Consulting House: Liderança inclusiva
É fácil classificar as pessoas. Olhas para mim e identificas a minha etnia, nacionalidade, género, altura, peso, idade, capacidade física e estado emocional. Conversamos alguns minutos e crias uma impressão sobre a minha ocupação, orientação sexual, religião, nacionalidade, estado civil, inteligência, simpatia, entre outras características.
Por Ricardo J. Vargas, CEO da Consulting House
As possibilidades são infinitas. Recorres a coisas como o meu sotaque como indicador de QI, a expressão facial como indicador de estado emocional. O teu cérebro processa muita informação em milissegundos para classificar-me.
Não nos relacionamos uns com os outros
Algumas das tuas suposições estarão quase correctas (o meu peso, altura e idade), mas a maioria estará completamente errada. No entanto, criarás uma imagem de mim poucos minutos após o nosso primeiro encontro, e a partir daí não voltas a relacionar-te comigo. A relação será entre a persona que criaste para mim e a persona que tu achas que és.
Todos nós fazemos isto no dia-a-dia: criamos representações mentais dos outros para interagir com as representações mentais de nós mesmos. Nenhuma delas é 100% precisa, e geralmente seguimos em frente ignorando este fenómeno. Porque escolhemos as pessoas com quem nos relacionamos na vida privada de acordo com os nossos preconceitos, não criamos as circunstâncias para confrontá-los e perceber o quanto somos preconceituosos. No trabalho, não temos liberdade para escolher pessoas, e as coisas tendem a correr mal.
Quando as coisas correm mal
Num mundo globalizado, as empresas precisam de diversidade para ter as competências necessárias para alcançar objectivos. À medida que a diversidade aumenta, preconceitos que antes passavam despercebidos, porque as equipas eram homogéneas, tornam-se evidentes. É quando há oito homens e uma mulher na equipa, ou cinco experientes e um novato, que o preconceito se mostra e os problemas ocorrem. Vamos utilizar o preconceito de género como exemplo dos problemas mais comuns nas empresas:
- Subutilização de competências: Devido ao preconceito de género, alguns membros da equipa são negligenciados e as suas habilidades e conhecimentos são subvalorizados. As suas ideias e sugestões são ignoradas ou até mesmo rejeitadas, resultando numa subtilização dos seus contributos. Tal prejudica a qualidade geral dos resultados da equipa e da empresa.
- Falta de confiança e segurança psicológica: O preconceito de género cria um ambiente onde alguns membros da equipa se sentem segregados ou excluídos. As pessoas deste grupo-alvo, hesitam em expor-se por receio de que as suas ideias não sejam levadas a sério ou que possam enfrentar repercussões negativas. Esta ausência de segurança psicológica diminui a confiança dentro da equipa e impede que exista uma comunicação aberta e colaborativa.
- Redução da criatividade e da inovação: A colaboração aumenta quando perspectivas diferentes são bem recebidas e valorizadas. O preconceito de género sufoca a criatividade e a inovação dentro da equipa ao limitar o leque de ideias e soluções consideradas. Alguns membros da equipa hesitam em compartilhar os seus insights ou em propor abordagens alternativas, o que dificulta soluções eficazes e criativas.
- Tensão psicológica e conflitos: O preconceito de género pode gerar tensões e conflitos na equipa. Os membros da equipa que têm preconceitos podem adoptar comportamentos condescendentes ou de desprezo em relação a colegas, resultando num ambiente de trabalho hostil. Isso destrói o espírito de colaboração, o trabalho em equipa e os níveis de motivação.
- Redução da satisfação no trabalho e dos níveis de engagement: O preconceito de género impacta negativamente a satisfação no trabalho e os níveis de engagement da equipa, particularmente nos membros da equipa sub-representados. Os mesmos podem sentir-se desvalorizados e discriminados, o que pode resultar no declínio do seu comprometimento com o projecto e com a empresa.
- Resultados de negócio insatisfatórios: a combinação dos problemas mencionados acima (e de outros não mencionados) afecta a produtividade, a inovação, a qualidade e a cultura de uma empresa. Não conseguimos o melhor resultado de uma equipa quando não incluímos os seus elementos. A investigação realizada ao longo dos últimos 30 anos comprova que o aumento da diversidade nas organizações impacta os resultados de negócio quando essa diversidade é incluída.
Agora, substitui o género por qualquer outra característica humana, demográfica, física ou psicológica, e encontrarás motivos para excluir qualquer pessoa da empresa, se quiseres ou permitires que isso aconteça. Mesmo que não queiras, não deves permitir que isso aconteça. A inclusão deliberada é o objectivo da liderança.
A liderança inclusiva: Como e porquê?
Enquanto Psicólogo Social, que estudou os mecanismos psicológicos do preconceito, e autor internacional de livros sobre liderança, sou chamado a desenhar programas de liderança inclusiva e maximizar o impacto nos resultados das empresas. Existem duas grandes dificuldades na liderança inclusiva: porquê e como desenvolvê-la.
O porquê deve ser abordado em primeiro lugar. É necessário que as pessoas entendam (1) o impacto negativo de alienar parte do seu talento e (2) quais os resultados positivos mensuráveis de incluir o maior número possível de perspectivas e competências, para que possam convencer-se da importância da inclusão. Compreender como alguns dos problemas que listei se manifestam na tua empresa já é um passo na direcção certa.
O como, geralmente enfrenta um obstáculo inesperado: a falta de autoconsciência que os líderes têm acerca dos seus próprios vieses. Um viés cognitivo é um filtro na percepção acerca de algo ou de alguém. Vemos a realidade através destes vieses. Não vemos a realidade e depois aplicamos os vieses. Quando a forma como vemos o mundo é preconceituosa, não questionamos como vemos o mundo, porque o mundo é “objectivamente” assim.
O preconceito, o estereótipo e a formação de impressões são vieses cognitivos automáticos. O nosso cérebro precisa deles para trabalhar com eficiência. Não podemos “desligá-los” dizendo: “Não tenho preconceitos” ou “Deixa de ter preconceitos”. Primeiro, devemos entender porquê, como, quando, sobre quem e sobre o quê temos preconceitos. A partir daí podemos começar a mitigar os seus efeitos.
O caminho para a inclusão nas empresas começa com a autoconsciência, mas isso requer um elevado nível de segurança psicológica. Um líder deve acreditar que será melhor como ser humano e como líder, para arriscar abandonar as suas suposições enraizadas de como o mundo é e de como deveria ser. E precisa de acreditar que as pessoas à sua volta o apoiarão nesse processo.
O meu trabalho é facilitar a criação de comunidades de desenvolvimento onde nós, na empresa, estamos todos na mesma equipa. A inclusão não funciona quando replica a mentalidade de “nós contra eles”, apenas mudando o sinal. A inclusão da diversidade exige uma abordagem baseada na humanidade de todos. Somente quando apelamos para a dimensão humana, com as suas falhas e pontos fortes, podemos garantir que todos participam 100% no projecto. Talvez nem todos consigam fazê-lo, mas a todos deve ser dada uma oportunidade justa para participar e poder ter sucesso.
O que é a liderança inclusiva
Uma vez resolvidos o porquê e o como de uma liderança inclusiva, o quê torna-se num caminho emocionante de autodesenvolvimento com o objectivo de apoiar cada gestor a tornar-se um líder inclusivo. Um líder inclusivo é alguém que: (1) Possui uma mente aberta e ouve activamente os outros para considerar os seus pontos de vista e as suas experiências, e utiliza esse conhecimento para criar um ambiente de inclusão. (2) É empático e compreensivo com os desafios e experiências de indivíduos de diferentes características. (3) Valoriza e aprecia a diversidade em todas as suas formas e procura activamente talentos diversificados pelo seu valor intrínseco. (4) Cria uma cultura inclusiva onde todos se sintam seguros, respeitados e encorajados a contribuir, desafiando proactivamente preconceitos, estereótipos e práticas discriminatórias dentro da organização. (5) Promove a colaboração e a partilha de opiniões de todos os membros da equipa, garantindo que todas as perspectivas são consideradas no processo de tomada de decisão. (6) Capacita os indivíduos a assumirem a responsabilidade pelo seu trabalho e oferece oportunidades de crescimento e de desenvolvimento. (7) É responsável e transparente nos seus critérios de tomada de decisão, de forma a criar e manter um ambiente justo. (8) Está receptivo para receber feedback dos outros e para adaptar o seu estilo de liderança de forma a implementar melhor a inclusão na organização, procurando sempre oportunidades para se educar e educar os outros sobre diversidade, equidade e inclusão.
Um líder inclusivo cria um ambiente onde todos os indivíduos, independentemente da sua origem, identidade ou perspectiva, se sentem bem-vindos, valorizados e capacitados para contribuir com os seus talentos e ideias únicas. A liderança inclusiva vai além da representação e reconhece a importância de aproveitar a diversidade para o sucesso organizacional.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Igualdade, diversidade e inclusão” na edição de Junho (n.º 150) da Human Resources, nas bancas.
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