Do trabalho temporário ao banco de horas. O que mudou no Código do Trabalho?

As alterações introduzidas ao Código de Trabalho (CT) deram o mote para uma sessão de esclarecimento promovida pela Abreu Advogados, em parceria com a Human Resources. Com a ajuda de advogados especialistas em Direito do Trabalho procurou esclarecer-se todas as dúvidas. 

 

Por Ana Rita Rebelo

 

Foi na quinta-feira passada, dia 3 de Outubro, na sede da Abreu Advogados, em Lisboa, que se realizou esta tarde informativa, tendo por objectivo esclarecer quais as mais recentes alterações à lei laboral e qual o impacto das mesmas nas relações de trabalho.

Foram seis os temas que estiveram em destaque – direito colectivo e as fontes laborais; protecção de dados; parentalidade; período experimental, contratos a termo e de trabalho temporário; trabalho intermitente e banco de horas; assédio e cessação do contrato de trabalho -, distribuídos por dois painéis moderados por Ana Leonor Martins, directora editorial da Human Resources.

Perante uma plateia de cerca de 250 profissionais, os especialistas da Abreu Advogados explicaram cada temática de forma simples, havendo depois espaço para esclarecimento de dúvidas.

O encontro teve início com a intervenção de Carmo Sousa Machado, sócia e presidente do Conselho de Administração da Abreu Advogados, que começou por enquadrar o impacto das alterações ao CT nas relações laborais, reconhecendo que outros temas poderiam estar em destaque. «O direito a desligar era um tema muito importante para ter sido objecto desta alteração e também as novas formas de trabalho, como aquele que é prestado hoje em dia por muitas pessoas ao nível digital», considerou. A técnica legislativa «não foi sempre a melhor», lamentou, sublinhando que «levantam-se já muitas dúvidas».

Chamou também a atenção para o facto de as propostas em matéria laboral, dos 21 partidos que este domingo foram a eleições, serem coincidentes no que diz respeito à parentalidade, ao combate à precariedade e à flexibilidade dos horários de trabalho. «Temos muitos e bons exemplos na Europa em que a legislação é francamente mais flexível e não é por isso que temos mais desemprego, antes pelo contrário», sublinhou ainda.

 

As fontes laborais

Seguiu-se Luís Gonçalves da Silva, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, advogado e consultor da Abreu Advogados, que começou por dizer esta não era uma reforma necessária. Recordando que a eliminação do banco de horas individual constava do programa governamental, defendeu que o Governo aproveitou essa alteração para «deixar a sua marca».

De acordo com o responsável, o acordo final coincide com o acordo tripartido de 2018. «Em regra, foi respeitado», disse, embora apontando para «vários problemas de compatibilidade», nomeadamente em virtude da extinção da pessoa colectiva. «Nunca tinha vista o acordo tripartido repetido numa resolução de Conselho de Ministros (…) Não consigo explicar juridicamente nem porquê, nem para quê, mas foi», apontou.

Analisando as principais alterações ao CT, destacou as mudanças no regime de trabalho temporário. A nova lei diz que «o trabalhador temporário passa a beneficiar dos direitos e disposições inscritas em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho aplicável a partir do primeiro dia de prestação de trabalho na empresa utilizadora. Até agora apenas beneficiava destas disposições após 60 dias de prestação de trabalho».

Quanto ao artigo 497.º, relativo à escolha de convenção aplicável, foi alvo de muitas críticas «e bem». Para Luís Gonçalves da Silva, «veio tentar responder a algumas destas críticas, em especial tentando delimitar temporalmente aquilo que era uma errada escolha». O que a lei dita agora é que quando numa empresa sejam aplicáveis uma ou mais convenções colectivas, o trabalhador não filiado em associação sindical pode escolher qual daqueles instrumentos lhe passa a ser aplicável.

A denúncia de convenção colectiva, continuou, «é uma norma magnífica», uma vez que passa a ter de ser fundamentada. Ou seja, o autor da denúncia tem de apresentar à outra parte não só uma proposta negocial global, mas também os motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada.

 

Protecção de dados

O advogado Simão Sant’ Ana analisou o impacto da lei nacional de execução do Regulamento Geral de Proteção de Dados, nas relações de trabalho.

Simão Sant’ Ana começou por mencionar uma deliberação da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que veio chamar à atenção das «incongruências» da lei nacional. «Atacou frontalmente o legislador nacional, dizendo que em nove artigos violam o primado do direito comunitário», comentou, acrescentando que a CNPD disse mesmo que não iria aplicar estes novos artigos.

«Isto  lança a discussão e, se não mesmo, alguma confusão, uma vez que, se é verdade que o legislador nacional está veiculado ao primado do direito comunitário e deveria ter sido mais cauteloso em alguns artigos desta nova lei, por outro lado também nos parece questionável que a CNPD possa unilateralmente decidir quais são os artigos desta nova lei que aplica ou não, uma vez que essa decisão cabe aos tribunais», disse.

Quanto à Lei n.º58/2019, realça que a deliberação «vem criar ainda mais confusão», ao criticar o âmbito «demasiado restrito» de aplicação do consentimento do trabalhador relativo ao tratamento de dados para fins laborais.

 

Parentalidade
Em matéria de parentalidade, a advogada Catarina Bahia faz notar que a lei visa oferecer melhores condições aos pais portugueses e veio prever aumentos nas licenças parentais.

A responsável realça a primeira e «a grande novidade» desta lei: o alargamento da licença inicial obrigatória do pai. Já os trabalhadores residentes tanto no arquipélago da Madeira como nos Açores vão passar a ter mais direitos relacionados com a maternidade e a parentalidade, nomeadamente uma licença para deslocação a uma unidade hospitalar localizada fora da ilha de residência para realização do parto.

Foi também criada uma licença para pais de filhos com doença de foro oncológico, aumentados os direitos dos pais relacionadas com crianças recém-nascidas que tenham que ficar internadas imediatamente que se segue ao nascimento e foram alargados os direitos dos pais de crianças prematuras.

Além disso, foi acrescentado um novo artigo que diz que «é proibida qualquer forma de discriminação em função do exercício pelos trabalhadores dos seus direitos de maternidade e paternidade», disse Catarina Bahia, acrescentando que os trabalhadores vão passar a ter um direito de dispensa para consulta de procriação medicamente assistida, que não existia até então.

 

 

Período experimental, contratos a termo e de trabalho temporário 

Por sua vez, a advogada Madalena Caldeira centrou a sua apresentação numa análise às principais alterações do novo CT no que diz respeito ao período experimental, contratos a termo e trabalho temporário.

Relativamente ao período experimental – «uma das alterações mais discutidas» – fez notar que a nova lei traz novidades. O período experimental passa de 90 para 180 dias para os contratos sem termo celebrados com trabalhadores à procura do primeiro emprego ou desempregado de longa duração. Ou seja, estes trabalhadores passarão a ser abrangidos pelo escalão intermédio já previsto na lei, que era até agora apenas aplicável aos «trabalhadores que exercem cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança»

Já o limite máximo dos contratos a termo certo baixa de três para dois anos e pode ser renovado até três vezes, desde que a duração total não exceda a do período inicial do contrato, que não chega aos dois anos. «Não sei se estas medidas reduzem a precariedade, mas têm um impacto enorme na gestão do dia-a-dia dos recursos», entende a advogada.

 

Trabalho intermitente e banco de horas

Também advogada da Abreu Advogados, Sofia Silva e Sousa identificou as alterações ao regimes legais do trabalho intermitente e do banco de horas, realçando o contexto referente à eliminação do banco de horas individual.

No que ao trabalho intermitente diz respeito, assinalou que a nova lei dita que é obrigatório existir um entendimento entre ambas as partes sobre os moldes do trabalho e que o legislador veio agora reduzir de seis para cinco meses o limite mínimo da prestação de trabalho, dos quais três meses terão de ser consecutivos.

A advogada recorda ainda que foi aprovada a eliminação do  banco de horas individual. Esclareceu, porém, que os instrumentos que já estejam actualmente em aplicação (por terem sido iniciados antes da entrada em vigor da nova legislação), cessam no prazo máximo de um ano a contar da entrada em vigor das alterações ao CT, ou seja, até ao dia 1 de Outubro de 2020. A partir dessa data, não pode existir. Além disso, foi criado um banco de horas grupal, que pode ser aplicado a toda a equipa se for aprovado por, pelo menos, 65% dos trabalhadores.

 

Assédio e cessação do contrato de trabalho

A última intervenção coube ao advogado Gonçalo Delicado,  que abordou as mais recentes alterações relacionadas com o assédio. «Apesar de o assédio não ser um tema central destas alterações, foram introduzidos ligeiros ajustes ao regime», assinalou, referindo-se à alínea a) da Lei n.º 127 do CT, que diz que o empregador deve «respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer actos que possam afectar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio», por exemplo.

«Do ponto de vista jurídico, parece-nos uma alteração inócua», atirou, dizendo que já vinha expressa nos princípios gerais do CT. E acrescenta: «Não nos parece que estas alterações introduzidas consubstanciem profunda mudança no regime de assédio», que já existe desde 2017. São «ajustes», classifica.

Já sobre as recentes alterações relativas à cessação do contrato de trabalho, destaca a cessação do contrato a termo e o despedimento por extinção do posto de trabalho. A lei diz agora que, em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo certo por verificação do seu termo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada nos termos do artigo 366.º, salvo se a caducidade decorrer de declaração do trabalhador nos termos do número anterior.

 

A reportagem detalhada será publicada na edição de Novembro da Human Resources.

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