Consulting House. Inteligência artificial: Disrupção ou melhor do mesmo?

Ouvimos frases como: “Os dados são o novo petróleo”, “A Inteligência Artificial é a nova energia nuclear”, “A Inteligência Artificial será mais revolucionária do que a electricidade”. E visualizamos um mundo cheio de possibilidades ao nosso alcance.

Mas para o sucesso da transformação na empresa precisamos de uma liderança de topo que tome decisões baseadas em dados, empoderadora, inclusiva e responsável. E quando aconselho equipas executivas vejo com a Inteligência Artificial (IA) as mesmas respostas irracionais de todos os projectos de transformação nos últimos 25 anos: mentalidade de silos, pensamento de grupo, lutas de poder, politiquice organizacional, falta de accountability, sistemas de valores conflituantes.

Muitos leitores pensarão: «Isso não se aplica à minha empresa, à minha equipa executiva». Um estudo publicado na Harvard Business Review, em 2019, reportou que a maior surpresa para CEO recentemente nomeados foi perceberem quão pouco tempo dedicavam ao desenvolvimento do negócio e da estratégia e quanto tempo perdiam a gerir conflitos, pessoas e informações por não terem uma equipa executiva funcional.

Descobriram, para sua surpresa, que tinham um grupo de indivíduos onde esperavam ter uma equipa. E se acha que isto apenas se aplica a CEO inexperientes, um estudo de 2008 mostra que os CEO sobrestimam a eficácia das suas equipas em comparação com a avaliação feita pelos colaboradores.

 

Sensemaking é o novo poder
A maioria das pessoas hoje em cargos de gestão são baby boomers e geração X, mas até aos próprios millenials foi vendida a ideia de que conhecimento é poder. O problema é que, desde a invenção da internet, o conhecimento tornou-se uma matéria-prima. Ou seja, o que importa já não é o conhecimento, mas saber como usá-lo para dar valor aos nossos clientes e negócios. Hoje, é o know-how que é poder e não o conhecimento.

Com o surgimento da IA, começamos a ver algo diferente. Tanto o conhecimento como o know-how já não são diferenciadores. Ideias de sucesso sobre modelos de negócio, conhecimento e know-how são partilhadas gratuitamente ou a baixo custo com qualquer pessoa.

A capacidade da IA para reunir e processar dados é tão vasta que abre possibilidades de transformação que vão obliterar o conhecimento e o know-how actuais. O que faz a diferença de hoje em diante é a capacidade de entender a transformação que está a acontecer antes que a concorrência o faça. O sensemaking é o novo poder. Com a IA, novos serviços e categorias serão criados para “disruptar” o mercado. Ou nós o fazemos ou faz a concorrência. E isto depende dessa capacidade colaborativa de dar um sentido estratégico (sensemaking) a dados que podem ter muitos padrões alternativos, contraditórios ou paralelos.

 

A IA não é uma solução técnica
A vantagem competitiva da IA não é técnica. A tecnologia está disponível para qualquer empresa com recursos. Os seus concorrentes terão acesso ao mesmo nível de tecnologia. Mas a capacidade da sua equipa de liderança para entender o que está a acontecer, o que pode vir a acontecer, e desenhar uma estratégia vencedora, é algo que lhe é exclusivo.

Consegue imaginar a IA aplicada ao seu negócio como uma solução 100% técnica? Pense no reconhecimento facial, por exemplo. Consegue imaginar esta ferramenta aplicada aos seus serviços ou produtos como um projecto 100% técnico? Aposto que também vê as implicações legais, éticas, sociais e políticas. A IA afectará todas as dimensões do seu negócio; portanto, precisa de considerá-las antecipadamente e desenhar e executar uma estratégia com base nessa interpretação do contexto.

Para conduzir a transformação de negócio com base na IA, precisamos de uma equipa executiva eficaz que colabore para a fazer acontecer. Um dos maiores erros que podemos cometer com a IA é considerá-la como mais um projecto de TI. Não se trata de tecnologia. Trata-se de transformar o seu modelo de negócio, processos, estratégia e mentalidade, usando as potencialidades da IA.

Os projectos de TI tendem a ter um nível de sucesso moderado. Entre 50 e 80%, dependendo da organização internacional que o relata. E os motivos comuns são a falta de patrocínio, a falta de alinhamento na liderança e uma cultura da empresa inadequada. Se tratarmos a IA como um projecto de TI, vai sofrer os mesmos problemas.

 

A IA é um trabalho para a equipa executiva
Quando digo que a IA é um trabalho para a equipa executiva, não se trata de patrocínio; a equipa executiva deve conduzir a transformação da IA. O problema é que as equipas executivas tendem a ser a pior equipa da empresa, exactamente onde precisamos de ter a melhor.

Diz-se que algum tempo antes de 1989, um oficial soviético, numa visita a Londres, ficou surpreso com a eficiência da distribuição de pão. Querendo aproveitar a oportunidade para melhorar a distribuição de pão em Moscovo, perguntou ao economista que lhe estava a mostrar a cidade: «Quem é o responsável pelo fornecimento de pão em Londres?» O economista pensou nas diferentes implicações da questão e depois disse «Ninguém!».

Um modelo mental é uma representação da realidade. Nunca pode ser idêntico à realidade porque é influenciado pelo nosso conhecimento, pressupostos e experiências anteriores. Se tiver um modelo mental de que o fornecimento de pão de uma cidade é um sistema complexo e centralizado controlado por uma pessoa, isso determinará o seu modelo de negócio, a sua estratégia, a sua organização, os seus processos de negócios, o seu estilo de liderança, etc.

Não podemos transformar modelos e processos de negócio com a IA sem primeiro transformar os nossos modelos mentais de como o mercado opera e de como as empresas de sucesso desenvolvem negócios.

 

Quatro ferramentas para a trasnformação
A transformação depende de a equipa executiva dominar quatro ferramentas: modelos mentais, pensamento crítico, sensemaking e confiança.

Os modelos mentais são indispensáveis para melhor compreender o panorama empresarial e as suas relações com as nossas acções. O pensamento crítico, para abordar as falhas no nosso processo de pensamento e chegar a melhores decisões. O sensemaking, para lidar produtivamente com a incerteza. E a confiança, para “fazer acontecer” a transformação em toda a empresa.

Estas ferramentas não são truques que seguimos como uma receita. Uma estratégia vencedora é o resultado de um processo de pensamento. Torne-o enviesado, acrítico e incapaz de dar sentido à incerteza e terá más decisões que destruirão a sua empresa.

 

Resolver os problemas de confiança com a IA
Sabemos isto pela ciência: não há dados puros, isentos de interpretação. A ciência faz perguntas muito restritas em foco e contexto. Cada pergunta é feita separadamente numa experiência, o que limita a sua interpretação fora desse contexto e generalização a outros.

Se agrupar respostas científicas a quaisquer perguntas sem pensamento crítico, pensamento sistémico e consciência dos seus modelos mentais, o sentido que faz das informações que eles fornecem será muito diferente de acordo com os seus preconceitos individuais, assim como as suas decisões. Com a estratégia passa-se o mesmo. Como os dados existentes não são “puros”, os insights baseados neles podem ser enviesados.

Tem havido uma preocupação crescente com os preconceitos de género, etnia ou status social de algoritmos existentes no mercado. Tal como acontece com a ciência, temos de ser rigorosos: O que está no conjunto de dados? Quais as perguntas que estão a ser feitas? Quais os critérios de selecção da informação? Como entender essa informação? Qual a melhor forma de decidir sobre isso?

Dados enviesados criam um problema de confiança. O actual défice de confiança na IA é duplo: confiança no algoritmo e confiança na ética da empresa que o utiliza. Resolver este défice é uma tarefa para o c-level. O que vários estudos mostram é que os executivos tendem a não confiar uns nos outros dentro da equipa executiva. E se a confiança não existe na equipa executiva, como poderá ela gerar confiança dentro da empresa e no mercado?

Criar confiança na IA é um trabalho para a inteligência natural. Mas temos prejudicado a inteligência natural no c- -level porque pensamos linearmente, temos preconceitos inconscientes, falhamos no pensamento de grupo, usamos critérios irracionais para tomar decisões.

Esperamos que a IA corrija as falhas no nosso processo de pensamento para gerar novos modelos de negócio quando, na verdade, precisamos de corrigir as falhas no nosso processo de pensamento para gerar novos modelos de negócio com a IA. Este é o paradoxo. Precisamos de ir além do business as usual, alimentado pela IA.

Utilizar a IA para ter melhor do mesmo não chega. Precisamos que a IA sirva para inovar o modelo de negócio actual e nos ajude a encontrar novos. Mas temos que lhe colocar as questões certas e ser capazes de interpretar os resultados. Se a sua empresa deseja ter um futuro, este deve ser criado pela equipa executiva, alimentando a IA, e não o contrário.

 

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Gestão de Mudança” na edição de Outubro (n.º 130) da Human Resources nas bancas.

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