IE University. Mostrar aos trabalhadores o que está por trás da cortina da IA
A actual revolução da IA é uma ilustração perfeita da terceira lei de Arthur C. Clarke: «Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.»
Por Enrique Dans, professor de Tecnologias de Informação e Sistemas, na IE University
Actualmente, as empresas estão a descobrir que os seus colaboradores são mais produtivos quando utilizam assistentes de inteligência artificial (IA) no seu trabalho diário. De acordo com a Accenture, 40% de todas as horas de trabalho podem ser afectadas pelos grandes modelos linguísticos (como o ChatGPT) «porque as tarefas linguísticas absorvem 62% do tempo total de trabalho dos colaboradores, 65% do qual pode passar a ser dedicado a uma actividade mais produtiva através do aumento e da automatização». Além disso, juntamente com Daniel Rock da Wharton School, os investigadores da OpenAI descobriram que, «com acesso a um LLM (large language model), cerca de 15% de todas as tarefas dos trabalhadores nos EUA poderiam ser concluídas a um ritmo significativamente mais acelerado com o mesmo nível de qualidade».
Claro está que, além de se revelar geralmente uma vantagem competitiva nas empresas, essa produtividade tem um grande impacto socioeconómico. Assim, embora poucos analistas questionem a importância de as empresas terem uma força de trabalho formada e capaz de tirar o máximo partido dos LLM, ninguém parece saber exactamente o que isso significa ou como fazê-lo.
De momento, as empresas que recorrem à IA utilizam sobretudo os assistentes generativos para facilitar a realização de tarefas administrativas, desde a composição de emails genéricos ou cartas modelo até à elaboração de apresentações ou folhas de cálculo. Estas capacidades advêm de soluções como o Copilot da Microsoft e o Gemini da Google, entre outros.
Apesar de útil, a verdade é que esta tecnologia, com tudo o que faz pelos colaboradores, é pouco mais sofisticada do que as “aulas de burótica” de há umas décadas. Apesar de básica, a força de trabalho continua a utilizar a IA, o que leva muitas empresas a crer, erradamente, que estão a dar formação no local de trabalho aos seus colaboradores sobre a utilização da IA, quando, na realidade, só estão a requalificá-los com versões mais ou menos impressionantes de engenharia de instruções. No entanto, pedir a um assistente generativo para executar uma acção qualquer não se resume apenas a quatro receitas básicas. E embora, de facto, assim possa parecer para quem é inexperiente na aprendizagem de IA, a engenharia de instruções não é magia nem produto de uma ciência extremamente complexa. A engenharia de instruções é fácil e, em breve, até acabará por ser bastante desnecessária. Como salientam Rick Battle e Teja Gollapudi, da VMware, é melhor deixar os algoritmos, por si só, desenvolver e optimizar as instruções.
O que os líderes empresariais e os profissionais precisam de ter em mente é que os especialistas das big tech querem levar-nos a ver a IA como uma arte obscura altamente complexa, para nos convencer de que o melhor é comprar a deles. A verdade, porém, é que as dificuldades de acesso à IA são muito menos significativas do que as big tech nos querem fazer crer; o que significa que a competitividade da sua empresa não depende da capacidade de saber tirar o melhor proveito dos serviços fornecidos pela Microsoft ou pela Google, mas sim da criação e do desenvolvimento de algoritmos próprios instruídos com os dados gerados pela sua actividade comercial. Não se deixe enganar.
Assim, e tendo isto em conta, é essencial conceber um programa de formação em IA que não se fique pelo conhecimento superficial. A formação deve centrar-se em ajudar os colaboradores a aprender a diferenciar as capacidades reais da IA da frequente percepção de que a tecnologia é fruto de “magia”. Ao fornecerem uma compreensão clara das possibilidades da IA, bem como das suas limitações, os líderes permitem que a força de trabalho tome decisões informadas, aumente significativamente a sua produtividade e impulsione a inovação na empresa.
Para tal, a formação deve começar por apresentar os conceitos e desenvolvimentos básicos da aprendizagem automática sem exigir grandes conhecimentos de programação. Esta abordagem permitirá aos colaboradores compreender os princípios fundamentais dos algoritmos, aprender a visualizar a importância dos dados e perceber os conceitos básicos de estatística ou, pelo menos, actualizar o que aprenderam na escola ou na faculdade.
A partir daí, a formação pode progredir da aprendizagem automática para os algoritmos generativos, sendo apenas uma questão de compreender as possibilidades dos LLM. Deve também abranger o papel da dimensão na IA, ou seja, como optimizar os vários parâmetros e estruturas dos sistemas de IA, de modo a obter o melhor desempenho possível (porque, embora as suas capacidades nos possam parecer impressionantes, o seu desempenho poderia ser muitíssimo melhor). Ao compreenderem estes conceitos, os colaboradores estarão mais bem equipados para conceitualizar as aplicações de IA e compreender o que é ou não possível pedir; por exemplo, se serão capazes de redesenhar produtos ou serviços com características mais competitivas.
A formação dos colaboradores deve também centrar-se nas diferenças entre as várias abordagens de desenvolvimento da IA, por exemplo, as RAG (retrieval-augmented generation), as LoRA (low-rank adaptations) e o desenvolvimento completo de um modelo. Este conhecimento ajudá-los-á a compreender os meandros da IA, incluindo as suas limitações e potencial de erro, bem como os métodos para melhorar o desempenho.
A IA não é magia
Apesar de, inicialmente, isto poder parecer intimidante para alguns colaboradores, indo além da simples engenharia de instruções e concentrando-se nos princípios fundamentais da tecnologia, as organizações podem cultivar uma força de trabalho com as competências necessárias para se adaptar e prosperar no actual contexto em que o local de trabalho é impulsionado pela IA.
Mais uma vez, ao longo do processo de formação, é essencial sublinhar que a IA não é magia, mas sim uma tecnologia que tem de ser compreendida e, depois, aproveitada. É por isso que o primeiro passo de desmistificação é tão importante. Capacite os colaboradores para conhecerem melhor a tecnologia que utilizam e promova uma cultura de inovação, fornecendo- lhes as ferramentas necessárias para tomarem decisões bem informadas. Além disso, e talvez isto seja difícil para algumas organizações, deixe que os colaboradores e as equipas cometam erros no seu percurso de aprendizagem da eficaz utilização da IA. Para isso, terá de formar os seus colaboradores para que sejam mais do que máquinas que escrevem mensagens.
A liderança desempenha um papel fundamental na promoção da adopção e formação em IA numa organização. Assim, o apoio e a adesão da direcção executiva são importantes para dotar a força de trabalho dos conhecimentos necessários para utilizar devidamente a IA generativa. Devem não só alocar recursos para a tecnologia e a formação, mas também definir prioridades. Além disso, os executivos têm de dar o exemplo e envolver-se activamente na aprendizagem da IA. Mostrar que também eles dedicam algum tempo a aprender a utilizar esta tecnologia dará o mote para toda a organização.
A função dos líderes de todos os sectores é ajudar os colaboradores a deixarem de ver magia onde apenas existe tecnologia, para que possam compreender como ela funciona e o que podem esperar dela. Basta isso.
Este artigo foi publicado na edição de Setembro (nº. 165) da Human Resources.
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