Entrevista a Ricardo Costa, CEO do Grupo Bernardo da Costa: «Tudo isto se constrói com alguma ambição, muita resiliência e pessoas fantásticas»

Costuma terminar as suas intervenções com a frase «as empresas não são feitas de pessoas; as empresas são as pessoas», que diz muito sobre a forma como o Ricardo Costa empresário, homem, pai, filho, irmão se posiciona na vida. No percurso do CEO do Grupo Bernardo da Costa, as maiores aprendizagens vieram das adversidades, que não foram poucas.

 

Por Tânia Reis | Fotos Nuno Sampaio

 

Ricardo Costa, que faz já parte da terceira geração no negócio de família, foi o primeiro a entrar com um curso superior, mas isso não o livrou de alguns erros. Garante que não inventou a cultura organizacional do Grupo Bernardo da Costa – herdada com orgulho do avô –, mas adaptou- a. E deu-lhe um nome: Departamento da Felicidade. Hoje, não tem dúvidas de que foi a melhor coisa que fez, pois dificuldade em atrair e fidelizar talento é coisa que não sentem.

 

Em 1957, o seu avô cria a Electro Luz Avenida de Bernardo da Costa. Hoje, o Grupo tem 10 empresas, 250 colaboradores e está presente em cinco países. Como se constrói tudo isto?
Até 2004, só existia essa, fundada pelo meu avô, que, em 1979, passou a chamar-se Bernardo da Costa e Filhos, Lda. Eu entro em Janeiro de 2002 e, em 2004, numa visita a uma feira em Madrid, uma empresa espanhola desafia-me a constituir uma nova empresa e a sermos os seus representantes em Portugal.

Dessa visita nasce a Bernardo da Costa – Comércio de Equipamentos de Segurança Electrónica, hoje a empresa mais relevante do grupo e que corresponde a cerca de 70% do volume de negócios. Foi também a partir dela que começam a nascer outros projectos, uns na área de ID [Investigação e Desenvolvimento], como a A-Touch Winwel, ou os de internacionalização, primeiro em Moçambique, depois em Cabo Verde, Brasil e Espanha – que ainda hoje se mantêm –, a par dos Camarões. Tudo isto se constrói com alguma ambição, muita resiliência e uma equipa de pessoas fantásticas, que todos os dias dá o seu melhor.

Hoje, o grande objectivo é consolidar alguns dos projectos mais recentes, como a entrada no KuantoKusta e no Doutor Finanças, e a Academia da Felicidade, que pretende democratizar a felicidade em contexto organizacional. Mas sempre abertos a novos projectos que tenham impacto positivo na comunidade. Esse é o meu barómetro quando decido entrar ou não num novo negócio.

 

Lembra-se do que sentiu em 2002, quando integrou o Grupo? Que percepção teve sobre a cultura da empresa?
Lembro-me perfeitamente… até porque cometi vários erros iniciais. É importante dizer que fui a primeira pessoa da família traa entrar no negócio com um curso superior, portanto, vinha com aquela garra de mudar uma empresa com mais de 45 anos em três meses. Pensava que sabia tudo e, como é lógico, “bati contra a parede”, fiz “marcha-atrás” e compreendi que tinha de fazer diferente.

Passei dois anos a perceber o que a empresa fazia. Fui para as obras, acompanhei os electricistas e eu próprio montei aquecimentos e alarmes, para perceber as dores e o que cada um sentia no seu dia-a-dia. Foi a forma de ganhar o respeito deles e perceberem que não estava ali para lhes impor nada ou para ser o tradicional “filho do patrão”, mas sim para os ajudar a evoluírem profissionalmente.

O projecto Bernardo da Costa – Comércio de Equipamentos de Segurança Electrónica também foi uma alavanca para perceberem que era diferenciador, tinha resultados positivos, e isso ajudou a dar credibilidade àquele início de um jovem de 24 anos.

Não esqueçamos que a grande maioria dos trabalhadores andaram comigo ao colo, tinham mais de 30 anos de casa. Na altura, dos 40, 10 eram da família. Havia uma cultura familiar muito forte. Só para lhe dar um exemplo, os membros da segunda geração ganhavam o mesmo, os da terceira geração também, independentemente do que faziam, e tinham mais ou menos as mesmas regalias. Isso ainda hoje me custa, pois gosto da diferenciação positiva e de recompensarmos quem, de facto, merece. Portanto, fui pouco a pouco tentando adaptar-me, mantendo os valores-base daquela cultura.

Tive a sorte de viajar, de conhecer muitas culturas e realidades, e poder ajustar o que trazia de cada uma delas à realidade do Grupo. Não inventei a cultura organizacional, tive a sorte de herdar esse legado que me foi deixado, pelo meu avô e pelo meu pai.

 

Nos nove anos que mediaram até se tornar CEO, que momentos marcantes destaca?
O primeiro momento de que falei há pouco foi marcante, perceber que tinha de dar tempo ao tempo. Outro foi a primeira empresa que criei, em 2004. É o momento profissional mais relevante, não só desses nove anos, mas da minha história enquanto empresário. O ano de 2009 também me marcou, porque foi o primeiro processo de internacionalização, a criação da Bernardo da Costa Moçambique – da qual vendemos a participação em 2013 –, em que cometemos todos os erros possíveis e imaginários. Mas esta aprendizagem serviu para o Brasil, Espanha e Camarões.

Até 2011, destaco ainda a criação da Academia Bernardo da Costa, que nasceu essencialmente para dar formação externa nas áreas em que o Grupo trabalhava, mas também para os colaboradores, com alguns cursos à medida. Desde então, a Academia já formou dezenas de milhares de pessoas, e isso deixa-me feliz. Com a certificação da DGERT em 2015, abrimos o espectro e temos mais de 27 áreas certificadas, formação modular, para desempregados, nas zonas Norte, Centro e Lisboa.

 

Como descreveria a sua forma de liderar em 2011, quando assumiu o cargo?
Estava num processo de transição, queria sempre saber tudo, tomar as decisões todas, e estar dentro da gestão do dia-a-dia. Entre 2009 e 2013, aprendi a delegar e a confiar. Se queria uma empresa maior do que os meus braços, precisava de mais braços, e tinha de lhes dar condições para terem autonomia e responsabilidade. Essa fase foi muito importante na minha evolução enquanto líder.

Por outro lado, em 2011, estávamos no olho do furacão da crise que afectou o mundo, Portugal e, sobretudo, o sector da construção civil. Até 2014 foi um período muito, muito difícil. A empresa de instalações eléctricas foi muito afectada. Ficámos sem 95% dos clientes, que entraram em processo de insolvência e deixaram muito por pagar. Tivemos de reduzir a estrutura e de 40 passámos a 14. Estamos a falar de pessoas com 25, 30 ou 40 anos de casa, pessoas da família, com quem tive de falar individualmente. Felizmente, cumprimos todos os acordos e ultrapassámos essa fase, mas deixou marcas. Em mim, porque foi um processo muito difícil, e também a nível familiar.

No entanto, foram também anos de aprendizagem, demonstrando-me que a única forma de lidar com estes processos é ser o mais transparente e honesto possível, pois as pessoas estão a par de tudo o que está a acontecer. Costumo dizer que não temos segredos para as nossas pessoas. Há quadros espalhados pela empresa com a facturação, margem, etc., e todos têm acesso a essa informação, independentemente da função. Isso depois ajuda-nos, nos momentos bons – que felizmente têm sido mais, dando-nos a oportunidade de distribuir parte dos resultados –, e nos menos bons, pois se tivermos de tomar alguma acção menos positiva, acaba por ser mais facilmente aceite.

 

Isso também fomenta o espírito de equipa?
Acredito que só funciona se estiver tudo integrado. Por isso, quando me perguntam as três características principais de um líder, digo sempre: coerência, consistência e bom senso.

 

Tem afirmado que o tema do bem-estar e felicidade das pessoas já existia desde 1957. Nessa altura, em que cuidar dos trabalhadores não estava no foco, o seu avô já manifestava esse cuidado…
Ele sentia os trabalhadores como uma segunda família e tratava-os exactamente dessa forma: nos convívios que fazia em casa e noutras situações em que os levava numa carrinha às praias mais próximas de Braga, por exemplo. Como sempre digo, esse era o Departamento da Felicidade em 1957, havia essa proximidade e valorização das pessoas, numa época completamente diferente. Isso tinha muito que ver com a forma de ser do meu avô, mas também da minha avó, que, apesar de não fazer parte da empresa, era o pilar dele e estava sempre presente. Vejo o carinho com que os trabalhadores mais antigos ainda hoje falam dela.

 

Foi esse espírito que o levou a criar um Departamento da Felicidade, em 2017?
Já o sentia antes, pois passei muitos dias na empresa em criança e adolescente, mas quando entrei, entendi-o melhor e tentei dar um pouco o meu cunho pessoal a esta cultura que herdei e à qual sou eternamente grato. O Departamento da Felicidade surge nesse contexto. Por um lado, da junção do que já vinha de há muitos anos com algo disruptivo, quando percebi que havia um Ministério de Felicidade em Abu Dhabi. Ora, se um país teve a coragem de criar um ministério que cuidasse dos seus cidadãos, porque não uma empresa ter um departamento que cuide dos seus trabalhadores?

Uma das coisas que se associa muito ao Departamento da Felicidade são as viagens onde fomos com as equipas, para México, Cuba, Jamaica, etc., mas elas já existiam desde 2014. Este departamento surge como uma consequência, quase como um chapéu, para um conjunto de benefícios que já tínhamos. Simplesmente, decidimos estruturá-los num departamento, com uma pessoa responsável e um orçamento anual, para ser igual aos outros.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Fevereiro (nº. 158) da Human Resources, nas bancas. 

Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

Ler Mais