Estratégia procura Cultura para relação séria

Por Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders


“Culture eats strategy for breakfast”
Peter Drucker

Estratégia, essa buzzword essencial no jargão da gestão e da liderança… Pode-se definir como uma forma de pensar e “desenhar” um futuro desejado, com um processo decisório próprio, envolvendo a análise de variáveis-chave. Representa o caminho que queremos trilhar, para atingirmos o nosso objectivo primordial. Representa uma escolha do que fazer (onde aplicar o nosso tempo, talento e energia)…mas também do que não fazer. Formulações e frameworks de estratégia existem muitos, e variados – evoluindo em complexidade ao longo dos tempos. Michael Porter, professor e consultor de Harvard, deu talvez o grande contributo das últimas décadas com o seu conceito de “vantagem competitiva” – como ponto de partida para a sua construção. Podemos, a nível empresarial, pretender uma estratégia de crescimento nos mercados A ou B; ou uma estratégia de diversificacação de linhas de produtos ou serviços; ou de inovação, fazendo valer algumas das nossas competências distintivas. Ou de refocalização (e possível downsizing na estrutura) em alguma actividade core. A grande questão, que deve ser sempre equancionada, é se temos um capital humano preparado para esses desafios. E, como muitos têm apontado, na evolução de uma organização empresarial, e no processo de realizar a sua missão e perseguir a sua visão, existe algo bem mais determinante que a estratégia: a cultura organizacional.

Cultura é, como sabemos, o conjunto de valores, crenças, práticas enraizadas, hábitos e ‘formas de fazer as coisas’ que caracterizam uma organização e a distinguem das outras. Nomeadamente, no que diz respeito à liderança, tomada de decisão, como se enfrenta a incerteza e a mudança, como se lida com o conflito e como se valorizam as pessoas – e que condicionam o alinhamento (fit) organização – indivíduo. Revela-se também nas percepções sobre o que é incentivado, recompensado, reforçado ou “punido”. Existem várias tipologias de culturas e mapeamentos diversos que as caracterizam em vários atributos – por exemplo, mensurando a flexibilidade vs rigor, ou o foco interno vs externo. Ou ainda o foco nas pessoas ou na performance/ resultado. O modelo de Quinn & Cameron defende que as organizações se podem categorizar (ou combinar características) de quatro tipos principais de cultura organizacional:

  • Clã – enraizada na colaboração, vê a organização como uma grande família, coesa e envolvida; a liderança assume a forma de mentoring (com algum paternalismo) e a organização está vinculada a compromissos e tradições; os valores estão enraizados no trabalho em equipa, no consenso e na construção de relacionamentos sólidos com todos os stakeholders;
  • Adocracia – baseada na energia e na criatividade, os colaboradores são incentivados a assumir riscos e os líderes são vistos como inovadores ou empreendedores; a organização é mantida unida pela experimentação, com ênfase na liberdade individual, com os valores centrais baseados em mudança e agilidade;
  • Mercado – construída sobre a dinâmica da competição e da forte orientação para resultados; o foco é voltado para as metas, com liderança dura e exigente; a organização está unida pelo objetivo comum de vencer e bater os rivais;
  • Hierárquica – baseada na estrutura e no controlo; o ambiente de trabalho é formal, com procedimentos rígidos de orientação, com a liderança baseada na coordenação e na monitorização, com uma cultura que valoriza a eficiência e a previsibilidade.

Não existem modelos perfeitos ou imperfeitos a priori. Ou one-size-fits-all. Depende do que pretendemos atingir (estratégia) e de que modo a nossa realidade cultural actual favorece (ou bloqueia) esse propósito. Conheço várias empresas “clã” (muitas delas de raíz familiar) que estão num processo de realinhamento cultural para traços de “cultura de mercado” – com maior flexibilidade, competição interna e meritocracia. Como conheço empresas que nasceram e cresceram num paradigma de adocracias (ex: na área da tecnologia) que pretendem agora ser um pouco mais “Clã” – estruturando processos que favoreçam o bem-estar e mitiguem o carácter pressionante do seu modelo de negócio e crescimento acelerado.

Em suma, uma visão, missão e estratégia devem estar suportadas em culturas apropriadas à sua concretização…e que sejam sustentáveis no tempo.