Entrevista a Paulo Barradas Rebelo, Bluepharma: Amor e verdade como critérios primordiais de gestão

Há 20 anos que Paulo Barradas Rebelo está à frente daquele que é um sonho tornado realidade: a Bluepharma. Acredita que é a solidariedade que o distingue enquanto líder, garante que é nas pessoas que centra a sua gestão, e não abdica de dizer a verdade.

 

Por Ana Leonor Martins | Fotos Nuno Carrancho

 

Um conjunto de amigos com o sonho de contribuir para o bem das pessoas, em primeiro lugar, e para o bem do País e da sua economia, não deixou Coimbra ver perder mais uma indústria, gerando, em consequência, mais desemprego, e adquiriu a farmacêutica alemã Bayer. Encarado com um ímpeto maior, quando surgiu a oportunidade, Paulo Barradas Rebelo, Sérgio Simões, Maria Isolina Mesquita e Miguel Silvestre avançaram «de forma muito natural, numa época em que ainda muito pouco se falava de empreendedorismo em Portugal, muito menos de inovação». Volvidas duas décadas, o sonho é agora um grupo constituído por 20 empresas e 750 pessoas, «uma conquista que não foi feita da noite para o dia» e com muitas dores de crescimento. Mas que têm valido todas a pena.

 

Tem-se referido à criação da Bluepharma como uma história de sonho, empreendedorismo e resultados. Como é que começou esse sonho e como é que passou à realidade?
Sem dúvida uma história de sonho, mas um sonho de um conjunto de amigos que tinham a mesma visão e perspectiva para o mercado de medicamentos, o mesmo sentido de urgência, espírito de missão e de compromisso.

Acreditámos que a indústria Farmacêutica e o sector dos medicamentos genéricos, ao estarem na primeira linha da democratização da utilização destes bens essenciais à humanidade, poderiam dar um valioso contributo à reindustrialização do País, promovendo mais e melhor emprego, numa área de alta tecnologia e potenciando o sistema científico nacional.

Conhecendo muito bem o sector do medicamento, instalou-se uma inquietude perante a realidade à nossa volta, e a semente para o sonho de contribuir para um acesso melhor e mais barato a medicamentos de qualidade em Portugal estava lançada. Sabíamos que tínhamos de fazer alguma coisa: contribuir para o bem das pessoas, em primeiro lugar, e para o bem do País, reduzindo a sua despesa e aumentando as exportações e, definitivamente, colocando os medicamentos em Portugal ao serviço dos doentes a um custo acessível. E se as coisas nos corressem bem, o sonho escondido era contribuir para lançar no mercado um medicamento inovador para uma necessidade não satisfeita.

Comungavam desta perspectiva o Sérgio Simões, a Maria Isolina Mesquita e o Miguel Silvestre, vice-presidentes e co-fundadores da Bluepharma, e quando a oportunidade surgiu, agarrámo-la. Um dia, estava a tomar café e vi que a farmacêutica alemã Bayer estava a colocar à venda a unidade que tinha em Coimbra. Fomos visitá-la e percebemos que era ali que podíamos dar vida ao nosso sonho. Sentíamos a responsabilidade de contribuir para o País e para a cidade de Coimbra, que não podia perder mais uma indústria, gerando, em consequência, mais desemprego. Adquirimos esta unidade e, em 2001, o nosso sonho ganhava vida.

 

De onde vem esse espírito empreendedor e porquê a escolha da área farmacêutica?
Foi o exemplo da minha mãe, que me inspirou com o espírito empreendedor, com o sentido do fazer e do tempo. Ensinou-me que vale a pena alimentar o sonho, porque o tempo passa e é nesta passagem que alcançamos os nossos sonhos.

Depois, empreender em conjunto foi uma resposta natural a algo que tinha de acontecer. Foi um ímpeto maior do que nós. Tinha de ser. Existia o conhecimento, todos nós tínhamos passado pela Universidade de Coimbra e a maioria era licenciada em Ciências Farmacêuticas. Tínhamos vidas profissionais ligadas ao medicamento através da farmácia, da distribuição e da indústria farmacêutica, e também, muito importante, ao associativismo bem-sucedido, onde adquirimos a confiança necessária para abraçar um projecto como este.

Quando surgiu a oportunidade, avançámos de uma forma muito natural, numa época em que, de facto, ainda muito pouco se falava de empreendedorismo no nosso país, muito menos de inovação, e com índices fraquíssimos de exportações.

 

Quais as principais conquistas que identifica nestas duas décadas de Bluepharma?
Numa retrospectiva mais alargada, o facto de termos começado com 58 pessoas e sermos, 20 anos depois, um grupo constituído por 750 pessoas altamente qualificadas e muito motivadas, inseridas em 20 empresas, que entretanto criámos, que permitem fornecer mais de 100 outras empresas entre as principais multinacionais farmacêuticas que operam na área dos medicamentos genéricos, e exportar para mais de 40 países, é, sem dúvida, a nossa maior conquista.

Uma conquista que não foi feita da noite para o dia, em que sofremos as dores de crescimento de qualquer organização que se reja por critérios de rigor, qualidade e compromisso, mais ainda numa área tão difícil quanto a nossa, com muitos condicionalismos, altamente complexa e regulamentada, muito competitiva e permanentemente dependente do erário publico e de políticas nem sempre coerentes.

A primeira década foi a fase da reestruturação da empresa, do desenvolvimento e de lançar os principais pilares da produção, da investigação e desenvolvimento e da comercialização de medicamentos. A segunda década foi o tempo de consolidar as equipas, consolidar os clientes nas diferentes geografias e crescer. Fomos acompanhando de forma muito interessante o mercado e o desenvolvimento que Portugal teve, que é assinalável, na área do medicamento. O ano de 2021 marca a entrada na terceira década de existência, uma fase pautada pela aceleração do nosso crescimento.

 

O sector também evoluiu…
À data da nossa fundação, em Portugal, apenas 0,13% dos medicamentos vendidos nas farmácias eram genéricos, número que actualmente ascende aos 48,7%, segundo dados do Infarmed. As pessoas têm hoje mais acesso a medicamentos de qualidade, o que se reflecte na sua saúde e no seu bem-estar, e isto não é uma questão menor, é sem dúvida uma grande conquista e, claro, temos orgulho do papel que tivemos, estando hoje já entre as 300 maiores empresas exportadoras a nível nacional, com praticamente 90% da nossa produção a ser absorvida pelo mercado externo.

 

Falou das dores de crescimento… Quais foram as principais?
Vencer a resistência de um país que não gere com o sentido do bem comum e que olhava com desconfiança para os medicamentos genéricos foi, sem dúvida, um dos nossos principais desafios. Um caminho tortuoso. Romper com a percepção negativa que o País tinha em relação à indústria e aos medicamentos genéricos exigiu sempre de nós muita coragem.

 

Promover mais e melhor emprego está, como já partilhou, na vossa génese. É um objectivo que continua a assumir importância para a terceira década de existência?
Na origem do projecto esteve sempre a intenção de contribuir para o bem comum de toda a sociedade, para os doentes, para o País e para a sua economia, o que passa forçosamente pela criação de emprego. Falamos de uma época em que muitas indústrias abandonaram a sua actividade em Portugal. Mais de meia centena de pessoas com um elevado grau de conhecimento e especialização corriam o risco de ficar sem emprego.

Por isso, sim, o nosso sentido de responsabilidade social passa por sermos uma empresa fortemente empregadora. Centramo-nos nos outros e não no nosso umbigo. As últimas duas décadas são prova disso mesmo, crescemos muito ao nível da criação de emprego qualificado, passando de 58 colaboradores para 750, dos quais 130 são cientistas, e vamos continuar a crescer. Temos, neste momento, a melhor equipa de sempre em termos humanos, profissionais e motivacionais.

Este ano, anunciámos o nosso plano estratégico de crescimento para a próxima década, a que chamámos Bluepharma Acelera 2030, que envolve a renovação da actual fábrica, a construção de uma nova fábrica e o Bluepharma Park, um projecto ambicioso que dará origem ao maior parque tecnológico do cluster farmacêutico, a nível nacional, numa área total de 6,5 hectares.

Novos projectos são acompanhados da necessidade de mais capital humano, e, por isso, só este ano, estamos a contratar mais 100 pessoas. A nossa previsão é chegar aos mil colaboradores até 2025. Pretendemos integrar novos talentos para diversas áreas de especialidades, como a investigação e desenvolvimento, a produção de medicamentos e a logística, bem como as áreas congéneres com estas. Assim teremos, nos próximos anos, lugares para farmacêuticos, químicos, bioquímicos, engenheiros e ainda nas áreas da contabilidade, gestão e comercial.

 

Passar de 58 para 750 colaboradores trará desafios acrescidos. Neste âmbito, que prioridades assume?
Verdade, crescimento rima com desafios. Aumentar exponencialmente o número de colaboradores apresenta como principal responsabilidade a manutenção da qualidade da empresa e do seu trabalho. As pessoas são o principal activo para manter a reputação da empresa junto dos seus parceiros, para que estes continuem a olhar para a Bluepharma como um parceiro de confiança e que lhes traz valor.

Para isso, há que manter a identidade e a cultura da empresa, algo que precisamos de garantir a cada nova contratação. Somos uma empresa que assenta no valor das pessoas, da inovação, do profissionalismo e da competitividade, e manter estes princípios em período de forte crescimento é uma prioridade absoluta para a Bluepharma.

Impõe-se assim o desafio da liderança. E talvez seja este o principal desafio. Liderar significa comunicar e falar verdade. Se tivermos foco, sonho e paixão e soubermos comunicar, as pessoas envolvem-se e fazem milagres. Se perceberem a missão para a qual estamos a trabalhar, uma missão centrada nos outros, que a todos toca, temos colaboradores motivados e apaixonados a fazerem do nosso o sonho de todos.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Agosto (nº.128) da Human Resources, nas bancas.

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