Duarte Nuno Vieira, Fidelidade: «A saúde mental deve ser uma prioridade para as empresas, sendo abordada sem tabus»
Na Fidelidade defende-se que a área Medicina do Trabalho precisa de se adaptar à nova realidade e apoiar ainda mais e melhor a saúde, física, mental e social dos colaboradores, afastando de vez o papel redutor da resposta simplista às questões legais e normativas.
Nunca como agora o tema da saúde no trabalho ganhou tanta importância. Se antes da COVID-19 era um tema essencial dentro das organizações, mas quase que tido como garantido, agora assumiu novos contornos e tornou-se prioritário nas agendas dos gestores.
Fazendo notar que «uma organização responsável deve dar grande relevância à vertente humana, preocupando-se com a saúde e bem-estar dos seus colaboradores, promovendo locais de trabalho saudáveis, procurando proporcionar uma melhoria contínua das condições e ambiente de trabalho», Duarte Nuno Vieira, responsável pela Medicina do Trabalho da Fidelidade, destaca que, além do seu papel habitual, a medicina do trabalho passou a ter que considerar outras variáveis. Na seguradora, «a estratégia tem sido denvolvida em diferentes fases, decorrentes de uma contínua atenção à evolução da situação pandémica e ao avanço no conhecimento científico médico sobre a própria infecção pelo SARS-CoV-2». E, recentemente, deram início a um «estudo aprofundado, que permitirá avaliar quais os riscos psicossociais decorrentes de toda esta situação, elemento essencial para a definição e preparação de uma melhor intervenção futura a este nível», acredita.
Não obstante, a preocupação com a saúde e o bem-estar dos colaboradores não é recente da seguradora. Desde sempre que constitui um elemento estruturante do ADN da Fidelidade e da Safemode, empresa responsável pela saúde do trabalho no Grupo. «Nesta perspectiva, a estratégia global não mudou, é exactamente a mesma, a de defender e dinamizar continuamente mais e melhor saúde e bem-estar para todos», assegura o responsável. «O que fizemos foi adequar a forma de actuar tendo em conta a alteração do contexto interno e externo, o que implicou que tivessem de ser introduzidas alterações e adaptações a múltiplos níveis.»
A Fidelidade criou canais de comunicação e equipas de profissionais de saúde permanentemente disponíveis, definiu regras para o trabalho a partir de casa, distribuiu equipamentos susceptíveis de permitirem melhorar os locais de trabalho no domicílio, estabeleceu escalas laborais de rotatividade – sempre que foi possível retomar o trabalho presencial –, que tivessem em consideração a saúde dos trabalhadores face ao risco pandémico, entre outras iniciativas. «Foi, e continuará a ser, um trabalho intenso e contínuo, desenvolvido de forma discreta, mas eficiente, que se teve de ir permanentemente ajustando e adaptando à medida que a situação pandémica se foi modificando, positiva ou negativamente, e assim terá de continuar a ser», assegura Duarte Nuno Vieira.
Saúde física e mental
A pandemia teve impacto a diversos níveis, todos suscetíveis de interferirem com a saúde e o bem-estar, físico e psíquico, dos profissionais. Além dos decorrentes dos receios, incertezas, angústias e preocupações, muitos sentiram o impacto psicológico decorrente de terem de aprender e/ou reforçar competências, nomeadamente na gestão de equipas à distância e na utilização adequada das ferramentas disponíveis para o teletrabalho.
Duarte Nuno Vieira não tem dúvidas de que os impactos mais significativos para a maioria «foram os decorrentes do súbito esbatimento da linha de separação que existia entre o tempo de trabalho e a vida pessoal e familiar, isto é, o terem de coadunar e equilibrar o trabalho em casa com a sua vida pessoal e com a vida profissional do restante agregado familiar». Mas garante que, «pelas caraterísticas humanistas e pela solidez da Fidelidade, não houve no seu seio muitos dos impactos negativos que afectaram tantos trabalhadores portugueses, nomeadamente e, sobretudo, os decorrentes da insegurança no trabalho».
Por outro lado, a organização foi pró-activa no tema e tomou múltiplas medidas, como criação de um Plano de Contingência, um Manual de Trabalho Remoto e o Guia do Bem Estar life@home. «Prepararam-se filmes tutoriais designados Prevenção COVID-19, promovidos na newsletter “Be Fidelidade Para que a Vida Não Pare”, criou-se uma múltipla sinalética para a rede comercial e para os edifícios do grupo, produziram-se e divulgaram-se as safetips, elaborou-se e divulgou-se conteúdos sobre múltiplas situações de saúde, criaram-se estruturas de apoio e contacto, como o atendimento COVID-19, implementaram-se novos serviços Multicare como a medicina on-line e o avaliador de sintomas, o apoio psicológico no âmbito do programa NÓS de responsabilidade social da Fidelidade e do seguro de saúde da Multicare», exemplifica o médico. «Foi um trabalho intenso, mas muito estimulante e que, pensamos, tem contribuído significativamente para a confiança que todos os colaboradores e clientes depositam na Fidelidade e para o bem-estar que se vive no seu seio.»
Igualmente fundamental é não descurar a saúde mental. Duarte Nuno Vieira salienta que «este é um momento em que as empresas têm de estar particularmente atentas. Estamos perante uma realidade vivencial para a qual não estávamos preparados nem formatados, e à qual estamos ainda a aprender a adaptar-nos, uma realidade potencialmente geradora, para alguns, de um impacto negativo na saúde mental e no bem-estar, facilmente indutora de perturbações na vida pessoal e profissional, e nomeadamente de uma redução na motivação profissional.»
Concretiza: «A saúde mental é fundamental para todo o ser humano. Se um colaborador não está com uma boa saúde mental, dificilmente terá produtividade laboral. Antes da COVID-19, a Organização Mundial de Saúde (OMS) assinalava já que uma em cada quatro pessoas sofrerá de algum problema mental durante sua vida. Com a pandemia, é absolutamente expectável que esta realidade tenha adquirido um carácter ainda mais complexo.» Assim, a saúde mental tem que «ser uma prioridade para as empresas, sendo uma problemática que deve ser desmistificada e abordada sem tabus, com frontalidade, com seriedade, com empenho e determinação».
Na Fidelidade, a saúde mental tem constituído uma das preocupações essenciais, sendo alvo de monitorização regular. «No sentido de conhecermos o impacto da pandemia em termos da saúde mental, realizámos recentemente um inquérito aprofundado, cientificamente validado pela Universidade de Aveiro, que nos dará uma percepção exaustiva da situação actual», partilha o especialista. «Antecipar os potenciais problemas e abordá-los directamente, através de iniciativas estruturadas em função da realidade, visando, sobretudo, a prevenção, será sempre a forma de actuar da Safemode.»
O esperado regresso
Perspectivando-se que o regresso à presença física nos escritórios se venha a fazer de uma forma gradual e condicionada, para limitar o risco de propagação da COVID-19, na Fidelidade ir-se-ão manter as medidas de higienização pessoal, de equipamentos, de utensílios e instalações de trabalho e sociais, assim como será mantido o “layout” das novas condições de laboração, com distanciamento social, a configuração e ventilação dos postos de trabalho, as barreiras físicas sanitárias instaladas para separação da interacção dos postos de trabalho, a não partilha de ferramentas e utensílios e o fornecimento de adequados equipamentos de protecção individual.
Duarte Nuno Vieira revela que a presença de colaboradores na empresa «será organizada em função das necessidades da empresa, das equipas e das pessoas, estudando escalas ou turnos diferenciados, mantendo-se o processo de identificação e apoio a pessoas em risco, sem criar qualquer estigma ou discriminação». As reuniões presenciais de trabalho ou de qualquer outro tipo, bem como as sessões de formação em ambiente ou espaços fechados, respeitarão o limite máximo de ocupantes e as regras definidas. A movimentação interna e externa na organização deverá ser a «estritamente indispensável», será limitado o número de utilizadores em simultâneo de espaços sociais e de refeitórios e aplicado o Plano de Contingência para antecipar e gerir situações “críticas”. «Não voltará a haver a mesma vivência laboral anterior à pandemia – admite o especialista –, mas saberemos adaptar-nos à nova realidade, e saberemos encontrar, certamente, novas formas de aproximação, novas formas de convívio e de partilha.»
O “selo” de empresa saudável vai ser um diferencial competitivo após a pandemia, afirma o médico. «Diria que constituirá um dos diferenciais mais competitivos e que será um elemento determinante no futuro, representando desde uma maior atractividade a um enorme estímulo reputacional das empresas.» Nesse caminho rumo a uma empresa saudável, «temas e desafios que já estavam na ordem do dia, como o uso crescente da inteligência artificial, da robotização, do chamado ”machine learning”, envolvendo reconfiguração de actividades e de postos de trabalho, a sustentabilidade ambiental, a diversidade, vão ter um destaque ainda maior», acredita.
Em termos de desafios prioritários, Duarte Nuno Vieira perspectiva o redesenhar a organização do trabalho, mantendo a abertura para horários flexíveis e para algum trabalho em casa, com plataformas colaborativas, a criação de espaços híbridos e o estabelecimento de vínculos mais flexíveis com a empresa. «O principal desafio será mesmo o da criação de um ecossistema de participação, capaz de envolver os trabalhadores, as empresas e a sociedade como um todo, com mudança de alguns paradigmas.»
«A saúde nas empresas terá que ser repensada», defende. «A área medicina do trabalho precisa de se adaptar a esta nova realidade e de apoiar ainda mais e melhor a saúde mental, física e social dos colaboradores, afastando de vez o papel redutor da resposta simplista às questões legais e normativas, e contribuindo para que as áreas de Recursos Humanos vejam a saúde com um olhar mais amplo, não se limitando ao plano de saúde e a eventuais benefícios, a um rastreio de parâmetros básicos de saúde e a uma conversa rápida de circunstância com um médico.»
Em jeito de conclusão, Duarte Nuno Vieira faz notar que «é fundamental entender que o que realmente é importante no âmbito da empresa é a prevenção e não o tratamento. No futuro, o bem-estar dos colaboradores estará ainda mais associado à produtividade e ao empenho individual e colectivo do capital humano das empresas. O mundo do trabalho não será mais o mesmo, pepararmo-nos para os novos cenários é também um desafio, fazendo-o hoje na certeza de que as incógnitas são numerosas, e que o evoluir dos acontecimentos pode tornar tudo rapidamente desactualizado.»
Este artigo faz parte do Especial “Saúde no Trabalho”, publicado na edição de Abril (n.º 124) da Human Resources, nas bancas.
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