Horário flexível: As duas faces da moeda de trabalhadores com filhos menores de 12 anos
O recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Outubro, decidiu condenar o empregador a aceitar o pedido de uma trabalhadora, mãe de filho menor de 12 anos, de ver fixadas as folgas semanais ao sábado e ao domingo.
Por Catarina Mesquita Alves, Associada Sénior da Equipa de Laboral da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados
Na verdade, e no nosso entendimento, este acórdão vai além do que esta mera súmula: esta decisão veio (re)abrir as hostilidades em torno da interpretação do que é considerado horário de trabalho para efeitos do regime do horário flexível, previsto no pacote de medidas de protecção social da parentalidade. De referir que outros arestos houve, neste mesmo ano e deste Supremo Tribunal de Justiça, com o mesmo posicionamento.
Ora, a questão de fundo não reside, assim, na análise dos requisitos legais para pedido de horário flexível, mas, parece-nos, em saber interpretar o que está abrangido naquele “horário flexível”, trabalho que se faz à luz dos normativos da lei civil geral e, também, a reboque dos princípios constitucionais que aqui têm expressão.
Os princípios previstos na Constituição da República Portuguesa que norteiam o regime da parentalidade e da protecção social da família, rezam que todos os trabalhadores tem direito à organização do trabalho de forma a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar; incumbe ao Estado garantir a protecção da família, promovendo, através da concertação das várias políticas sectoriais a conciliação da actividade profissional com a vida familiar, que assegurem a possibilidade de os pais cumprirem a sua acção perante os filhos, sem comprometimento da realização profissional.
Assim, tendo estes princípios bem enraizados – caminho, em certa medida, já iniciado, mas ainda não terminado –, o passo seguinte desta introspecção passa por uma análise mais objectiva do que deverá ser considerado “horário flexível”. Na verdade, insiste-se neste ponto, pois, acreditamos ser este o foco e o cerne da matéria levada a escrutínio deste Supremo Tribunal.
Neste sentido, como bem foi decidido dia 12 de Outubro (e nas outras que lhe antecederam), o conceito de “horário flexível” parte da definição, a montante, de horário de trabalho, esta enquanto determinação das horas de início e de termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal.
Ora, com este enquadramento legal, um pedido de horário flexível feito por trabalhador com filho menor de 12 anos (e noutros casos tipificados na lei) poderá versar sobre os dias de descanso semanal, incluindo o sábado e o domingo. Se assim não fosse, subvertia-se, de forma injustificada, a própria protecção social e garantia constitucional acima explicada, pois só assim se alcança a máxima plenitude da dita conciliação entre a vida profissional e familiar.
Outro ponto a reflectir, mas que não contende com o antes dito, consiste no funcionamento do regime legal do horário flexível, enquanto medida proteccionista, e quais os mecanismos ao dispor dos trabalhadores. Perante um pedido desta natureza, devidamente fundamentado e documentado pelo requerente, o empregador apenas poderá recusá-lo se exigências imperiosas do funcionamento da empresa estiverem comprometidas, como motivos legais ou contratuais que impossibilitem a atribuição do horário solicitado, por exemplo, se o horário solicitado implicar ficarem períodos de tempo a descoberto, ou caso se trate de trabalhador indispensável.
Assim, estes argumentos terão de passar pela apreciação da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), a qual tende a ser “formalista”, desvalorizando as dificuldades operacionais, de organização interna e de recursos das empresas.
O caminho faz-se caminhando. E, embora este acórdão não tenha aberto um precedente, veio enaltecer o âmbito destes pedidos, alertando trabalhadores e empresas para os direitos e obrigações em causa, incluindo o direito de fixação dos dias de folga semanal ao fim-de-semana.
No entanto, nada veda às empresas o exercício do direito que lhes assiste de recusa do pedido, fundamentado, sujeito a apreciação da CITE e, no limite, a apreciação judicial. Não esquecer que o regime legal da protecção da parentalidade não pode colocar em causa o funcionamento das empresas ou a sua sustentabilidade. Impõe-se um equilíbrio entre as duas faces da moeda, a tal “conciliação” entre a vida profissional e familiar.