Flash Talk: «O grande desafio no Turismo são as pessoas»

Portugal é o destino da moda e atrai milhões de turistas todos os anos. Mas, embora tenham sido dados passos decisivos para o sucesso do turismo nacional, a falta de profissionais é um problema real e um dos desafios que o sector tem pela frente nos próximos anos para manter-se na linha da frente. 

Por Ana Rita Rebelo

Em entrevista à Human Resources, Cristina Siza Vieira, CEO da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), faz o balanço dos dois primeiros anos da academia de formação da AHP e as contas às necessidades da hotelaria portuguesa. Explica também o que pode e deve ser feito para fazer face à escassez de recursos humanos e ao elevado turnover.

 

A academia de formação da AHP trouxe resultados visíveis?

A academia formou, em apenas um ano e unicamente em quatro regiões, mais de três mil profissionais. Sem qualquer dúvida, a AHP Hotel Academy é a maior academia de formação de hotelaria de Portugal. O nosso principal objectivo consiste em operacionalizar a formação AHP em locais de diminuta oferta formativa e, por norma, geograficamente mais distantes dos grandes centros, e tais desafios têm sido cumpridos, como é exemplo a formação já ministrada em Sines, Odemira, Vidago, Chaves ou Celorico de Basto, entre tantos outros locais.

Qual o foco?

A AHP Hotel Academy arrancou com cursos de 25 e 50 horas, inseridos em projectos de formação modular, que abrangem três áreas de formação: línguas estrangeiras, soft skills e operação. No entanto, a oferta formativa não se destina somente a colaboradores e quadros médios, mas também aos altos quadros da hotelaria. Exemplo disso é o programa de formação de executivos criado pela AHP – o AHP Luxury Executive Program – cuja primeira edição ocorreu em 2018, e de recentes novidades lançadas em Abril, como a Formação Inicial de Formadores e o Curso Intensivo de Gestão de Hostels, Guesthouses & Estabelecimentos de Hospedagem, dirigidos aos gestores,  empresários e investidores, que tiveram a sua primeira edição no primeiro semestre de 2019.

Numa altura em que muito se fala sobre uma possível substituição dos humanos por robôs, é uma preocupação?

De todo, pode haver simplificação de processos, mas o futuro na hotelaria, tal como o presente, passará sempre pelas pessoas.

Como é que se convence os trabalhadores a apostar na formação/actualização de competências? A dificuldade que existe deve-se ao desinteresse destes ou são as empresas que não os envolvem devidamente?

No caso da AHP Hotel Academy, tanto as empresas como os colaboradores estão muito envolvidos. Só assim é que conseguimos alcançar um número tão elevado de formandos e em tão pouco tempo. Só para perceber o grau de envolvimento, muitas vezes são os próprios colaboradores que vêem a divulgação dos cursos nos vários canais de divulgação da AHP e os sinalizam nos departamentos de recursos humanos dos hotéis. Temos desenvolvido um trabalho conjunto muito interessante e muito gratificante para todos.

A falta de formação neste sector continua a ser o maior entrave à subida dos salários?

Temos profissionais muito qualificados na hotelaria, mas a formação é um trabalho in continuum. Quando analisamos os salários no sector, temos de saber diferenciar os salários da hotelaria dos da restauração. O INE coloca tudo «no mesmo saco», mas são realidades completamente diferentes. Segundo uma análise da AHP, os salários praticados pelos nossos associados, empresas hoteleiras, em 2018, rondaram os 1150 euros brutos, excluindo subsídios, designadamente de alimentação, e prémios sem carácter certo e permanente, enquanto na restauração se verifica uma forte incidência de salários mínimos, o que vai impactar a média quando se junta restauração e hotelaria.

Ainda sobre os salários: porque é que existe um diferencial tão grande em Portugal em relação a outros países, nomeadamente europeus?

O diferencial que existe entre Portugal e outros países nada tem a ver com a hotelaria. Em todos os sectores da actividade esse diferencial é sentido. Começa logo pelo salário mínimo nacional. A média europeia situa-se nos 792 euros mensais e o nosso é de 600 euros.

O crescimento do turismo em Portugal gerou impactos em várias frentes. Um dos efeitos fez-se notar, por exemplo, nos recursos humanos. Da realidade que conhece, a escassez de mão-de-obra em hotelaria – em quantidade e qualidade – é um crítica atendível? 

Existe de facto falta de recursos humanos, mas que é transversal aos vários setores da nossa economia. Naturalmente que o crescimento tão acentuado do turismo fez com que fosse necessária mais mão de obra. Quanto mais turistas temos, mais precisamos de pessoas para os receber.

O grande desafio no Turismo são as pessoas. Há falta geral de recursos humanos e está a atingir todos os níveis da operação dos hotéis, o que inclui um vasto conjunto de funções, desde empregados de mesa, pessoal de recepção e serviço de quartos, bagageiros, concierges e funções de apoio à operação, como financeiros, revenue managers e ainda marketing digital. Muitos dos anúncios de emprego colocados ficam desertos também porque a taxa de desemprego em alguns locais do país é já tecnicamente inexistente. Esta situação tem levado a que muitos grupos hoteleiros optem por fazer, por exemplo, open days, e outros mantenham programas de recrutamento ao longo de todo o ano.

E esta tendência tenderá a acentuar-se no futuro? Que números gostaria de ter no final deste ano?

Não podemos falar de números. Com a falta de recursos humanos existente em Portugal, consideramos fundamental que se desenvolva uma política de descongelamento das quotas de imigração, para captar trabalhadores estrangeiros.  Temos, por isso, um grande trabalho pela frente – enquadramento legal e fiscal que cative pessoas a virem para Portugal e que torne mais simples o processo de captação de trabalhadores.

Como é que trabalha para alcançar esses resultados? Há um trabalho de sensibilização a fazer junto dos colaboradores e empregadores?

A questão é que não há recursos humanos. Trabalhar na hotelaria requer uma grande dose de paixão, pelo que temos de continuar a trabalhar para reter os nossos talentos.

O que é que a hotelaria está a fazer para reter talentos?

A hotelaria tem apostado muito na formação, pelo que o trabalho de parceria que a AHP tem desenvolvido com os seus associados, através da AHP Hotel Academy, tem sido fundamental – Ter pessoas qualificadas e motivadas é logo meio caminho para as reter. Quando iniciámos este projecto sabíamos da importância que este iria ter para os nossos associados e para os seus colaboradores.

Quais as novidades previstas na academia da AHP para o segundo semestre de 2019?

No último trimestre de 2019 irão recomeçar os cursos em Lisboa e estamos a preparar algumas novidades tanto em termos de novos cursos, como de reajuste de alguns programas formativos, que continuamente necessitam adaptação face aos novos mercados que nos chegam e às exigências que diariamente nos colocam.

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