“Forever Labor Shortage”. Sabe o que é? Já chegou aos Estados Unidos. Irá atingir também a Europa?
Desde a pandemia, grandes e pequenas empresas americanas têm lutado para encontrar talento suficiente para manter o negócio a funcionar. Foram forçadas a oferecer salários altos e benefícios atractivos, enquanto os colaboradores procuravam melhores ofertas ou simplesmente saíam para se juntar à “Great Resignation”.
Só que, agora, os despedimentos aumentaram e as vagas de emprego diminuíram. A economia está a desacelerar e as taxas de juros sobem a uma velocidade que já não se via há décadas. Segundo a lógica, o equilíbrio de poder no mercado de trabalho deveria estar a pender para o lado dos empregadores.
Estranhamente, não está, avança o Insider. Qualquer empresa que esteja a contratar diz o mesmo: encontrar e contratar pessoas suficientemente qualificadas para as funções que precisam de preencher continua a ser extremamente difícil. De alguma forma, os trabalhadores ainda detêm o poder, e uma grande mudança que está a acontecer no mercado de trabalho pode manter as coisas assim para sempre.
Essa mudança resume-se à demografia. Desde o Baby Boom, que se seguiu à II Guerra Mundial, as empresas desfrutam de um “fornecimento” inesgotável de trabalhadores. Para um trabalhador que saísse, havia mais umas dezenas à porta para o substituir. A abundância de trabalhadores tornava-os baratos e descartáveis.
Mas agora, esses Baby Boomers estão a aposentar-se em massa e, de repente, as empresas vêem-se sem essa reserva infinita de mão-de-obra disponível. «A escassez que vivemos hoje provavelmente continuará assim e talvez piore», revela Jay Denton, chief analytics officer da LaborIQ, que disponibiliza análises salariais aos empregadores. «Vai continuar a ser muito difícil atrair pessoas e colocá-las em novos empregos.» Os Estados Unidos estão a entrar no que começa a chamar-se uma “Forever Labor Shortage” (“Eterna Escassez de Mão-de-Obra”).
Pode parecer um passado longínquo, mas o Baby Boom mudou o mercado de trabalho dos EUA. À medida que os Boomers atingiram a maioridade, a economia de repente encheu-se de milhões de novos trabalhadores à procura de emprego. Na década de 60, a população activa subiu 17% e 19% na década seguinte. Para quem estava a contratar, foram bons tempos.
Mas os Boomers, ao contrário dos seus pais, não tiveram muitos filhos. A pílula e a legalização do aborto fizeram com que as taxas de fertilidade diminuíssem, de 3,7 filhos por mulher em 1960 para 1,8 filho uma década e meia depois. Durante algumas décadas, uma afluência de mulheres e imigrantes na força de trabalho manteve o mercado em expansão. Mas em 2000, a crescente oferta de trabalhadoras atingiu o seu pico e, no final da década de 2010, não havia mais trabalhadores para contratar, exactamente no momento em que os primeiros baby boomers começaram a aposentar-se. E depois veio a pandemia. A imigração parou, a onda de aposentadoria dos boomers acelerou e milhões de boomers mais jovens aproveitaram para se reformar mais cedo.
Em Abril, a taxa de desemprego caiu para o nível mais baixo desde 1969, o que significa que restam poucos trabalhadores disponíveis para contratar. E a escassez está apenas a começar. O governo norte-americano prevê que a potencial força de trabalho cresça apenas 3,6% entre 2022 e 2031. Na década seguinte, prevê-se que esse crescimento desacelere ainda mais, para 2,9%. Isso significa que os empregadores enfrentam décadas de uma força de trabalho essencialmente estagnada.
O que significa esta “Eterna Escassez de Mão-de-Obra” para os trabalhadores nos próximos anos? O resultado será uma competição feroz pelos seus serviços. Para começar, podem esperar salários mais altos. Em Abril, por exemplo, o salário médio por hora subiu 4,4% em relação ao ano anterior.
Para atrair profissionais suficientes, os empregadores também serão forçados a dar melhores benefícios e condições de trabalho. Aaron Terrazas, director de Economia do site Glassdoor, exemplifica com a «grande mudança de mentalidade» que está a acontecer no sector dos transportes de mercadorias. Para atrair mais motoristas, algumas empresas começaram a dividir as suas rotas de longo curso, permitindo que os motoristas façam percursos mais curtos em vez de os forçar a enfrentar turnos cansativos. «Quando a oferta de mão-de-obra é abundante, é mais fácil desenvolver e implementar práticas de negócio benéficas para as organizações. Mas quando é escassa, as empresas precisam de ser mais activas na escuta dos seus colaboradores», explica Terrazas.
Outra consequência será que, nos próximos anos, os trabalhadores mais jovens podem esperar receber promoções mais rapidamente à medida que a chefia mais senior se aposenta. No ano passado, estima-se que 29% dos gestores – e 40% dos CEO – tinham 55 anos ou mais. À medida que estes caminharem para a reforma, uma geração de trabalhadores mais jovens ascenderá rapidamente. «Haverá muitas oportunidades de progressão na carreira», revela Jay Denton.
Mas talvez a maior mudança provocada pela escassez de mão-de-obra não seja a forma como os empregadores contratam, mas sim quem contratam. Perante uma oferta restrita de talento, as empresas serão forçadas a empregar aqueles que há muito evitam ou ignoram. O governo federal está a aligeirar os requisitos de testes de drogas para candidatos a empregos, e mais empresas estão a contratar pessoas com antecedentes criminais. As empresas também estão a flexibilizar os empregos para atrair mães com filhos pequenos e pessoas com deficiência. Na “Forever Labor Shortage”, todos os trabalhadores serão considerados.
Mas esta nova era de escassez traz um problema e os empregadores não vão aceitar isso de braços cruzados. A falta de talento torna os trabalhadores mais caros e esse não é um preço que as empresas estejam dispostas a pagar. «Os preços altos estimulam inovação, que alarga a oferta e, por fim, reduz os preços. Algumas dessas inovações serão pequenas, outras serão realmente grandes», diz Terrazas.
Que tipo de “inovações” introduzirão os empregadores? Alguns recorrerão à táctica do offshoring. Se as empresas não conseguem encontrar trabalhadores suficientes em casa, vão procurar fora. E algumas empresas de tecnologia já estão a transferir as suas funções de engenharia de software para o exterior, contratando programadores em lugares como a América Latina.
Outras empresas tentarão eliminar a necessidade de trabalhadores. A hotelaria e restauração, por exemplo, é um sector que já não regista um fluxo constante de trabalhadores jovens com baixos salários. Os restaurantes começaram a substituir empregados de mesa por apps de pedidos e os hotéis reduziram a necessidade de funcionários de limpeza ao eliminar a limpeza diária dos quartos. Essas mudanças já podiam ter sido feitas no passado, mas as empresas não achavam que o investimento valesse a pena, até que uma escassez aguda de pessoal os forçou a repensar a maneira como operam. A pergunta que se impõe é: até que ponto essas adaptações necessárias vão acabar por eliminar funções e empregos para a próxima geração?
Tudo isto significa que a “Eterna Escassez de Mão-de-Obra” será uma batalha bem longa, pois o poder nunca muda de mãos facilmente. Milhões de trabalhadores vão beneficiar com a nova mudança demográfica, mas quanto maior for a recompensa para os funcionários, maior será a reacção dos empregadores. «É um erro presumir que a linha sempre será ascendente. O caminho vai estar repleto de altos e baixos», conclui Terrazas.