Estratégia de RH – para que te quero: as lições de Carl von Clausewitz

“Da Guerra”, de Carl von Clausewitz, deixa-nos importantíssimos contributos sobre estratégia e táticas que transcendem o campo militar, aplicando-se amplamente ao mundo corporativo. Neste artigo, e num exercício interpretativo, enuncia-se como é que os princípios de Clausewitz podem ser refletidos na estratégia de gestão de pessoas.

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

Clausewitz defende que qualquer estratega deve estar permanente “preparado para a guerra”. Tantas vezes se constata que aquele que trata da gestão de pessoas, por exemplo no que se refere a aprendizagem contínua, “em causa própria” nem sempre aplica, a si mesmo, os mesmos princípios. Significa este alerta que os gestores de pessoas têm de estar permanentemente atualizados, em aprendizagem, e serem catalisadores de mudança o que não serão se não o fizerem também em causa própria. Mas também poderá significar que deve estar habilitado a realizar análises detalhadas dos dados de RH, procurando compreender tendências, e a identificar problemas e oportunidades de melhoria, sobretudo no serviço das competências de apoio ao negócio, para o que dominar ferramentas de análise de dados e analytics é crucial. Em cenários macroeconómicos cada vez com mais “fricção e nevoeiro”, Clausewitz também assinala a inevitabilidade dos imprevistos e das dificuldades, o que mais reforça a necessidade de estar preparado – veja-se, a título exemplificativo, o que aconteceu com a pandemia Covid 19, em que a maioria de nós não estava preparado para, de repente, passar a teletrabalhar. Ter capacidade de adaptação rápida às mudanças do mercado e à expressão das necessidades dos colaboradores, com processos ágeis que permitam ajustes rápidos, é cada vez mais importante em RH e noutros campos da gestão.

Quem gere não pode ter a veleidade de tudo controlar, de tudo conhecer, a propósito do que Clausewitz alerta que o foco deve ser o “centro de gravidade”, que é imprescindível, fundamental e deve por todos ser percebido como importante. Assim sendo, RH deverá atender a todos, todos servir, mas ter uma concentração de atenção e respostas para os colaboradores e posições chave – aqueles essenciais para o sucesso da organização, tendo planos específicos para atração, desenvolvimento e satisfação destes colaboradores. Não se defende uma atenção exclusiva, e sobretudo que hipoteque o cuidado e atenção dado aos outros, mas merece uma reflexão de quanto perdemos, ou deixamos de ganhar, cada vez que perdemos um colaborador crítico.

Compete a RH assegurar que as políticas e práticas de RH estão alinhadas com a estratégia global do negócio e participar ativamente no planeamento estratégico da organização. Para tal, terá de ter influência e segurança, que pode advir das decisões certas, no momento certo e que respondem aos objetivos do próprio negócio. Para tal é importante, como já referido, um conhecimento exaustivo dos territórios – interno e externo, bem como o domínio da ”política corporativa” e mover-se bem nesse meio, o que também é destacado por Clausewitz, que reforça a importância da moral e da liderança. RH têm a responsabilidade acrescida de ter de liderar projetos, processos e mudanças, e ser promotor da liderança eficaz em todos os campos e domínios da organização, e ainda ser corresponsável pela implementação de iniciativas promotoras de bem-estar e engagement.

Clausewitz ainda destaca muitas outras questões que igualmente se entendem pertinentes para os domínios da Gestão de Pessoas, como por exemplo: direcionar recursos para áreas e iniciativas que terão maior impacto no desempenho organizacional, utilizando “data analysis” para guiar estas decisões; concentrar esforços em projetos estratégicos e não só no day-by-day; garantir que as políticas de RH são tanto teóricas (aquelas, só de powerpoint) quanto praticáveis, alinhando-as com as necessidades reais da organização e do mercado, apostando também numa avaliação contínua dessas políticas; identificar momentos-chave, quer para processos (ex: gestão do desempenho) quer para envolvimento (ex: comemorações) com iniciativas de alto impacto (o que Clausewitz refere como “uso do golpe decisivo”) entre outras sugestões.

Pode parecer “forçada” a análise que aqui se apresenta, mas ao ler o livro, e se os óculos com que o fazemos for os da Gestão de Pessoas, parece, o discurso do autor, evidentemente aplicável a esta área da gestão, dado que tudo faz sentido e parece ser um “norte” interessante. Se defendermos que a posição do gestor de pessoas deve ser estratégico, em “Da guerra” encontramos poderosos fundamentos para esta posição – ou não seja uma verdadeira guerra a que todos os dias travamos para ter connosco os melhores recursos – os tais de “talento”.

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