Falemos de futebol – do futebol de rua à gestão de pessoas

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

Futebol é tema recorrente por estes dias, já que uma das maiores competições da modalidade, se iniciou e, na mesma, é depositada grande parte das aspirações de dias melhores (e note-se que se escreve este texto, dias antes do primeiro jogo da seleção das quinas). Nunca fui fervorosa adepta de tudo o que anda à volta do futebol, embora me entusiasme sempre com a emoção, paixão e lições. Procurando pensar e ajustar, dei por mim a lembrar como era o futebol quando o conheci e que lições dali podia tirar para a Gestão de Pessoas – acreditando sempre que sobre as lições do passado, podemos fazer um melhor futuro.

O futebol a que me refiro foi o que conheci na rua, nas tardes de brincadeira quando era criança, que ocupava a ver os rapazes a jogar – sim, porque à época, as meninas não jogavam futebol, muito menos na rua, e as brincadeiras de moça, a mim, maçavam-me. Talvez seja da falta do cheiro das sardinhas dos Santos, mas recordo-me das tardes de verão a ver os meninos nas futeboladas, e hoje penso nas lições que trouxe para a forma como entendo a gestão de pessoas – e porque é também outra forma de viver o futebol.

Mas qual a relação entre a gestão de Pessoas, equipas e trabalho, e o futebol de rua? Todos desejamos estar nas “dream teams”, e se estivermos entre os melhores, mais possibilidades teremos de crescer e nos desenvolver – mas também temos de ter a responsabilidade de desenvolver os outros que nos acompanham e de perceber que os percursos têm tempos, oportunidades e vontade, não se fazendo de um dia para outro. Por outro lado, sabemos que o desempenho passado determina as oportunidades no presente, e isso pode constituir um extraordinário estímulo.

No futebol de rua, os dois considerados “os melhores” – e assim o eram por força dos coletivos, escolhiam as suas equipas e não podiam, eles mesmos, estar na mesma equipa. Via-se nos pulinhos e na nervoseira dos restantes, para que equipa cada um queria ser escolhido e por vezes o empenho era tanto que dava uns quantos joelhos esfolados. Ser escolhido pelo “craque” era suficiente para “dar tudo”, para arriscar e merecer essa honra e assim, paulatinamente, as competências iam melhorando – ter a oportunidade, em cada tarde de jogatana, e aproveitá-la independentemente do que viesse no dia seguinte. Que vemos aqui de gestão de pessoas? Reconhecimento, empenho e envolvimento, desenvolvimento, justiça jogada dia-a-dia, processos de seleção, employer branding, e tantos temas que nos preenchem os dias e por isso entendo a analogia como interessante.

Mas nem sempre eram os melhores jogadores a formar as equipas – por vezes um deles era o dono da bola, e o primeiro a ser escolhido era o amigo ou o vizinho, e não necessariamente um bom jogador. Mas quem não tinha bola, aceitava, seguia e fazia o seu papel, porque todos tinham um papel – era assim, e raramente isso gerava conflitos ou atritos. A avaliação era pública e ser escolhido por último era uma humilhação. Hoje sabemos que existem espaços e tempos próprios para esclarecer contributos aquém das expectativas, mas a verdade é que essa humilhação por vezes também era lição e despoletava determinação, esforço e superação. Reconhecer o mérito é hoje uma boa prática e esse é um caminho que se tem vindo a desbravar já com muitas conquistas, mas há ainda muita impreparação para lidar com quem dá “apenas os mínimos” e nem todos assumem a responsabilidade de contribuir diariamente para a sua própria melhoria, assim como para a dos outros – e não é necessário ter cargo para o fazer ou estar no scope das suas funções. De facto, sempre existirão uns melhores do que outros, e todos se acomodarão nas estruturas. É bom que nunca ninguém queira ser o último a ser escolhido (já aceitar, é outra coisa diferente), ou que fique na baliza por ser o “gordo”, mas que tenha plena consciência de quem é e do que dá, bem como do valor que tem e pode ter/dar. Claro que pode estar sempre a competir com o amigo ou com o vizinho, mas, o que não nos cabe mudar, ou aceitamos e seguimos, ou vamos “jogar outro jogo”, porque há muitos caminhos onde podemos realizar-nos.

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