Consulting House. Porque os projectos de consultoria falham: Um guia anti-flop
Consultoria. Esta palavra pode despertar emoções mistas. Está cheia de promessas de transformação, eficiência e sucesso, mas a realidade muitas vezes fica aquém.
Por: Nicole Eifler co-founder, partner e COO da Consulting House
Um estudo da UNLEASH, que envolveu mais de 1000 organizações globais, revelou que 84% dos projetos de RH foram considerados mal-sucedidos. 46% dos entrevistados enfrentaram problemas relacionados com compatibilidade, segurança e usabilidade. 40% afirmaram que múltiplos problemas – como resistência à mudança, excesso de gastos, recursos ou tempo, e um foco na idealização em detrimento da praticabilidade – acabaram por comprometer os seus projectos.
Estes desafios não se devem a estratégias desalinhadas ou a um planeamento insuficiente. Vamos assumir que esses factores – relevância para o negócio, alinhamento estratégico e um bom planeamento – estão assegurados. Mesmo assim, muitos projectos falham devido à negligência de factores humanos. Falhas na gestão da mudança, na usabilidade e no envolvimento dos stakeholders são frequentemente a causa desses insucessos. Segundo Josh Bersin**, 42% dos projectos de tecnologia de RH são abandonados em dois anos, não por terem sido mal concebidos, mas porque os colaboradores não os adoptaram ou porque os sistemas eram difíceis de utilizar.
Após quase duas décadas a acompanhar clientes nas suas jornadas, reuni conhecimentos valiosos de projectos bem e mal-sucedidos. Neste artigo, partilho algumas das lições aprendidas sobre o que realmente contribui para o sucesso de uma consultoria de RH.
Quando os modelos teóricos falham
Lembro-me de um projecto com uma grande multinacional que investiu muito numa consultora de renome para reformular o seu modelo de competências. O objectivo era criar um quadro estandardizado que unificasse as ferramentas de RH em vários países e divisões.
A VP de RH da holding identificou como problema a falta de um sistema consistente e objectivo para o desenvolvimento de pessoas. Antes da introdução do novo modelo de competências, os gestores tinham total liberdade para desenvolver as suas equipas. Alguns faziam-no bem, outros nem tanto, e as decisões sobre promoções baseavam-se frequentemente em preferências pessoais, em vez de avaliações objectivas. Esta abordagem muitas vezes levava à promoção de colaboradores tecnicamente competentes, mas sem as competências necessárias para a gestão de pessoas.
Para resolver isto, a empresa desenvolveu um modelo de competências muito simples, que pretendia criar uma linguagem comum na empresa e simplificar os processos de RH. O modelo foi elaborado com base em workshops com a direcção e chefias, sessões de técnica de incidentes críticos e análises comparativas de colaboradores de alto e baixo desempenho. O resultado foi um modelo simples e adaptável, com clusters para avaliar competências analíticas, interpessoais e operacionais. Contudo, os gestores tiveram dificuldade em transformar estas competências genéricas em feedback prático e aplicável para as suas equipas.
A flexibilidade, que deveria ser o ponto forte do modelo, tornou-se uma fonte de confusão. O modelo era demasiado simplista, assumindo que os gestores conseguiriam preencher as lacunas sozinhos, quando na verdade precisavam de mais estrutura e orientação.
Perante este desafio, a VP de RH solicitou a nossa ajuda. Durante um ano, trabalhámos de perto com os gestores de 14 países, com o objectivo de convencê-los da importância estratégica do modelo e ajudá-los a criar perfis de referência adequados às suas equipas e ao negócio. Seis meses após a implementação, a VP de RH partilhou connosco uma mudança significativa: directores que antes evitavam as conferências de calibração procuravam agora participar activamente. A melhoria na qualidade das avaliações tornava estas discussões mais valiosas e produtivas.
O que se destaca desta experiência é que até o modelo mais bem concebido precisa de suporte para ser eficaz. Neste caso, o modelo era demasiado simplista e abstracto, deixando os gestores sem saber como o aplicar. No entanto, o oposto também acontece com frequência: modelos demasiado complexos tornam-se igualmente difíceis de aplicar na prática. Em qualquer dos casos, o sucesso reside em transformar modelos teóricos em acções eficazes.
Co-criação em território desconhecido
Quando um cliente meu, uma filial local de um banco internacional, recebeu uma directriz da sede para implementar uma organização ágil, não procurava soluções predefinidas – queria ser capacitado para encontrar a sua própria solução. Entrámos, assim, num processo de co-criação.
Nenhum de nós tinha experiência prévia em transformar uma estrutura bancária tradicional numa ágil. O projecto afectava várias funções, e, como seria de esperar, havia receios subtis entre os colaboradores sobre como estas mudanças iriam impactar os seus papéis. O cliente estava plenamente consciente disso e geriu cuidadosamente todo o processo de mudança.
Foi aqui que o nosso enfoque no factor humano se tornou crucial. Fomos chamados, não só para facilitar o alinhamento estratégico, mas também para ajudar a integrar emocionalmente os colaboradores no projecto. Moderámos exercícios, sessões de brainstorming e workshops, com o objectivo de definir o âmbito do projecto, fazer as perguntas certas, regular as emoções e garantir que todos se sentiam incluídos e ouvidos ao longo do processo. O foco não estava apenas nos aspectos técnicos da mudança, mas na experiência humana.
O ponto mais importante desta experiência foi o papel central da confiança na co-criação. Tanto o cliente como eu entrámos neste projecto sem saber qual seria o resultado “certo”. Tive de confiar na minha experiência, na minha caixa de ferramentas metodológicas e na minha capacidade de apoiar o cliente em cada etapa. Por sua vez, o cliente confiou em mim para guiá-lo eficazmente, sabendo que eu teria sempre uma sugestão para o próximo passo, mesmo quando o caminho fosse incerto. Esta confiança mútua permitiu-nos navegar o desconhecido juntos, co-criando soluções adaptadas às necessidades e à cultura da organização. Foi uma verdadeira jornada de descoberta, onde nenhum de nós conhecia o destino final, mas confiávamos no processo.
Psicologia no coração da consultoria
Uma das lições mais valiosas que aprendi ao longo dos anos foi a importância de entender o factor humano em qualquer projecto de consultoria. Lembro-me de uma empresa que tinha passado por várias tentativas falhadas de implementar mudanças. Tentaram de tudo – novos sistemas, novos processos, até mudanças na liderança – mas nada parecia resultar.
Quando fomos chamados, percebemos rapidamente que o problema não residia nas estratégias em si, mas na forma como estavam a ser implementadas. Havia resistência a todos os níveis, desde colaboradores exaustos com tantas mudanças até gestores que não sabiam como liderar essas transições. Os consultores anteriores focaram-se apenas nos sistemas e processos, mas negligenciaram as pessoas.
Como psicólogos organizacionais, abordámos o problema de forma diferente. O nosso foco estava em compreender as emoções, as motivações e as dinâmicas dentro das equipas. Em vez de forçar a mudança, ajudámos a organização a criar a capacidade para lidar com ela. Isto envolveu treinar líderes em comunicação, reconstruir a confiança e criar espaços onde os colaboradores pudessem expressar as suas preocupações de forma aberta.
A transformação aconteceu. Ao centrar-nos no lado humano da mudança, ajudámos a organização a superar os seus desafios. Esta experiência confirmou que a consultoria não é sobre estratégias e modelos; é sobre como apoiar pessoas a executar a estratégia. Quando compreendemos as dinâmicas humanas, podemos desenvolver soluções que perduram.
A jornada contínua
Estas experiências mostraram-me o que funciona na consultoria – e o que não funciona. Ensinaram-me que uma consultoria bem-sucedida não impõe soluções, mas trabalha em parceria com os clientes para criar algo que faça sentido. É transformar ideias complexas em algo simples, e garantir que a mudança é impulsionada pelas pessoas, não pelos processos.
Para garantir que os seus projectos de consultoria em RH estão preparados para o sucesso, verifique os seguintes critérios de qualidade:
O projecto é relevante para o negócio e está alinhado com os objectivos estratégicos da organização?
Os prazos, recursos e orçamento foram planeados de forma realista? R Todos os stakeholders relativos aos projectos foram envolvidos?
Existe uma gestão de mudança que seja clara e deliberada?
Os utilizadores estão a ser preparados para os novos sistemas? R Foi pedido o contributo de todas as pessoas afectadas?
As soluções foram desenvolvidas com foco na usabilidade para o “cliente” final?
Os consultores envolvidos têm competências psicológicas para navegar os factores humanos?
Os consultores co-criam soluções em parceria consigo?
Os consultores são flexíveis, mas trazem expertise e experiência sólida?
Os projectos de consultoria devem ser construídos com base na confiança, co-criação e uma compreensão profunda das dinâmicas humanas que impulsionam a verdadeira mudança. No final, uma boa consultoria não é fornecer respostas – mas fazer as perguntas certas.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Consultoria” publicado na edição de Outubro (n.º 166) da Human Resources.
Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.