De fronteiras a pontes: o impacto da migração na Gestão de Talentos

A mala está pronta. Nela cabem roupas, memórias e sonhos. Um último olhar para trás, um abraço apertado à família e um suspiro discreto, para não deixar ninguém (mais) triste.

 

Por Armanda Antunes, professora auxiliar da Universidade Europeia, coordenadora da licenciatura e do mestrado Online em Gestão de Recursos Humanos

 

Este poderia ser o relato de um transmontano a caminho do Algarve em busca de melhores oportunidades, de um açoriano que deixa o calor da sua ilhas para viver no continente, de um jovem expatriado a embarcar rumo a Portugal (ou ao estrangeiro) ou de alguém que parte daqui para conquistar um novo futuro num outro país. Pode também ser o olhar de quem foge da guerra ou de uma família que procura um lugar mais seguro para viver. Todos têm algo em comum: a mudança face ao que conheciam.

Ao chegar ao novo destino, o choque cultural é inevitável. O nosso viajante, habituado a cumprimentar calorosamente os vizinhos, depara-se com rostos desconhecidos que não retribuem o sorriso. A saudade aperta, e a adaptação torna-se um desafio diário. No entanto, é precisamente nesta confluência de culturas que reside a riqueza da migração.

De acordo com as Nações Unidas, um migrante é qualquer pessoa que se desloca para fora do seu local de residência habitual, seja dentro do próprio país ou a atravessar fronteiras internacionais, independentemente das razões, duração, estatuto legal ou critérios voluntário ou involuntário.

O reconhecimento da contribuição da migração para o desenvolvimento sustentável está também espelhado em vários Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, cuja premissa central é que “não se deixa ninguém para trás”. São o caso do ODS 8, que defende o trabalho digno e o crescimento económico, e do ODS 10, que visa reduzir as desigualdades. Na meta 10.7, prevê-se a migração e mobilidade de pessoas de forma ordenada, planeada, segura e responsável, assim lembrando-nos que a integração e o respeito pela diversidade não são apenas questões sociais, mas também um motor de desenvolvimento.

Contudo, por vezes, as diferenças culturais geram incerteza, mas criam também oportunidades para aprendermos uns com os outros. Por exemplo, em algumas culturas, como a portuguesa, é comum esperar que as relações no trabalho sejam próximas e informais. Já em países onde as hierarquias são muito marcadas, as pessoas podem esperar que as decisões sejam tomadas pelos superiores e seguidas sem qualquer questão. Este tipo de contraste pode gerar mal-entendidos sobretudo nas organizações, mas quando bem gerido, cria um espaço onde os estilos diferentes se complementam.

Outro exemplo de diferença cultural é a forma como as pessoas se comportam em equipa. Em sociedades que valorizam o individualismo, como os Estados Unidos, o sucesso individual é muitas vezes celebrado acima de tudo. Já em culturas mais colectivistas, como a japonesa, as decisões são tomadas para beneficiar o grupo como um todo, e o consenso é essencial.

A gestão de incerteza e da mudança também varia muito entre culturas. Algumas culturas, como a alemã, dão grande ênfase ao planeamento e à organização, e preferem evitar riscos sempre que possível. Outras, como a brasileira, são mais flexíveis, lidando com as incertezas de forma criativa e adaptável. Num ambiente multicultural, estas perspectivas

podem aprender muito uma com a outra, resultando em equipas que são simultaneamente estáveis e inovadoras e em que todos se sentem valorizados.

Por isso, quando olhamos para o mercado de trabalho, percebemos que a migração traz consigo inúmeras oportunidades. A diversidade cultural enriquece as organizações, trazendo diferentes perspectivas, formas de resolver problemas e experiências. Actualmente, em inúmeros sectores tecnológicos, equipas multiculturais têm demonstrado maior capacidade de inovação. No turismo e hospitalidade, os trabalhadores migrantes ajudam a criar uma experiência mais autêntica e global para os visitantes. Já na saúde, muitos migrantes desempenham papéis essenciais, enfrentando desafios de comunicação e integração enquanto salvam vidas.

No entanto, esta riqueza só é aproveitada se houver uma boa gestão de talentos. As empresas precisam de criar ambientes inclusivos onde todas as culturas sejam respeitadas. Isso pode ser feito através de programas de formação intercultural, mentoria para novos colaboradores que venham de fora e a promoção de um diálogo aberto sobre diferenças e semelhanças culturais. Mais importante, as organizações precisam de lideranças que reconheçam o valor da diversidade e saibam usá-la como um motor para o sucesso.

Neste contexto, a migração interna dentro de Portugal também merece atenção. Quando um transmontano se muda para Lisboa, ou um algarvio vai trabalhar para o Porto, enfrenta desafios que, embora diferentes dos de um expatriado, são igualmente importantes. A adaptação a novos hábitos, diferentes ritmos de vida e estilos de trabalho requer um esforço colectivo para garantir que ninguém se sente deslocado.

Numa altura em que se assinala o Dia do Migrante (18 de Dezembro), reflectimos sobre como cada um de nós, em algum momento, se torna migrante. Seja ao atravessar fronteiras, cidades ou mentalidades, carregamos connosco histórias que merecem ser ouvidas e respeitadas. Todos diferentes, todos essenciais, e que ninguém fique para trás.

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