Daniel Traça, ESADE: «A liderança tem de ser humanocrática. As empresas têm de ser sítios mais para seres humanos do que para recursos humanos»

Daniel Traça, director-geral da Escola Superior de Administração e Direcção de Empresas (ESADE) e keynote speaker da XXVII Conferência Human Resources que teve lugar ontem, no Museu do Oriente em Lisboa, defende a humanocracia nas organizações. Só assim será possível evitar a saída de talentos. Porque o problema de Portugal não é falta de competências.

Por Tânia Reis | Fotos NC Produções

 

Sob o mote “Liderar hoje as competências do amanhã”, começou por dizer que não iria abordar as competências propriamente ditas, pois «são sabidas por todos», e falar sobre Inteligência Artificial seria «pura especulação, pois do futuro sabe-se muito pouco e ainda temos algum tempo».

A verdade é que Portugal tem vindo a traçar um caminho positivo no tema das competências, estando acima da média da União Europeia e da OCDE, e no que concerne os jovens «estamos no pelotão da frente e somos o País que mais evoluiu nessa área», realçou. O desafio maior, alertou, «é o que vamos fazer com as competências destes jovens», dado que não tem havido capacidade de aumentar a produtividade. E lançou a pergunta: «Com os poucos recursos que temos, o talento que temos está a sair. Porquê?». E apontou várias razões. A baixa produtividade reflecte-se invariavelmente nos salários, mas também a reduzida sofisticação, ou seja, não conseguimos criar empresas sofisticadas, e a baixa capacidade de motivar estes jovens.

Para resolver estas questões, elencou três desafios das lideranças. O geracional, já que muitas vezes «as competências dos líderes, actualmente, são inferiores às dos seus colaboradores», o cultural espelhado na «visão menos aberta das lideranças», e o tema da forma de estar e gerir.

Para saber quais os grandes motivadores da Geração Z, Daniel Traça recorreu a uma ferramenta de Inteligência Artificial. O Co-Pilot da Microsoft identificou o top 10 que o orador agrupou em cinco pontos-chave: liberdade, justiça, propósito, escolha, egência e comunidade.

Numa organização em que a liderança opera numa lógica de incentivos (recompensa, sanção e controlo) será difícil fidelizar pessoas, por isso, o director-geral da ESADE defende que é preciso criar uma “humanocracia”, ou seja, «sítios mais para seres humanos do que para recursos humanos». As empresas devem ser estruturadas segundo a teoria “ABC da motivação humana”, de Bruce Feiler: Agency (empoderamento), Belonging (pertença, mais do que ligação profissional) e Causes (propósito). Isso implica, obviamente, a liderança e a cultura.

Segundo Daniel Traça, uma liderança “humanocrática” rege-se pelas seguintes qualidades: inspirar – comunicar, ouvir os colaboradores; empoderar – confiar, crescer, errar na tomada de decisões; alinhar – remar na mesma direcção; e optar – valores partilhados. Uma liderança mais focada nas pessoas traz melhores resultados, mas é um percurso difícil, «um desconforto permanente», garante. E superar esse desconforto é uma aprendizagem.

O grande objectivo é «liderar uma comunidade onde cada um é chefe de si próprio». Até porque, salienta, «o mundo quer empresas muito inovadoras e muito ágeis», mas se não for dada às equipas essa capacidade, não há sobrevivência possível. Por isso atesta que é fundamental as lideranças conferirem aos colaboradores que estão “no terreno” o poder de decidir, errar, implementar, inovar, etc. E defende que esse empenho das pessoas dentro da organização irá depois transmitir-se na própria marca dessa organização.

No fundo, liderar não é só estar na organização, mas também interagir com a comunidade, e é aí que o papel dos Recursos Humanos será fundamental, mas a abordagem terá de mudar para a gestão de uma comunidade: «uma organização de pessoas torna-se uma organização de comunidades, interna e externa».

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