Currículos insólitos
O CV e a carta de apresentação tradicionais não condizem com um mundo gerido em contra-relógio, ao ritmo das novas tecnologias. O segredo para a diferenciação é usar a criatividade para dizer mais em menos tempo.
Por Sofia Simões de Almeida
Frederico Roberto ameaçou André Rabanéa, fundador da Torke, por e-mail, fax, SMS, chamadas telefónicas e até com uma faca espetada na porta com uma mensagem escrita com recortes de jornal. Depois de uma semana de ameaças anónimas, Frederico Roberto apresentou-se à porta da agência a distribuir flyers como “Professor Espiritual Guerrilha”: curador de vários males entre os quais briefings e ameaças. O objectivo? Conseguir um lugar na agência criativa não convencional Torke, especializada em marketing de guerrilha. O resultado? Hoje é o director criativo da agência.
À semelhança de Frederico Roberto, muitos outros colaboradores da Torke optaram por uma via menos convencional para conseguir um lugar na agência. «Se as marcas esperam de nós ideias diferenciadoras, de alto impacto, é claro que nos identificamos, logo à partida, com quem faz o mesmo tipo de acções para poder integrar a equipa», explica o director criativo.
Contudo, não é apenas na Torke que a abordagem inovadora, longe das tradicionais cartas de apresentação e Curriculum Vitae (CV), compensa.
«O facto de estarmos num contexto económico adverso, leva as empresas a contratar com critérios de selecção cada vez mais finos. Um deles é o esforço e motivação que o candidato demonstra ao fazer a sua candidatura», explica Pedro Brito, managing partner da Jason Associates, consultora estratégica de gestão de talento. Por seu lado, Ana Sofia Portela, directora-geral da Palmon Search, explica que a aposta numa abordagem diferenciadora permite destacar-se da multidão de candidaturas. «Serve sobretudo para que o candidato consiga, de entre várias dezenas de CV, que a sua candidatura seja identificada e chame a atenção», defende a directora-geral. «Um candidato com uma abordagem diferenciadora ganha pelo menos uma entrevista», assevera
Pedro Brito. Exemplo disso é Matthew Epstein, um estrategista de marketing digital, que criou um site com as dez razões porque devia ser contratado pela Google e um vídeo de apresentação humorístico. O vídeo tornou-se um fenómeno nas redes sociais e, passadas 36 horas sobre a criação do site, a Google contactou-o para integrar o processo de recrutamento da empresa.
O vídeo é uma das tendências entre os novos tipos de CV que tem como vantagem não apenas cativar a atenção, mas também revelar as capacidades de comunicação, o dinamismo e a energia do candidato. «Um CV tradicional está muito focado na experiência e no passado: quando nasceu, onde trabalhou, que notas teve. Já o vídeo cria um envolvimento emocional que traz vantagem», explica o managing partner da Jason Associates. Para criar esta ligação emocional, contribui também a apresentação da pessoa para além das suas capacidades profissionais. Os alunos do Magellan MBA, da EGP-UPBS (Escola de Negócios da Universidade do Porto), decidiram inovar neste sentido e com o apoio da Jason Associates criaram um portefólio diferente do habitual: a curta-metragem “The Magellan Talent Show 2011” onde cada um apresenta o seu lado A – a carreira – e o lado B – as paixões, os interesses e os hobbies (veja em baixo).
Se o CV convencional falha ao não descrever o potencial do candidato ao empregador, o mesmo se passa com as cartas de apresentação que têm mais probabilidade de ficar esquecidas do que causar impacto, sobretudo se se prolongarem por vários parágrafos.
«A carta de apresentação está morta. Vai cair em desuso porque as empresas não têm tempo para ler», explica Pedro Brito e acrescenta que enviar a mesma carta de apresentação para todas as empresas, sem fazer qualquer esforço de diferenciação entre elas, é um erro.
Para o managing partner da Jason Associates a carta de apresentação devia ser substituída por um teaser. «Só faz sentido enviar se for altamente personalizado na empresa e não no “eu”. Por exemplo, a frase “Eu sei que estão à procura de pessoas com estes três valores” e “junto imagens que os representam” ou um link que redireccione para um CV. Tem de ser curto e funcionar por impulso», explica Pedro Brito.
A nova era das cartas de apresentação e dos CV
O óbito aos formatos tradicionais está declarado. Contudo, continua a haver necessidade dos candidatos se apresentarem perante os empregadores numa era dominada pela falta de tempo, a tecnologia e a necessidade de diferenciação. Há apenas um factor que se mantém igual: saber o que se quer.
«De nada vale uma imagem quando não é acompanhada de um conteúdo bem estruturado e ajustado à candidatura em si», alerta Ana Sofia Portela. E Pedro Brito acrescenta: «Já fizemos cerca de 30 mil entrevistas e, em 80% dos casos, as pessoas não sabem o que querem fazer. Sabem que querem ter sucesso, mas não sabem como». Este é, por isso, o primeiro passo: definir o que se quer fazer.
Foi o que fez um dos mais recentes membros da equipa da Jason Associates. Depois de um curso de Arquitectura e outro em Marketing, descobriu finalmente o caminho profissional que queria seguir, muniu-se dos conhecimentos adquiridos e criou uma candidatura em forma de receita. Os ingredientes traduziam as suas características e porque acreditava que ia ter sucesso. «Estava tão bem feito, tinha demonstrado conhecer tanto a organização que foi tema de conversa durante uma semana», conta Pedro Brito.
As redes sociais, como o Facebook ou o LinkedIn, são uma opção a ter em conta, no entanto não basta criar um perfil, é preciso assumir uma postura activa. «É preciso estar nos grupos, comentar e ir a eventos reais. As redes sociais são apenas um ponto de partida para criar um network real», explica o managing partner. Levar a criatividade a outro nível é sempre uma opção, como fez João Dornellas, director de arte, ao criar o seu CV numa aplicação para iPad que teve mais de 3 mil downloads e eco na revista norte-americana Fast Company.
Outro exemplo inovador é o “Talent Card” criado pela Jason Associates, que até já chamou a atenção da Google, e que rompe com o formato tradicional de CV para reflectir uma identidade enquanto talento. O limite é a imaginação.
Veja a curta-metragem “The Magellan Talent Show 2011”