividade e bem-estar, e sem as competências adequadas para aumentar a eficiência e bem-estar simultaneamente, este paradoxo é impossível de resolver. Por vezes, a disponibilização de acções de bem-estar avulsas esconde culturas tóxicas de liderança.

Educação: A educação dos colaboradores para o bem-estar. Esta dimensão deve constar, mesmo que haja uma gestão centralizada das iniciativas. Porque sem a educação adequada, as suas pessoas não conseguirão tirar o melhor proveito das iniciativas oferecidas pela empresa. A educação inclui um mix de informação, ganho de competências e aquisição de atitudes adequadas, que permitirá melhores escolhas. O bem-estar é o resultado de escolhas individuais. Melhores escolhas produzem mais bem-estar.

Mapa: Criação de um mapa de iniciativas de bem-estar a formatar pelos colaboradores nos seus percursos de vida individuais. As iniciativas de promoção de bem-estar devem ser coerentes com a estratégia e permitir melhor executá-la. Devem ter um sentido de crescimento pessoal, incluir gamificação, avaliação, progressão e permitir satisfazer necessidades diferentes. Um mapa claro e entendido, com critérios e possibilidades de escolha, é um benefício visível que faz muito pelo bem-estar e pela employee experience.

Método: Disponibilização de processos, ferramentas e metodologias para atingir resultados. Coaching, ferramentas de geração de consciência, avaliação individual de bem-estar e ferramentas de diagnóstico são elementos essenciais para a tomada de boas decisões e acções.

 

E a Maria?
Voltando à Maria, a sua história faz-nos reflectir sobre a importância de questionar a abordagem tradicional do bem-estar nas empresas. Enquanto observava os colegas a participar nas actividades de bem-estar padronizadas, a Maria sentia-se desligada, percebendo que as suas necessidades individuais não estavam a ser atendidas.

A chave para uma cultura de bem-estar é reconhecer que cada pessoa é única e possui diferentes necessidades e aspirações. Cada colaborador deve poder desenvolver as suas competências, os seus talentos, a sua autoconfiança e a sua resiliência, e sentir-se mais satisfeito e realizado no seu trabalho. Esta abordagem tem em consideração a diversidade de personalidades, preferências e aspirações, criando um ambiente no qual o bem-estar seja uma jornada personalizada e significativa para cada indivíduo.

Só uma abordagem individualizada ao bem-estar promove uma cultura de inclusão, respeitando as diferenças e permitindo que cada pessoa se sinta valorizada e reconhecida na sua singularidade.

 

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Well-Being” na edição de Agosto (n.º 152) da Human Resources, nas bancas.

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