Da educação ao trabalho, do Estado às empresas: a visão de Paulo Macedo

Em Julho, houve dois encontros do Conselho Editorial da Human Resources, um deles a convite de Paulo Macedo, presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD), e de Francisco Viana, director central de Recursos Humanos na mesma instituição. Os temas foram os mais diversos, dos salários em Portugal à produtividade, passando pela legislação laboral e a necessidade de apostar na educação e formação, não esquecendo o tema da inteligência artificial e o impacto que está a ter, no trabalho e no negócio.

Por Ana Leonor Martins | Fotos Nuno Carrancho

 

Fazendo-se notar que Paulo Macedo tem uma experiencia profissional bastante heterogénea, no sector público e privado, começou-se por desafiá-lo a dizer o que faria, se fosse indigitado primeiro-ministro, para subir o salário médio. «O Estado pode, e deve, fazer alguma coisa em relação ao salário mínimo – e sou sensível a este tema, defendo que se deve “puxar” por eles –, mas não é o governo que faz subir os salários médios; as empresas têm de ganhar mais, para poderem pagar mais e para se manterem competitivas », respondeu. Mas, acrescenta, «as empresas têm de pagar mais, mas a produtividade também tem de aumentar».

Sobre o papel do Estado, destaca o seu papel na Educação. «Tem de apostar mais nesta área, facilitar o acesso ao conhecimento, principalmente dos adultos com baixas qualificações. Temos pessoas qualificadas dos 25 aos 35 igual à média europeia, onde estamos muito abaixo é dos 35 aos 65 anos. É preciso voltar às escolas, mas as escolas têm de dar certificações às pessoas, cursos de um ou dois anos. E lutar mais pelos centros tecnológicos. Se profissionais que trabalham em áreas de menor especialização e conhecimento forem aprender código, passam logo a ganhar mais 50 ou 80%, o que incrementa muito o valor acrescentado. Para as outras funções, Portugal tem de atrair pessoas com conhecimento médio, não interessa atrairmos só milionários.»

Por outro lado, «temos os licenciados a ir embora, o que não é bom». No entanto, fazendo referência a um estudo da professora Cátia Baptista, da Nova SBE, sobre a emigração dos estudantes, defende que não há só efeitos negativos, porque «vão para países onde vão continuar a desenvolver os seus conhecimentos, e de alguma forma esse conhecimento acaba por voltar a Portugal, nem que seja indirectamente. E também geram mais riqueza para o País, porque quando vêm cá têm maior poder de compra.»

No âmbito da formação, a CGD tem feito algum trabalho na área das certificações e proporciona aos colaboradores a possibilidade de fazerem um MBA (pagando apenas um valor residual), por exemplo. «É uma mania que tenho, “mandar” as pessoas estudar. Queremos que os nossos auditores, as nossas pessoas do compliance, os nossos financeiros, etc., sejam certificados internacionalmente. Todos estão a fazer, faz parte dos KPI das direcções», revelou.

 

Produtividade e tecnologia
No que respeita à produtividade e rentabilidade, Paulo Macedo considera que tem vindo a melhorar, nomeadamente na banca, também ajudadas pela inteligência artificial. «Há muitos factores que impactam na produtividade, para além das habilitações e da qualidade das instituições, como o capital que existe, o investimento que é feito. Na Caixa, temos tido uma evolução positiva na produtividade e rentabilidade por colaborador.» Faz ainda notar que «a banca, durante muitos anos, atraía os melhores quadros, era fácil captar talento. Continua a ter bons quadros, mas já não será tão fácil recrutar », reconhece. E salienta que «não há cursos especializados para a banca, o que poderá ser reflexo da pouca procura».

Continuando na tecnologia e na inteligência artificial, o que se espera é que «tenha um contributo enorme» e «ainda não está aí, ainda não está a ter os resultados que esperamos no negócio». Há muitas áreas digitalizadas, mas «é preciso mais, e mais depressa», porque «as margens vão baixar». Perante a afirmação de que a limitação não será da tecnologia e a pergunta se será da competência das pessoas, Paulo Macedo ressalva que «há uma curva de aprendizagem que é preciso fazer ». Mas à volta da mesa acrescenta-se que também «é preciso que as pessoas queiram transformar-se e ser parte da transformação. E isso é muito difícil. Não se consegue dizendo às pessoas “têm de”, elas têm de querer.»

O segredo, defende-se, é «conseguir mostrar às pessoas o tempo que vão poupar usando a tecnologia e adoptando outras formas de trabalho, mostrar-lhes como isso lhes vai facilitar a vida». Há quem partilhe o que alguém aconselhou para conseguir motivar as pessoas para esta transformação: “Tens de lhes pagar.” Poderá também não ser irrelevante para a análise o facto de mais de 50% da população ter mais de 50 anos, 25% ter mais de 65, e ter duplicado o número de pessoas com mais de 80 anos. «Temos um mercado envelhecido. Assim, fará sentido o discurso estar sempre centrado nos jovens», questiona-se.

Um dado interessante que se partilha no debate é que, apesar de os estudos dizerem que a IA beneficia mais os jovens e as pessoas em início de carreira, ao ver os dados do piloto feito na empresa, verifica-se que estes são os que usam menos. «Queremos escalar o piloto, mas para isso é preciso que as pessoas utilizem mais; só assim conseguimos retorno do investimento.»

A maior ou menos velocidade de adopção da IA não será pela (falta) de capacidade de investimento das empresas, porque «estamos a falar de organizações com dimensão; muitas vezes é só uma questão de escolhas. A questão se há dinheiro para investir por vezes é uma desculpa, porque quando há retorno, o investimento paga-se a si próprio rapidamente.»

 

A atractividade da Banca, a legislação laboral e a Gestão de Pessoas
Trabalham cerca de 6000 pessoa na CGD, sendo que este ano já contrataram mais de 200. Perante a “provocação” de alguma erosão na atractividade da banca, destaca-se ainda que «os miúdos não querem ir para as agências, há muitas outras áreas atractivas». Prova disso mesmo são os números do open day que a CGD fez este ano, no qual contou com 900 candidatos. Ainda assim, Paulo Macedo reconhece que, para funções como, por exemplo, data scientist, sentem alguma dificuldade, o que exige que sejam pagos «de forma diferenciada», realidade que não será exclusiva do sector da Banca. A este nível, conseguem competir com as consultoras, mas a progressão de carreira não será tão linear. «As consultoras faziam avaliações e revisões salariais todos os anos. E com isso poucas empresas conseguiam competir, mas também já não é assim, por isso, também perderam competitividade, ainda que continuem a ser excelentes centros de aprendizagem.»

Resume os principais argumentos para a atracção de talento: «A Caixa tem três milhões de clientes, rentabilidade e muitas áreas novas e muito interessantes, por isso não há motivo para não ser atractiva para os jovens. É um dos melhores locais para trabalhar, não tenho dúvidas.» Apesar de parecer que a área comercial não é sexy, há quem faça notar que é das áreas com maior potencial para se crescer e chegar a funções de liderança. «Em imensos negócios, ninguém crescia sem passar “a sério” na área Comercial. E ainda acontece, por exemplo, no Retalho.»

No espectro oposto, das saídas, e fazendo- se notar que «nem todas as pessoas são para todas as empresas», questiona- -se se a legislação laboral não devia ser mais flexível, e se o facto de não ser não promove «um certo imobilismo da população, não têm estímulo para fazer melhor». «Nem “castigo”, se não corresponderem », acrescenta-se. Paulo Macedo concorda que a legislação é rígida nas saídas, mas não é essa a sua principal preocupação. «Não fazemos despedimentos porque não temos necessidade, as pessoas é que vão saindo para a reforma.» Não acredita que o cenário «os Estados Unidos da América inventam, a China copia e a Europa regula» (como disse numa conferência da Executive Digest, publicação do mesmo grupo da Human Resources) vá mudar. «A Europa não vai desistir de regular, mas não é essa a questão, existem coisas que têm de ser de facto reguladas. Mas os portugueses ainda acrescem sempre àquilo que é exigido; autolimitamo-nos.»

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Julho (nº. 163) da Human Resources.

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