Estarão as organizações a escutar os seus colaboradores da forma mais eficaz?
Nos últimos anos, tem havido uma revolução do mercado de trabalho sem precedentes. As novas gerações têm trazido um conjunto de desafios que obrigaram uma grande parte das organizações a readaptarem-se e a alterarem a sua proposta de valor enquanto entidade empregadora, de forma a conseguirem manter-se competitivas na atracção e retenção de talento. As necessidades, expectativas e níveis de exigência são significativamente diferentes e requerem que as organizações escutem, de forma mais regular, os seus colaboradores. No entanto, coloca-se a questão: estarão as organizações a fazê-lo da forma mais eficaz?
Por Henrique Umbelino, Career associate da Mercer Portugal
A maior parte das abordagens utilizadas no período pré-pandemia provavelmente não serão as mais adequadas. Para garantir que os colaboradores se sentem ouvidos e envolvidos, é necessário que estes processos de escuta sejam mais ágeis, empáticos, responsivos e visem resolver desafios reais da organização. Antes de lançar qualquer estudo, deverá conseguir responder de forma clara a três questões.
Quais os principais desafios na sua organização?
Muitos líderes tentam frequentemente obter feedback com o intuito de compreender, de forma mais profunda, as principais preocupações dos colaboradores. No entanto, fazem-no, com frequência, sem identificar as prioridades da organização. É muito importante, quando se projectam programas de escuta aos colaboradores, começar por dar enfoque às prioridades de negócio. Estas são algumas questões que poderão ajudar nesta reflexão:
- Quais são os principais desafios, internos e externos, que a organização tem actualmente ou prevê ter no futuro?
- Quais são as principais prioridades estratégicas para este ano? E para os próximos 5/10 anos?
- Como está a correr, em termos operacionais, o trabalho híbrido?
- De que forma a organização está a preparar-se para o futuro do trabalho?
- Quais as principais prioridades para os temas de pessoas na organização?
- Quais as principais preocupações dos colaboradores?
Ao explorar as respostas a estas questões, as organizações terão a capacidade de perceber os temas prioritários a explorar nos seus programas de escuta aos colaboradores e perceber as ferramentas mais adequadas a utilizar.
De acordo com estudo Global Talent Trends, realizado pela Mercer, a gestão de riscos como o turnover, burnout, inflação, modelo de trabalho híbrido, perda da cultura organizacional e a colaboração constituem as principais preocupações das organizações a curto prazo. Numa perspectiva a médio prazo, destaca-se a redefinição da experiência do colaborador nas áreas compensação e benefícios, bem-estar inclusão e diversidade, sustentabilidade e liderança. Já a longo prazo, o principal desafio passa pela preparação da organização para o futuro do trabalho, nomeadamente através do mapeamento de competências de futuro, compreensão de como será o futuro do trabalho, identificação das principais características dos líderes de futuro, redefinição das estruturas organizacionais e cultura e da identificação das futuras tipologias de contrato dos colaboradores.
Quais as melhores ferramentas para escutar os colaboradores?
As organizações assumem frequentemente que a melhor forma de ouvir os seus colaboradores é através de pulse surveys, no entanto, nem sempre assim é. Os pulse surveys são uma excelente ferramenta para medir comportamentos/opiniões sobre temas conhecidos empiricamente. No entanto, quando se pretende trabalhar temas novos ou ambíguos, é mais frutífero utilizar ferramentas que permitam recolher dados qualitativos de forma a gerar melhores insights.
Se considerarmos a variedade e complexidade de temas que ocorrem ao longo de toda a jornada do colaborador, é fácil compreender que a melhor abordagem deverá passar pela utilização de várias ferramentas, consoante a necessidade/tema a trabalhar. Em reuniões individuais ou de equipa, os managers poderão tentar medir o pulso dos seus reportes directos e tentar perceber quais os principais desafios que estão a enfrentar de momento. Focus group digitais ou reuniões online são ferramentas úteis para discutir temas em que precisemos da opinião de colaboradores dispersos geograficamente. Por fim, os pulse Surveys permitem, entre muitas outras coisas, avaliar a eficácia da resposta da organização em questões emergentes.
Deste modo, a forma e o timing com que se ouve os colaboradores é algo relevante a ter em consideração.
O estudo de clima, por exemplo, é uma das abordagens possíveis, sendo uma forma robusta de ouvir e compreender as percepções, através de um questionário multidimensional que explora os diferentes eixos da experiência do colaborador. Este estudo deverá ser lançado para toda a organização, anualmente ou a cada 18 meses. Já os pulse survey podem ter uma cadência predefinida, que tornam ágil a auscultação dos colaboradores sobre temas estratégicos para a organização. Deverão ser realizados trimestralmente para ter dados sobre as prioridades organizacionais e para avaliar os vários momentos da experiência do colaborador, podendo ser lançado para uma população específica ou para toda a organização. Outra alternativa passa pelos focus group digitais, que consistem numa conversa interactiva baseada numa plataforma digital parametrizada para o efeito, que permite às organizações retirar insights em tempo real de uma amostra significativa de pessoas. Este tipo de abordagem apenas é relevante quando existe a necessidade de ter insights mais profundos sobre um determinado desafio da organização, devendo ser lançado para uma população específica. Por sua vez, poderá ser realizado um EVP, que consiste num diagnóstico integrado que contempla a análise das várias dimensões que compõem a Employee Value Proposition, recorrendo a diferentes lentes de pesquisa e análise. Esta ferramenta deverá ser utilizada de dois em dois anos ou quando existirem mudanças consideráveis na organização que impliquem revisitar e redefinir a EVP.
Como transformamos os resultados em ações concretas?
Determinar quem deve participar nos vários estudos é um critério de extrema importância, com impacto no sucesso dos mesmos. Fazer as perguntas certas às pessoas erradas, no momento errado, para além de gerar maus dados, pode criar frustração aos colaboradores. Por esse motivo, é crucial tentar perceber qual a frequência ideal para realizar estudos na organização.
Posteriormente, é necessário perceber qual o impacto destes estudos nos participantes. À medida que a implementação dos pulse surveys se torna mais comum e regular, as organizações podem correr o risco de quererem trabalhar demasiados temas e criar um peso adicional aos colaboradores, gerando perda de impacto e desinteresse por parte dos mesmos.
Adicionalmente, é fundamental haver alinhamento entre as várias equipas envolvidas e as lideranças/decisores, para que os estudos tenham o impacto pretendido. Antes de realizar algum estudo, é necessário considerar a disponibilidade dos líderes, dos managers e dos colaboradores para participar nos mesmos e perceber se a organização tem capacidade para trabalhar sobre os resultados e criar planos de acção concretos, que não defraudem as expectativas dos colaboradores.
Ao ter em conta quem deve participar no estudo, qual o impacto que se pretende causar nos participantes e se existe buy-in por parte dos participantes, pode iniciar-se o processo de mudança, começando por definir de forma clara o problema. A segunda fase passa por desenhar a solução adequada, seguida pela terceira e última fase, que passa por activar a solução para causar máximo impacto.
O processo descrito atrás deve ser utilizado de forma cíclica até gerar o impacto pretendido.
Assim, e tendo em conta a volatilidade existente no mundo corporativo, é importante ser ágil a trabalhar os resultados gerados pelos estudos realizados pela organização e devolver aos colaboradores os próximos passos, acções a implementar ou mudanças na organização. Esta partilha poderá ser feita através de um simples e-mail, partilha dos resultados e do plano de acção via infográfico, flash-reports, micro-learnings, entre outros.
Como é que fazemos evoluir a nossa organização?
É do conhecimento geral que a pandemia impactou por completo a experiência do colaborador, desde a forma de trabalhar, colaborar, até à forma comunicar com os colegas e com os clientes. Por esse motivo, e tal como referido anteriormente, é normal que as expectativas dos colaboradores também se tenham alterado. Quando estas expectativas são defraudadas, existem movimentos como o “quiet quitting” ou elevados valores de turnover.
Assim, tendo em conta todas as mudanças que têm vindo a ocorrer e o impacto que as mesmas têm tido no mundo corporativo, é fundamental considerar o nível de preparação da organização para o futuro do trabalho. Será que a proposta de valor da sua organização continua a ser competitiva? Será que o seu pacote de compensação e benefícios está alinhado com as novas expectativas dos colaboradores? Estará a dar a relevância correcta aos temas do bem-estar dos seus colaboradores? Estarão os seus líderes e managers preparados para gerir estes novos desafios? Qual o impacto da automação, robotização e introdução de novas tecnologias no desenvolvimento de talento e na sua estrutura organizacional? Quais os aspectos da sua cultura organizacional que deverá deixar cair, manter e fazer evoluir?
Estas são apenas algumas questões que poderão ajudar a definir a sua estratégia de escuta activa e tirar maior proveito da opinião dos seus líderes, managers e colaboradores e, conjuntamente, chegarem a novas soluções que visem ir ao encontro dos desafios que vão surgindo na organização e no seu ecossistema.